Quem acompanha este blog sabe que não sou de ficar publicando aqui coisas pessoais. Porém, o acidente sofrido no último dia 20/02/2013 me leva ao expediente.
Sérgio Luís Bertoni
O acidente
Estava eu com meu Ford Verona 1.8.i GL parado, na pista da esquerda, no semáforo da Av. General Mário Tourinho com Alameda Júlia da Costa, no bairro Campina do Siqueira, em Curitiba, quando fomos violentamente atingidos por um caminhão PUMA à serviço da empresa espanhola OHL - Autopista Litoral SUL.
Que porra* é essa? - foi o que gritei naquele momento ao olhar rapidamente para o retrovisor e ver que o caminhão continuava crescendo em minha direção, pois desgovernado, nos arrastava em direção ao cruzamento, onde outros veículos que trafegavam pela Alameda Júlia da Costa cruzavam tranquilamente a Av. Gen. Mário Tourinho.
A sensação que tive foi igual a aquela quando somos atingidos por uma grande e inesperada onda de mar, mesmo estando na parte mais raza...
Um Focus branco que vinha pela Júlia da Costa, à minha esquerda, sentido bairro-centro, conseguiu perceber o que passava, engatou ré, mas mesmo assim foi atingido pelo comboio formado pelo meu automóvel e o trem motor que era o caminhão desgovernado.
À direita, sentido bairro, trafegava um Peugeot 207 SW que acabaria se chocando com meu Verona e jogando-o para a calçada na Mário Tourinho já depois do cruzamento, onde fomos (eu e o Verona) parar em um poste.
Atrás do poste um jardineiro cortava a grama. Momentos antes ele cortava a grama no local onde o Verona foi arremessado...
O caminhão desgovernado seguiria adiante, arrastaria o Verona, atingiria a traseira do Peugeot 207 SW e se chocaria conta um VW Gol Preto estacionado em frente ao local de trabalho de seu proprietário.
O Gol, por sua vez, empurrado pelo caminhão atingiria uma Parati que se encontrava estacionada à sua frente.
O caminhão só pararia metros depois na calçada direita da Avenida General Mário Tourinho, onde quase se chocou contra a cerca de proteção de uma obra.
Mas e daí? - deve estar perguntando você, caro leitor. Acidentes de trânsito acontecem todos os dias e centenas de brasileiros morrem nas ruas e estradas de nosso país.
Nasci de novo!
Como você poderá observar nas fotos que estão na galeria Morte de Verona, eu nasci de novo no dia em que o querido Verona 1.8i GL morria, depois de 17 anos de cuidados e preparos para a tão sonhada placa preta.
O carro, carinhosamente chamado de Velhona pela filhota, estava em excelente estado de conservação e merecia elogios em todos os lugares por onde passava, para orgulho total de seu proprietário.
Ainda é difícil acreditar que o veículo que nos serviu por tanto tempo virou um monte de ferro retorcido e imprestável.
O Verona
Morava eu na Rússia quando, depois do fim da Autolatina (o casamento malfadado entre Ford e VW), a Ford fez uma promoção para desovar os estoques dos modelos Escort e Verona (equipados com motor VW) que seriam substituídos pelos novos Escort Hatch e Escort Sedan movidos pelos novos e potentes motores Zetec.
Fiquei sabendo da promoção ao ler na internet que o companheiro Vicentinho, atualmente deputado federal pelo PT de São Paulo, havia adqurido um Escort Azul. Não tive dúvidas. Passei a mão no telefone e entrei em contato com meu pai, para que ele fosse até a Ford e comprasse um Verona, que ele tanto queria. Eu tinha umas reservas e o que faltava seria coberto por um pequeno empréstimo a taxas de juros europeias...
Meu pai se aposentou trabalhando na Ford e portanto mantinha alguns dos benefícios dos trabalhadores da ativa como, por exemplo, comprar carros com desconto diretamente na montadora.
Apaixonado pelo Verona, o velho não teve dúvidas. Se dirigiu ao departamento de RH (Relações Humanas) da empresa, onde foi informado que não haviam mais veículos disponíveis.
Ah! Quando o velho me comunicou o ocorrido, entrei em contato com o diretor responsável pelo RH da Ford na América Latina, velho conhecido dos tempos das negociações e embates sindicais e questionei a indisponibilidade do veículo, especialmente para um ex-trabalhador que se aposentou ralando naquela empresa. Dias depois viria a resposta de que os veículos estavam disponíveis, mas somente na cor vermelha.
Maravilha! Era a cor que queríamos. Compramos o bichinho que ficaria sob os cuidados de meu pai entre 1996 e 2001 e faria a alegria dele e a minha em nossas viagens pelo Brasil.
2002, a primeira morte!
A partir de minha volta ao Brasil em 2001 o Verona passou a me servir como veículo oficial. Meu pai seguia com seu Ford Hobby 1.0 para rodar pela cidade como fizera nos anos anteriores.
Eis que durante uma viagem à Rússia, minha casa seria invadida por meliantes, fazendo com que meus pais viajassem à Curitiba para consertar os estragos e cuidar da casa enquanto eu não voltasse do exterior.
Cheguei em Sampa no dia 07 de setembro de 2002. Meu pai queria viajar para Sampa no domingo com o Verona, mas como eu precisava levar muitas coisas para Curitiba e tínhamos apenas um bagageiro de teto adequado ao Hobby, combinamos que eu viajaria com o Hobby e que ele voltaria a Sampa dirigindo seu escortinho 1.0.
A viagem no domingo 08/09/2002 foi horrivelmente inesquecível. Vários acidentes na Régis Bittencourt, tráfego descomunal na Serra do Cafezal, minha filhota vomitou um monte... isso sem contar a chuva torrencial que nos acompanhou durante toda a viagem. Demoramos mais de 9 horas para chegar à capital dos paranaenses.
Em Curitiba, desestimulei meu pai a viajar à Sampa naquele dia. Apesar dos protestos de minha avó, ele topou. Pedimos um pizza e abri o melhor vinho que tinha em casa. Desfrutamos juntos aquela garrafa do "sangue da terra". Seria aquele nosso último jantar juntos.
Na segunda 09/09/2002 meus pais e minha vó sairiam de minha casa para não chegar às suas. Cerca de 2 horas depois de nossa despedida com o meu "Vão com Deus", o Hobby 1.0 de meu pai seria esmagado por duas carretas na região de Barra do Turvo, matando ao meu pai e à sua mãe. Por um defeito no cinto de segurança do passageiro dianteiro, minha mãe seria arremessada para fora do veículo e salva da fatalidade.
Aquele dia ficaria marcado em minha vida para sempre. Aquele acidente poderia ter acontecido com o Verona?
Quase 200 mil quilômetros
Por conta de meu trabalho e de meu gosto por condução de veículos automotores, rodei com o Verona quase 200 mil quilômetros por este Brasilzão afora.
Centenas de vezes passei pelo local onde meu pai faleceu em 2002 e sempre me perguntava: o acidente de 2002 poderia ter acontecido com o Verona?
Nos últimos tempos dizia a mim mesmo que não, pois todos sabemos que em história não existe "se". Só existe o que aconteceu. O resto é especulação ou masturbação mental.
2013, a morte
Como trafegava muito por São Paulo, Rio e rodovias movimentadíssimas, principalmente Regis Bittencourt e Dutra, jamais imaginaria que a morte do Verona viesse a ocorrer nas ruas de uma cidade com menos automóveis que as duas grandes capitais brasileiras e onde os motoristas insistem em andar a velocidades extremamente baixas...
Mas eis que, parado no semáforo, ouvindo tranquilamente as notícias no rádio, com a cabeça devidamente repousada no encosto de cabeças, seríamos violentamente atingidos e arrastados levando-nos à morte do Verona.
Habitáculo
Estou convencido de que não morri porque o sistema de segurança passiva do Ford Verona 1.8i GL funcionou perfeitamente, distribuindo a energia do impacto por toda a carroceria do veículo e mantendo o habitáculo do motorista e do passageiro dianteiro praticamente ilesos.
Banco e cintos de segurança
Estes cumpiram suas funções perfeitamente. O uso do cinto de segurança evitou que fosse arremessado contra o volante do veículo quando do brutal choque sofrido na traseira do Verona.
O banco serviu de amortecedor para minhas costas quando, no momento da batida frontal, o encosto foi jogado para traz mantendo meu corpo completamente apoiado.
A única lesão grave que tive foi uma luxação no ombro direito que faz com que minha direita fique imobilizada por alguns dias, mas minha esquerda continue livre, leve e solta, fazendo o que sempre soube fazer.
Conservadão
O Veroninha estava super conservado e este orgulho ninguém poderá tirar de mim.
Boas lembranças vou guardar deste companheiro de longas jornadas rodoviárias e que, mesmo depois do brutal acidente, continuou imponente exibindo seu estado de conservação no painel, que parece ter saído da fábrica dias atrás.
Solidariedade
Quero aqui agradecer a solidariedade recebida de todos que presenciaram o ocorrido, assim como a dos amigos que prestativamente estiveram e estão ao nosso lado.
Um agradecimento todo especial aos trabalhadores da obra de uma concessionária de veículos, que prontamente deixaram seus locais de trabalho, vieram em meu socorro e me ajudaram a sair do veículo. Talvez eles não saibam, mas naquele momento praticaram Solidariedade de Classe.
Obrigado também aos socorristas do SAMU e enfermeiros do Hospital Evangélico que prestaram os primeiros socorros.
Meu muitíssimo obrigado ao desconhecido motorista do ônibus que circulava a minha frente e furou o sinal cruzando a Alameda Júlia da Costa. Se ele tivesse parado no semáforo eu certamente teria sido esmagado entre o dianteira do caminhão e a traseira do ônibus...
Infelizmente, não posso e não vou agradecer à residente de ortodopedia do Hospital Evangélico que não se dignou a fazer exames mais detalhados, se contentou a olhar as radiografias e diagnosticar que não havia fraturas, me liberando do hospital com uma luxação no ombro direito que não me deixaria dormir entre 20 e 21 de fevereiro.
A esta residente, deixo um conselho: volte pra escola minha filha, tome um banho de humildade e aprenda que todo paciente é um SER HUMANO e como tal deve ser atendido, independentemente do tamanho da conta bancária ou do plano de saúde pelo qual é assistido.
Agradeço a meu ortopedista, Dr. Manuel Ruedas, que no dia 21/02/2013, me atendeu em seu consultório, fez todos os exames necessários e ao diagnosticar a luxação em meu ombro direito pôs a "mão na massa" e o colocou no lugar, livrando-me da terríveis dores que senti desde a hora do acidente.
Era mais que um automóvel
Muitos podem não entender a extensão deste post, mas o Verona 1.8i GL, Vermelho 1996, que morreu em 20 de fevereiro de 2013, é mais que um automóvel. Ele guardava as boas e doces recordações de meu falecido pai, para quem o modelo foi comprado inicialmente e, em sua memória, estávamos conservando.
Era também, para minha filha, a materialização do avô que morreu a uma semana dela completar 1 aninho de vida. Aliás, quando ela viu o carro destruído, chorou copiosamente. Depois me explicaria o motivo, que acabei de contar acima.
Era o sonho de um pobre, ex-metalúrgico na Ford Ipiranga, de um dia ter um carro antigo, com placa preta e ainda poder dizer "automóvel original de fábrica, não restaurado, único dono", como já fazia (as vezes) quando as pessoas elogiavam o estado de conservação do Verona.
O Veroninha era um membro da família Bertoni, querido por todos e que tanto nos ajudou, inclusive no transporte de grande parte da mudança que trouxemos de Moscou e precisamos carregar por terra entre as capitais dos bandeirantes.
Para mim, a morte do Verona é também a segunda morte de meu pai, cuja memória estava preservada entre outras coisas no carrinho que foi brutalmente assassinado por um caminhão PUMA...
Veja mais fotos do finado Verona em Morte de Verona
Curiosidades:
Estiveram envolvidos neste acidente:
- um caminhão a serviço da empresa espanhola OHL,
- uma cidadã norte-americana e seus dois filhos,
- uma desembargadora da justiça do trabalho,
- operários de uma obra de uma concessionária de veículos; e
- eu, que dois dias antes, havia retornado de uma viagem à Cuba onde pudera "babar" nos automóveis antigos que circulam pela Ilha.
Os populares que circulavam na região, comentaram que o acidente parecia coisa de cinema...
O motorista do ônibus citado acima, deixou o veículo no terminal Campina do Siqueira e se dirigiu até o local do acidente onde conversou com vários dos envolvidos. Neste momento eu já havia sido levado ao hospital.
* Porra s. f.
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