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Facebook não é grátis, nem nunca será!

23 de Agosto de 2015, 15:27 , por Bertoni - | No one following this article yet.
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Artigo sugerido por Meg Thai

Por Alexandra Lucas Coelho, no publico.pt

1. No Verão de 2015, o Facebook chegou a 1,49 mil milhões de utilizadores, ou seja, metade da população online do planeta, e para a outra metade há aquele aliciante à entrada da rede: “Facebook: é grátis, e sempre será”. A este ritmo, talvez antes de acabar a água no planeta a rede de Mark Zuckerberg chegue a vários mil milhões. Se isso vai ser bom para o planeta em geral, e a liberdade em particular, depende de como esses milhões usarem o Facebook, mas certamente será bom manter presente que não só o Facebook não é grátis como é amigo do alheio: Zuckerberg não enriqueceu a dar, nem sequer a tirar dos ricos para dar aos pobres, mas a tirar de toda a gente sem distinção de cor, género, credo ou bolsa. Aliás, tirar não é de facto a palavra porque ele não o faz sem permissão, cada um dá o que entende, mesmo que não o entenda, o que em centenas de milhões de casos é muito. Portanto, Zuckerberg é aquele multimilionário que enriqueceu de forma supersónica com as doações de 1,49 mil milhões de pessoas. Uma ideia megalucrativa que mudou a vida do planeta. Por isso é megalucrativa, e por isso não é grátis.

2. Facebook should pay all of us (O Facebook devia pagar a todos nós), escreve esta semana no site da New Yorker Tim Wu, professor de Direito na Universidade de Columbia. Vale a pena ler e partilhar (estou fora da rede há semanas, imagino que muita gente o tenha feito no Facebook). Algumas das sínteses de Wu: o Facebook é um modelo de negócio; o modelo de negócio do Facebook assenta na informação entregue pelos seus utilizadores; os utilizadores do Facebook não têm consciência do valor do que entregam (dados pessoais, fotografas, vídeos, textos, sons), ou de como isso pode ser transformado em dinheiro, alimentando esse e outros negócios, por exemplo publicidade dirigida. E o mais provável é que ainda não tenhamos visto nada. “Uma das razões pelas quais Zuckerberg é tão rico”, escreve Tim Wu, “é que o mercado de capitais parte do princípio de que, em algum momento, ele vai engendrar uma nova forma de extrair lucro de toda a informação que acumulou sobre nós.” Wu acha provável que “a maior inovação do Facebook não seja a rede social em si mas a criação de uma ferramenta que convenceu centenas de milhões de pessoas a entregarem tanto em troca de tão pouco”. O Facebook não é a única rede ou ferramenta que o faz, mas nenhuma outra convenceu tanta gente a dar tanto. Isto só é possível porque uma peça decisiva dessa ferramenta é convencer-nos do contrário, de que temos acesso a tanto por nada. Num universo consumista, anunciar-se como grátis é uma arma poderosa, o utilizador sente-se agradecido, Quando, na verdade, se trata de “uma gigantesca transferência de muitos para poucos” com um risco claro: quanto mais informação as pessoas entregarem, mais vulneráveis ficarão. Wu fala sobretudo de uma vulnerabilidade comercial, mas podia falar de política ou de sexo. Vulnerabilidade a qualquer tipo de intromissão, agressão, exploração. Quem acha que não paga, ou não tem noção do que paga, ou acha que recebe muito em troca de pouco, não fará exigências. E nunca o futuro foi tanto o próximo segundo. Tudo será muito rápido.

O Facebook não só não é grátis como é amigo do alheio:
Zuckerberg enriqueceu a tirar dados de toda a gente sem
distinção de cor, género, credo ou bolsa

3. Resisti a entrar no Facebook até ir morar para o Brasil, em 2010. Como amostra do que se está a passar num lugar, em texto, imagem ou som, pode ser muito versátil, quanto mais, e mais variadas, forem as pessoas que seguimos, e isso aplicou-se tanto a Portugal nos anos brasileiros como se aplica ao Brasil desde que deixei de morar lá, e a todos os lugares onde criamos alguma raiz. Ao longo destes cinco anos, tenho suspendido o meu mural por dias ou meses, conforme preciso para trabalhar. Há mil maneiras de usar o Facebook, algumas mudaram de forma decisiva a pesquisa para textos ou livros, o acesso rápido a fontes, a localização de pessoas nos antípodas, o que é válido nos dois sentidos. Quem usa o Facebook para localizar gente também é facilmente localizável por desconhecidos. Ao longo destes anos houve muitos cruzamentos felizes por tudo isto (os infelizes foram, em geral, comentários que me devia ter abstido de fazer). Mas como uso o Facebook essencialmente para trabalho, o meu mural é totalmente aberto, portanto não publico imagens, sons ou textos de contextos privados, apenas materiais públicos ou que o venham a ser de alguma forma. Há murais fechados, ou mais fechados, que usam a rede como comunicação interna, privada, e muitos outras variantes. Seja como for, para quem trabalha longas horas ao computador, o Facebook facilmente se torna um queimador de tempo viciante. E, conjugado com todo o resto do tempo que passamos online, o mais provável é que esteja a mudar a escrita tal como a entendemos, A morte do romance foi decretada logo que o romance nasceu, mas talvez a questão agora seja como chamar à dispersão narrativa que a dispersão online produz.

4. Acredito na descriminalização de tudo o que só envolve um indivíduo soberano (o consumo de qualquer droga, por exemplo), portanto acredito que entre adição e rejeição cada um saberá como quer (ou não) usar as redes sociais. O Facebook tanto pode ser uma perda de tempo como um instrumento de combate ou a extracção de mais-valia. Se Zuckerberg é a 8ª pessoa mais rica do planeta, há que manter presente de onde essa riqueza vem ao fazer log in. Cada um será tanto mais livre quanto melhor souber o que está a dar, e o limite dessa liberdade é não dar o que não é de cada um: a privacidade de terceiros que não deram (ou não podem dar) permissão para isso.


Bertoni