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Getúlios

18 de Fevereiro de 2015, 14:30 , por Bertoni - | No one following this article yet.
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Por  Clemente Ganz Lúcio

O processo eleitoral recente foi quente, recolocando o embate político em todas as esferas da sociedade brasileira. Projetos de desenvolvimento colocados em disputa, visões diferentes sobre a estrutura e o poder do Estado, o papel das forças sociais e das instituições testado. Exigiu-se das organizações que promovem o jogo democrático, em especial dos partidos políticos, uma resposta à altura para promover um debate que esclarecesse e abrisse opções e possibilidades de escolha, pelo voto, de continuidade ou alternância. Esse jogo de debate, de disputa e de escolha envolve inúmeras dimensões e práticas que vão, permanentemente, nas condições concretas, construindo a democracia.

Mas a história do Brasil é marcada por golpes e pela luta pelo restabelecimento da liberdade e da democracia. Essa luta não tem fim, é permanente. A história econômica e política do país é sinalizada por processos tensos e muitos conflitos em um país grande, com muita riqueza, objeto de cobiça e disputa ao longo de 500 anos. O último século, em especial, foi de profundas transformações econômicas, sociais, culturais e políticas. Recuperar essa história faz parte do conhecimento necessário para compreender o presente e prospectar os desafios do futuro.

Uma maneira de apreender a história é por meio da trajetória de personagens que a marcaram. Getúlio Vargas é um desses grandes personagens que reúne, no curso da vida, conflitos e contradições do desenvolvimento do país. Foi brilhantemente biografado por Lira Neto, que sustenta uma narrativa envolvente em três volumes que contam a história do país por meio da vida do ex-presidente. “Getúlio: dos anos de formação à conquista do poder (1882-1930)”; “Getúlio: do governo provisório à ditadura do Estado Novo (1930-1945)”; “Getúlio: da volta pela consagração popular ao suicídio (1945 - 1954)”, todos publicados pela Companhia de Letras.

O trabalho foi fundamentado por uma vigorosa pesquisa documental a partir da qual o autor construiu o percurso do desenvolvimento do país, costurado a partir dos fatos e contextos da vida privada e pública de Getúlio, tangenciando a alma desse personagem que marcou a história econômica e política.

Lira Neto conta a história do berço do caudilhismo gaúcho até a chegada de Getúlio à presidência, encilhando o cavalo no Catete, no início dos anos 1930; aborda o governo autoritário até a deposição, em 1945; a volta apoiada no movimento queremista, as eleições em 1950, o suicídio em 1954.

É fascinante a história por trás da instituição do salário mínimo; da legislação de proteção laboral; de representação sindical; do direito de greve, estabelecido na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT; da criação da Petrobras, do atual BNDES, da Eletrobras, da infraestrutura produtiva, com a Companhia Siderúrgica Nacional, entre inúmeros outros feitos.

O suicídio, em 1954, conforme afirmou depois Tancredo Neves, retarda em 10 anos o golpe civil-militar de 1964 e abre caminho para a eleição de Juscelino Kubitschek, com Jango na vice-presidência, resultando na construção de Brasília e em tudo que isso significou.

A biografia recupera a formação do pensamento da elite, suas articulações e estratégias para se enraizar no poder, bem como ajuda a compreender o que é a “arte da política” diante das contradições de uma sociedade capitalista em expansão.
Esta leitura será iluminada se vier acompanhada pela empreitada, de maior fôlego, para percorrer os sete volumes da clássica série literária de Érico Veríssimo, intitulada “O tempo e o vento”, dividida em três partes: “O Continente”, “O retrato” e “O arquipélago”.  A obra percorre dois séculos (1745 a 1945) da história do Brasil e do Rio Grande do Sul e ajuda a compreender a alma gaúcha e o perfil de Getúlio.
Leituras para religar significados e estabelecer elos com muito do que vivemos e viveremos.

Clemente Ganz Lúcio é Sociólogo, diretor técnico do DIEESE, membro do CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.


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