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Salvadores e leninas há 59 anos constroem o Dieese

29 de Dezembro de 2014, 12:29 , por Bertoni - | No one following this article yet.
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Por Clemente Ganz Lúcio 1

Observou-se no ano de 1955 uma das piores ondas de frio na história do Brasil. Entretanto, na política, o clima era quente, com muitas mudanças desde o suicídio de Vargas, ocorrido no ano anterior. Café Filho assumira a presidência e o país enfrentava problemas com a inflação e o déficit na balança comercial. Juscelino Kubitschek (JK) lançara-se candidato à presidência pelo PSD. A UDN e os militares articulavam chapa com Juarez Távora, ex-tenentista. PTB, partido de Getúlio, constrói naquele ano uma aliança com PSD e lançam chapa JK/Jango para concorrer às eleições presidenciais. Com apoio do eleitorado paulista Ademar de Barros corre por fora.

Em outubro JK vence as eleições com diferença de 6% dos votos, campanha baseada no desenvolvimentismo e na modernização da indústria nacional. Carlos Lacerda, apoiado por militares e parte da grande imprensa, tenta desqualificar e desarticular a vitória de JK com uma falsa carta que, segundo ele, provaria a intenção de Jango em estabelecer um regime sindicalista, inclusive oferecendo armas aos operários.

Em São Paulo o Pacto de Unidade Intersindical (PUI) ganha cada vez mais corpo e amplia-se, fortalecendo a unidade das categorias e formando a base de grandes mobilizações, lutas e de greves históricas.

Em novembro, após as eleições, o presidente Café Filho se afasta por problemas cardíacos. Carlos Luz, presidente da Câmara, assume e indica novo Ministro da Guerra, no lugar do marechal Lott. Prenuncia-se um golpe. Lott e militares legalistas denunciam manobra e afirmam resistir. Café Filho tem súbita recuperação! Lott desconfia da manobra e entrega a presidência em 11 de novembro a Nereu Ramos, catarinense e presidente do Senado que, em 31 de janeiro de 1956, transmite o cargo à JK.

Em dezembro o clima político ferve com manobras e movimentos nos bastidores da arena política da capital federal, Rio de Janeiro. Em São Paulo os operários se movimentam agitados. O país estava em estado de sítio.

Imagino aquele dia, uma quinta-feira, 22 de dezembro de 1955, e como os fatos podem ter ocorrido: “Tenorinho do Laticínio”, como era conhecido esse pernambucano nascido em 1923, levanta cedo e, depois do gole de café, sai para o Sindicato, dizendo que chegaria tarde, pois teria uma assembleia à noite. Pede para a esposa entregar um envelope ao Prestes, seu padrinho de casamento. Desce do bonde e compra a Folha da Manhã do jornaleiro. Sim! O Corinthians tinha vencido o Linense por 2X1. Na primeira página dois destaques chamam sua atenção: “O estado de sítio é debatido na Câmara dos Deputados” e “Adenauer declara serem vãs os esperanças soviéticas de conquista do mundo inteiro”. Folheia o jornal e bate o olho: “A recente declaração do prefeito municipal, Ademar de Barros, de que autoriza a colocação de mais bancos na Praça da República, traz à baila velho problema: São Paulo é uma cidade com poucos bancos em suas praças públicas e avenidas”. Dobra o jornal e acelera o passo. Sente que o dia seria longo.

Já na sede do sindicato, assina alguns documentos e avisa que vai se encontrar com Salvador Lossaco, presidente do Sindicato dos Bancários, para verificarem os últimos detalhes para a assembleia da noite que teria lugar, às 20:30 horas, na rua São Bento, 405. À noite Lossaco preside a assembleia que Tenorinho secretaria.

Mais de cinquenta anos depois, em depoimento, Tenorinho lembraria:

“O DIEESE passou por todo um sistema de preparação. Ele não surgiu de um estalo, não, ele foi fruto de todo um acúmulo de aprendizagem. Então, nós fizemos o Pacto de Unidade Intersindical, que começou com cinco sindicatos: gráficos, metalúrgicos, marceneiros, têxteis e vidreiros. Ali na rua dos Cerealistas. Então, naquela rua era uma casa baixa de um sócio, onde funcionava o sindicato, que se transformou em sede e dali nós começamos a “mandar brasa” em tudo. E todas as nossas lutas sindicais durante esse período, as lutas reivindicatórias, elas encontravam a barreira de como provar que era aquela percentagem que os trabalhadores reivindicavam, não tinha como, não tinha um aferidor. O único em que a Justiça se baseava – aí vamos chegar no DIEESE – era uma comissão do Ministério do Trabalho, a qual não tinha a nossa presença nem participação, e a Secretaria de Abastecimento de São Paulo, comandada por Ademar de Barros e o Secretário era o João Acioli, até um advogado do Sindicato dos Têxteis.

Então esses dois dados nunca conferiam com aquilo que a gente achava que era o custo de vida e nós nos batíamos, e só levávamos alguma vantagem quando fazíamos greves enfrentando polícia, enfrentando todas as dificuldades para fazer uma greve como fizemos em 1953, a chamada “Greve de 700 mil trabalhadores”. Então surgiu a ideia da gente criar o nosso próprio organismo de levantamento de custo de vida. Aí eu, como secretário do Pacto; Salvador Romano Lossaco, presidente do Sindicato dos Bancários – aqui eu rendo a minha homenagem, porque sem ele não “tinha” existido o DIEESE; Remo Forli, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos – eram os dois maiores sindicatos na época, os mais combativos eram esses dois; nós, do Laticínio, que não era numericamente tão expressivo, mas politicamente era peso-pesado; enfim, nós somamos cinco sindicatos e começamos a trabalhar dia e noite. Mas era até meia-noite, uma hora, duas horas da manhã, elaborando, pesquisando, estudando, e um dos homens-chave nisso aí se chama – foi este que já falei - Salvador Romano Lossaco, que não era do Partido Comunista, era um anarquista nato, mas de uma fidelidade de classe e de uma competência para ficar do nosso lado, que era impressionante.

Nós fundamos o DIEESE. Fundamos o DIEESE e pusemos: Departamento Intersindical de Estudos de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Antes era só Departamento Intersindical de Estatística. Aí um jornalista chamado Xavier Toledo - que era um jornalista do Correio Paulistano que trabalhava na Câmara e que acompanhava a gente, era um simpatizante - disse: “Olha, vocês têm que acrescentar, à ‘Estatística’, ‘Estatística e Estudos Socioeconômicos’, porque vocês abrem a perspectiva de se tornarem um instituto.” E nós incorporamos essa sugestão, ficou DI-E-ESE. Foi um negócio muito bonito, uma vitória grande.”

O depoimento continua e é muito bonito, como são bonitas as dezenas de histórias contadas e disponíveis em www.dieese.org.br (dieese memória).

O tempo passou, levado também pelo vento das lutas. As notícias da atual arena repetem manchetes. Hoje, como dantes, sintonizados com o presente e coetâneos com os desafios de futuro, quando o DIEESE completa 59 anos, rendemos nossa homenagem aos milhares de tenorinhos, leninas, salvadores e mônicas, que construíram com seu trabalho militante e compromisso com a justiça e solidariedade, uma instituição a serviço da classe trabalhadora!

1 Sociólogo, diretor técnico do DIEESE, membro do CDES - Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.


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