A divulgação pela Bloomberg, uma agência norte-americana de informações, da investigação do TCU (Tribunal de Contas da União) em relação à operação de empréstimo da Caixa Econômica Federal que possibilitou a compra da Alpargatas (dona da marca Havaianas) pela J&F (dona da JBS-Friboi) demonstra os verdadeiros objetivos da elite vassala e rentista brasileira.
A aquisição da Alpargatas custou à J&F R$ 2,67 bilhões, 100% financiados pela Caixa com carência de 2 anos.
O pedido de investigação foi feito pelo Ministério Público no TCU há cerca de dois meses por suspeita de que a J&F tenha sido beneficiada com esse financiamento ocorrido no fim do ano passado, quando a construtora Camargo Corrêa vendeu sua participação acionária na companhia de calçados. Na época da operação, o presidente do conselho da J&F era o atual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. A presidente da Caixa era a ex-ministra do Planejamento no governo Dilma Rousseff Mirian Belchior.
A Alpagartas, é uma das poucas empresas brasileiras com mais de 100 anos de existência. Fundada em 1907, com o nome original de Fábrica Brasileira de Alpargatas e Calçados, pelo escocês Robert Fraser, que havia criado fábricas de Alpargatas na Argentina e no Uruguai, em 1909 passa a se chamar São Paulo Alpargatas Company S.A.
Na década de 1930 o controle acionário da São Paulo Alpargatas foi transferido para a Alpargatas Argentina. Em 1948 inicia-se um lento processo de renacionalização do capital da Alpargatas que termina em 1982 quando o grupo brasileiro Camargo Correia assume o controle acionário da empresa. Em 1999 a São Paulo Alpargatas adquire 3% do capital da Alpargatas Argentina, sua antiga controladora, e em 2013 encerra o processo de compra de 100% das ações da empresa argentina transformando-a em subsidiária da transnacional brasileira. Com esta operação a Alpargatas transformou-se no maior grupo calçadista da América do Sul.
Parte deste sucesso da Alpargatas brasileira se deve a um projeto de reposicionamento de mercado de um de seus produtos mais populares: os chinelos de borracha com a marca Havaianas, produzidos desde 1962. De 1994 a 2000, as Havaianas passam por um processo de sofisticação que inclui muitos lançamentos (variações do modelo original) e fortes campanhas publicitárias com a participação de modelos e celebridades. As exportações aceleraram e a marca ganhou espaço em revistas e nas principais vitrines de moda, levando a bandeira do Brasil mundo afora.
A Alpargatas, assim como Oderbrecht, Petrobras, Embraer e JBS são companhias de capital brasileiro bem sucedidas nos mercados nacional e internacional e que fazem parte do seleto grupo de empresas conhecidas como Translatinas, empresas multinacionais cuja sede e controle acionário se encontram nos países latinoamericanos.
Deste seleto grupo de empresas transnacionais brasileiras a única que ainda não está sendo investigada pelas autoridades brasileiras é a Embraer. Contudo, a terceira maior produtora de jatos comerciais do mundo está sendo acusada nos EUA por suposto suborno a autoridades da Republica Dominicana para vendas de aeronaves militares, enquanto sete escritórios de advocacia dos EUA anunciaram que estão avaliando ações contra a empresa por violação da legislação norte-americana ou pela divulgação de informações enganosas a investidores.
Fica evidente que o surgimento, crescimento e sucesso de empresas transnacionais sediadas em países latinoamericanos incomoda as transnacionais sediadas nos EUA e que todo o sistema do império (governo, justiça, imprensa, interesses privados, etc) se juntam para evitar que suas empresas percam espaço para concorrentes do chamado terceiro mundo.
Já aqui no Brasil, a elite rentista e vassala se esforça para defender os interesses de seus patrões estrangeiros e "investiga" impiedosamente as translatinas, enquanto fecha os olhos para os absurdos cometidos por empresas transnacionais estrangeiras instaladas no Brasil.
Os mesmos Ministério Público e TCU que tanto se preocupam com a transação entre a Camargo Correia e JBS, não se mostraram tão interessados em investigar e processar a Ásia Motors e sua controladora KIA, que se valeram de benefícios fiscais na Bahia, mas jamais construíram a fábrica prometida. Ao contrário, em setembro de 2013, a justiça brasileira liberou a KIA de pagar a multa de R$ 1,7 bilhões, alegando que a KIA não era dona da operação brasileira da Asia Motors, o que é bastante questionável já que a KIA detinha o controle acionário da Ásia Motors desde 1976.
Recentemente, a KIA inaugurou no México a megafábrica que deveria ter sido construída no Brasil no final da década de 1990.
Certamente, você não verá os falsomoralistas, que tanto reclamam da "doação" de dinheiro público brasileiro aos cubanos para a construção do porto de Mariel, dizendo que a fábrica da KIA no México foi construída com o dinheiro público brasileiro. Afinal, para eles, sonegar é a regra privada.
Os orgãos brasileiros que não parecem interessados em investigar as denúncias contra a Alstom e o cartel de trens no estado de São Paulo, nem tampouco as denúncias relativas aos processos de privatização ocorridos no Brasil nos governos Sarney, Collor, Itamar e FHC, mostram-se aplicadíssimos nas investigações contra empresas brasileiras que cresceram e conquistaram mercados estrangeiros importantes nos últimos 13 anos.
Por mais que tenhamos claro que não existem santos operando no mercado e de ser alta a probabilidade de governos e empresas terem cometidos crimes nos processos que permitiram a expansão das últimas, não podemos deixar de notar a seletividade investigativa dos orgãos "competentes" brasileiros.
Mostram um vigor e uma disciplina "investigativa" contra empresas nacionais que obtiveram sucesso nos últimos anos ao passo que fecham os olhos para transações tenebrosas entre bancos públicos e empresas transnacionais estrangeiras em períodos anteriores ou em determinados estados da federação governados pela elite branca.
Estas investigações todas, infelizmente, não são para acabar com os mal feitos e punir os corruptos, mas sim para destruir o pouco que resta da indústria brasileira e matar no ninho as poucas tentativas de soberania industrial e tecnológica do Brasil.
Eis a grande desgraça do capitalismo dependente comandado por uma Casagrande vassala e rentista, cujo sonho maior é ser gerente de transnacional estrangeira.