Ir para o conteúdo

Bertoni

Voltar a Blog do Bertoni
Tela cheia

Pra mim, nada mudou...

9 de Fevereiro de 2015, 9:44 , por Bertoni - | No one following this article yet.
Visualizado 198 vezes

Setembro de 2006, campanha eleitoral. Lula disputa a reeleição. Alckmin é o candidato da oposição com o lema "O Brasil precisa de um gerente".

Saio do trabalho e paro em um posto de combustíveis para abastecer o meu Verona, vermelho, 1996. Devidamente adesivado, fazendo campanha para o, assim como eu,  ex-metalúrgico Lula.

O frentista que me atende, olha-me e baixinho diz:

- Este ano a gente leva, né?

Olho ao redor, só vejo carros com adesivos de Alckmin, um mar azul e amarelo. Naqueles tempos a expressão "coxinha" ainda não era usada para qualificar os repetidores de mantras tucanos.

Pergunto ao frentista:

- Nós quem, cara pálida?  Aqui só tem eleitor tucano!

- Nós, o povão! O Lulão leva essa, né? - responde-me ele indagando.

- Eu faço campanha para isso, mas percebo que aqui neste bairro a coisa não será fácil.

- Ah, estes riquinhos, não sabem nada. Só pensam neles...  e começa a me explicar os avanços no governo Lula.

Termina o abastecimento, digo a ele que gostaria de dar uma ducha no carro. Já são mais de 19h e a ducha estava por fechar. O frentista, animado com a conversa, me diz que ele mesmo lavaria o Verona.

Enquanto lava meu carro, ele segue animadamente falando sobre a sua identificação com o Presidente da República: "um peão como eu, povão como eu".

Do alto de minha arrogância intelectualóide interrompo a fala do frentista e afirmo:

- Na real, na real, para mim nada mudou. Continuo empregado, como era, ganhando a mesma coisa que ganhava, com o mesmo carro velho que tinha. Mas faço campanha pro Lula porque não penso só em mim e porque também conheço sua hsitória, além de conhecê-lo pessoalmente

Falei isso achando que estava abafando e mostrando meu comprometimento com a classe trabalhadora, à qual pertenço até hoje. E aí tomo na fuça!

- Como não mudou nada para você, camarada? Claro que mudou, claro que mudou. Tá bom, você pode não estar ganhando mais, mas 1º não perdeu emprego. 2º você está gastando menos. Você lembra quanto custava um saco de 5Kg de arroz em dezembro de 2002 quando FHC deixou o governo? E o feijão?

- O pacote arroz custava R$ 15,00 ou R$ 3,00 o quilo. - respondo encabulado e com aquela cara de "me ferrei, ele tá certo".

- Então, irmão, hoje o pacote de arroz está custando R$ 7,00 ou R$ 8,00. Você pode não estar ganhando mais, mas está gastando menos ou usando o dinheiro que te sobra para outras coisas. Antes mal alcançava para a alimentação e as contas do mês, não é?

Pois, ele tinha razão.

Me dei conta nesta conversa que, embora sendo um trabalhador como ele, eu já estava me rendendo aos vícios da classe média e em parte assumindo o discurso dos poderosos.

As mudanças que aconteceram no Brasil estavam ligadas a tirar a maioria da população brasileira do estado de indigência e da miséria.

Para as classes média e alta, isso pouco significa, pois já tinham acesso ao mínimo de educação, saúde, emprego e serviços que os mais pobres só passaram a ter a partir de 2004-2005. 

De fato, a tímida inclusão dos mais pobres irrita a classe média, que se preocupa mais em detonar a ascensão dos pobres que combater a acumulação de riquezas nas mãos de 1% de ricos que lhes cagam à cabeça.

1 Tempos depois de nossa conversa o frentista foi promovido a segurança e meses mais tarde deixaria o emprego no posto de combustíveis para ir trabalhar numa metalúrgica na região metropolitana para "ganhar 3 vezes mais", segundo seus colegas de trabalho no posto. 

2 Estamos em fevereiro de 2015, o pacote de arroz de 5 Kg custa em torno de R$ 12,00 a R$13,00, ou seja, passados 12 anos e 2 meses desde o fim da era FHC e com todos os aumentos que tivemos nos preços dos alimentos, este produto básico e tradicional à alimentção dos brasileiros ainda está cerca de 20% mais barato que na época do neoliberalismo descarado.


Bertoni