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Blog Comunica Tudo

3 de Abril de 2011, 21:00 , por Desconhecido - | No one following this article yet.
Este blog foi criado em 2008 como um espaço livre de exercício de comunicação, pensamento, filosofia, música, poesia e assim por diante. A interação atingida entre o autor e os leitores fez o trabalho prosseguir. Leia mais: http://comunicatudo.blogspot.com/p/sobre.html#ixzz1w7LB16NG Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial No Derivatives

Jornalismo golpista em 1964 e os discursos que ainda ecoam entre nós

4 de Abril de 2014, 11:13, por Desconhecido - 0sem comentários ainda


No Brasil, 1964 pode ser descrito como o ano da imprensa colaboracionista. Os intelectuais jornalistas traíram o compromisso com a verdade e com a independência por desinformação, conservadorismo e ideologia. Alberto Dines, Antonio Callado e Carlos Heitor Cony ajudaram a derrubar Jango. O poeta Carlos Drummond de Andrade sujou as mãos com algumas mal traçadas crônicas destinadas, pós-golpe, a chutar cachorro morto. Em 1954, a mesma imprensa havia empurrado Getúlio Vargas ao suicídio. Nas únicas três vezes em que o Brasil teve governos do centro para a esquerda – 1951-1954, 1961-1964 e 2003 até hoje –, a mídia aliou-se aos mais conservadores ao agitar os mesmos espantalhos: corrupção, anarquia, desgoverno, aparelhamento do Estado, tentações comunistas e outras ficções mais ou menos inverossímeis.

Em 1964, João Goulart, fervido no caldo borbulhante da Guerra Fria, enfrentou a ira moralista de veículos como o Correio da Manhã, Jornal do Brasil, O Globo, O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo, Tribuna da Imprensa, O Dia e dos Diários Associados de Assis Chateaubriand. A queda de Jango começou a se definir em 13 de março, uma sexta-feira. O presidente cometeu o pecado de abraçar a reforma agrária e de encampar as refinarias de petróleo. A reação conservadora pôs nas ruas as Marchas da Família com Deus pela Liberdade. Consumado o golpe, o diretor de O Estado de S. Paulo, Julio de Mesquita, não se constrangeu em publicar, em 12 de abril de 1964, o “roteiro da revolução”, que ajudara a preparar com auxílio do professor Vicente Rao, em 1962.

O patriarca da imprensa golpista clamava pelo fechamento do Congresso Nacional e das assembleias legislativas. “Há mais ou menos dois anos, o Dr. Júlio de Mesquita Filho, instado por altas patentes das Forças Armadas a dar a sua opinião sobre o que se deveria fazer caso fosse vitoriosa a conspiração que então já se iniciara contra o regime do Sr. João Goulart, enviou-lhes em resposta a seguinte carta...” Sugeria a suspensão do habeas corpus, um expurgo no Judiciário e a extinção dos mandatos dos prefeitos e governadores. A solução “democrática” contra o governo de Jango seria uma junta militar instalada no poder por, no mínimo, cinco anos.

A “Mensagem ao Congresso”, enviada por Jango em 15 de março, detonou o horror na imprensa golpista. O confronto com os marinheiros reunidos no Sindicato dos Metalúrgicos, no Rio de Janeiro, em 25 de março, deu nova e poderosa munição para o golpismo midiático: as Forças Armadas estariam minadas pela indisciplina. Os marinheiros da base da hierarquia tinham reivindicações subversivas, entre elas... o direito ao casamento. A mídia considerava tudo isso muito radical. Em 30 de março, Jango compareceu ao encontro dos sargentos no Automóvel Clube do Rio. Foi a senha para o autodenominado “vaca fardada”, o general Olympio Mourão Filho, dar o seu coice mortal, marchando com suas tropas de Juiz de Fora para o Rio. A mídia exultou.

O golpe partiu de Minas sob a liderança civil do governador Magalhães Pinto. Alberto Dines, hoje decano dos críticos de mídia e pregador de moral e cívica no seu Observatório da Imprensa, brindou o governador, no livro que organizou e publicou ainda em 1964 para tecer loas ao golpismo – Os Idos de Março e a Queda em Abril –, com o mais alto elogio disponível na época, um cumprimento aos colhões do pacato golpista: “Enfim, apareceu um homem para dar o primeiro passo. Este homem é o mais tranquilo, o mais sereno de todos os que estão na cena política. Magalhães Pinto, sem muitos arroubos, redimiu os brasileiros da pecha de impotentes”.

O Correio da Manhã deveria constar no livro dos recordes como o mais rápido caso de arrependimento da história do jornalismo. Em 31 de março e 1º de abril de 1964, golpeava furiosamente. No editorial “Basta!”, decretava: “O Brasil já sofreu demasiado com o governo atual. Agora, basta”. De quê? “Basta de farsa. Basta da guerra psicológica que o próprio governo desencadeou com o objetivo de convulsionar o país e levar avante a sua política continuísta. Basta de demagogia para que, realmente, se possam fazer as reformas de base”.

O jornal iludia-se como uma senhora de classe média desinformada: “Queremos as reformas de base votadas pelo Congresso. Queremos a intocabilidade das liberdades democráticas. Queremos a realização das eleições em 1965. A nação não admite nem golpe nem contragolpe”. No editorial “Fora!”, saiu do armário: “Só há uma coisa a dizer ao Sr. João Goulart: 'Saia!”' Veredicto: “João Goulart iniciou a sedição no país”. E mais: “A nação não mais suporta a permanência do Sr. João Goulart à frente do Governo. Chegou ao limite final a capacidade de tolerá-lo por mais tempo. Não resta outra saída ao Sr. João Goulart senão a de entregar o Governo ao seu legítimo sucessor”. Como poderia de um golpe vir um “legítimo sucessor”? Mistérios do jornalismo: “Hoje, como ontem, queremos preservar a Constituição. O Sr. João Goulart deve entregar o Governo ao seu sucessor porque não pode mais governar o País”.

Os grandes jornais paulistas e cariocas atolaram-se com o mesmo entusiasmo. Apoiaram o golpe e a ditadura. A Folha de S.Paulo ficou famosa por emprestar suas caminhonetes para a Operação Bandeirantes transportar “subversivos” para o tronco. Em 22 de setembro de 1971, o jornal de Octavio Frias tecia em editorial o seu mais ditirâmbico elogio ao pior momento da ditadura: "Os ataques do terrorismo não alterarão a nossa linha de conduta. Como o pior cego é o que não quer ver, o pior do terrorismo é não compreender que no Brasil não há lugar para ele. Nunca houve. E de maneira especial não há hoje, quando um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social, realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama".

Esse apoio explícito da Folha de S.Paulo ao governo de Emílio Garrastazu Médici ganha nesse editorial um tom de confissão apaixonada: “Um país, enfim, de onde a subversão – que se alimenta do ódio e cultiva a violência – está sendo definitivamente erradicada, com o decidido apoio do povo e da imprensa, que reflete os sentimentos deste. Essa mesma imprensa que os remanescentes do terror querem golpear”. Em 2009, a Folha de S.Paulo chamou a ditadura de “ditabranda”. O arrependimento nunca chegou.

O Globo, em editorial de 2 de abril de 1964, notabilizou-se pela bajulação surrealista: “Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem”. Em 7 de outubro de 1984, nos 20 anos do regime, Roberto Marinho reincidiu: “Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada”. Só 49 anos depois do golpe, O Globo publicaria uma retratação contraditória e pouco convincente. Assim foi com outro representante do jornalismo carioca. Em 31 de março de 1973, o Jornal do Brasil comemorava: “Vive o País, há nove anos, um desses períodos férteis em programas e inspirações, graças à transposição do desejo para a vontade de crescer”.

Em 2 de abril de 1964, a Tribuna da Imprensa deu em manchete uma lição do mau jornalismo que sempre a distinguiu: “Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr. João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas”.

Se os jornais apoiaram o golpe e a ditadura, muitos intelectuais jornalistas marcharam na linha de frente do golpismo. Cony, que logo percebeu o tamanho da encrenca e passou a criticar o novo regime, admitiu ter participado da confecção dos editoriais “Basta” e “Fora” do Correio da Manhã: “Minha participação limitou-se a cortar um parágrafo e acrescentar uma pequena frase”. Quanta modéstia retrospectiva! Para Cony, João Goulart era um “homem completamente despreparado para qualquer cargo público, fraco, pusilânime e, sobretudo, raiando os extensos limites do analfabetismo”.

Dines vomitaria uma das maiores asneiras da época: “É preciso muita convicção para não se enredar pelo glamour de uma façanha esquerdista. Quem tem coragem para dizer que aqueles marinheiros, que arriscaram a vida com aquele motim por uma causa tão distante e abstrata, como reformas de base, eram oportunistas e agitadores”. Entre as causas distantes e abstratas defendidas naqueles tempos estavam o direito ao casamento e ao voto para os analfabetos. Em 1968, depois do AI-5, em discurso numa formatura, Dines criticou a censura. Enrolou-se com os velhos amigos. O Serviço Nacional de Informações forneceu-lhe um atestado de bons antecedentes descoberto pelo pesquisador Álvaro Larangeira: “Sempre se manifestou contrário ao regime comunista. Colaborou com o governo revolucionário, escrevendo livro sobre a revolução e orientou feitura de cadernos para difundir objetivos da revolução”. Não foi denunciado. Perdoou-se o deslize.

Callado faz de Jango um bêbado, incompetente e inculto, casado com uma mulher fútil, e com um vício terrível, “o de aumentar o salário mínimo”. O futuro escritor atrapalhava-se com as palavras: “A Presidência da República foi transformada numa espécie de grande Ministério do Trabalho, com a preocupação constante do salário mínimo”. Chafurdava na maledicência: “Ao que se sabe, muitos cirurgiões lhe garantiram, através dos anos, que poderia corrigir o defeito que tem na perna esquerda. Mas o horror à ideia de dor física fez com que Jango jamais considerasse a sério o conselho. Talvez por isso tenha cometido o seu suicídio indolor na Páscoa”. Raízes de certo jornalismo de nossos dias.

(Por Juremir Machado da Silva, jornalista e autor de 1964, Golpe Midiático-Civil-Militar)
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Artigo original do Comunica Tudo por M.A.D..



A maior (e mais silenciada) causa do crescimento das desigualdades

4 de Abril de 2014, 10:20, por Desconhecido - 0sem comentários ainda


A relação de poder entre as forças do capital, por um lado, e as forças do trabalho, por outro, é determinante na distribuição dos rendimentos de um país. A evidência de que isto é assim é esmagadora, contudo, o leitor raramente lê-lo-á nos maiores meios de informação.

As desigualdades na maioria de países dos dois lados do Atlântico norte, na América do Norte e na União Europeia, têm crescido enormemente, atingindo níveis nunca vistos desde princípios do século passado, quando teve lugar a Grande Depressão. Este crescimento tem sido particularmente acentuado nos países conhecidos como PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha), que se convertem em GIPSI quando se acrescenta Itália.

O que justifica este crescimento tão notável?

Existe já toda uma extensa bibliografia que tenta explicar este facto. Uma síntese das diferentes razões apresentadas aparece no discurso que o Prémio Nobel de Economia, James Alexander Mirrlees, deu aquando da sua entrada na Real Academia de Ciências Económicas e Financeiras, que foi publicado no La Vanguardia em 23 de março de 2014. É um resumo do que constitui a sabedoria convencional no conhecimento económico atual. O problema que implica e reproduz este conhecimento hegemónico é que ignora o contexto político, que condiciona e determina o conhecimento económico.

Por exemplo, uma das explicações apresentadas com maior frequência para explicar a diminuição dos salários (uma das maiores causas do crescimento das desigualdades) é a globalização económica, com a mobilidade de capitais que se deslocam para países de baixos salários para embaratecer os seus produtos. Mas esta explicação ignora que os países escandinavos como a Suécia ou a Noruega, por exemplo, estão entre os países mais globalizados do mundo. Isto é, somando as suas exportações e importações atingem-se das mais altas percentagens do PIB de todo o mundo. Devido ao seu pequeno tamanho, a economia destes países está enormemente integrada e globalizada. E, em contrapartida, os seus salários estão entre os mais elevados do mundo. E isso deve-se ao facto de o mundo do trabalho e os seus instrumentos políticos e sindicais serem muito fortes e exercerem uma forte influência sobre os seus Estados.

Estes dados mostram que não é a globalização económica em si, senão a maneira como se realiza tal globalização, que determina o nível salarial. Por outras palavras, são as variáveis políticas (o que se chama o contexto político) que determinam o fenómeno económico (e não o inverso). Esta realidade é constantemente esquecida, inclusive por autores progressistas, como Christian Felber, que, no seu conhecido livro “A economia do bem comum” mal toca o contexto político, reduzindo o seu livro a um tratado de engenharia económica sem considerar as variáveis políticas que fariam possível a sua realização.

Por que os indicadores de desigualdade que se utilizam não nos servem para entender a desigualdade

Esta ignorância ou desconhecimento do contexto político tem levado à criação de umas ciências económicas que nos limitam no entendimento das desigualdades. Comecemos pelo estudo dos indicadores de desigualdade. O mais comum para medir as desigualdades de rendimento é o coeficiente de Gini, que tenta medir o nível de desigualdades mediante um valor que vai de 0 a 1. 0 quer dizer igualdade completa e 1 desigualdade total. Em general, o Gini é mais baixo nos países escandinavos que nos países PIGS ou GIPSI.

Ora, sem negar que este indicador possa nos ser útil, a realidade é que a informação que nos proporciona é muito limitada, pois não nos indica por que este nível está onde está nem por que varia. Para poder entender e, portanto, medir melhor as desigualdades, há que começar por entender de onde procedem os rendimentos. E as duas fontes mais importantes são a propriedade do capital, por um lado, e o mundo do trabalho, por outro. Isto é, a desigualdade na distribuição dos rendimentos depende primordialmente da distribuição da propriedade do capital e da distribuição dos rendimentos do trabalho. A relação de poder entre as forças do capital, por um lado, e as forças do trabalho, por outro, é determinante na distribuição dos rendimentos de um país. A evidência de que isto é assim é esmagadora, contudo, o leitor raramente lê-lo-á nos maiores meios de informação.

Na realidade, este facto é uma das razões que explica a falta de atenção (quando não aberta hostilidade) que o tema das desigualdades tem dentro do que se chamam “ciências económicas”. Como disse há uns anos o Prémio Nobel de Economia Robert Lucas (membro do conselho científico de um dos centros mais importante e prestigiados de investigação económica em Espanha, a Barcelona Graduate School of Economics) “uma das tendências perniciosas e perigosas no conhecimento económico… na realidade, venenosa para tal conhecimento, é o estudo de temas de distribuição” (Robert Lucas, “The Industrial Revolution: Past and Future”. Annual Report 2003 Federal Reserve Bank of Minneapolis, May 2004).

Aos economistas próximos ao capital incomoda-lhes que se pesquisem as causas das desigualdades pois a evidência científica mostra que a principal causa do seu crescimento tem sido, precisamente, o enorme crescimento dos rendimentos do capital à custa dos rendimentos do trabalho, feito que é consequência do grande domínio das instituições políticas e mediáticas por parte do capital, domínio que tem diluído e violado o carácter democrático das instituições representativas dos países onde o crescimento das desigualdades tem tido lugar (ver o excelente livro Capital in the Twenty-First Century, de Thomas Piketty, 2014).

Além disso, o protagonismo do capital financeiro (e muito em particular da banca) dentro do capital, juntamente com a diminuição dos rendimentos do trabalho, gerador da redução da procura, explica o comportamento especulativo desse capital, origem da enorme crise, tanto financeira como económica (e, portanto, política), que estamos a viver. O leitor pode assim entender por que o Sr. Lucas e um grande número de economistas próximos ao capital não querem nem sequer ouvir falar de temas de desigualdades, porque, por pouco que se olhe, vê-se claramente a origem de tanto sofrimento que as classes populares estão a padecer, que não é outro senão o enorme domínio que o capital tem sobre as instituições do Estado.

A concentração do capital

Permitam-me que me estenda nestes pontos. É bem sabido que a propriedade do capital está bem mais concentrada que a distribuição dos rendimentos. Assim, os 10% da população, na sua maioria de países da OCDE (o clube de países mais ricos do mundo), têm mais de 50% da propriedade do capital. Em Espanha, um dos países com maior concentração, tem ao redor de 65% (tabela 7.2 no livro de Piketty). Por outro lado, a metade da população no seu conjunto não tem nenhuma propriedade: em realidade, está endividada. Desta concentração deriva-se que quanto maior é a percentagem dos rendimentos que derivam do capital, maior é a desigualdade na distribuição dos rendimentos. Costuma-se dizer que quanto maior poder tem a classe capitalista (termo que já não se utiliza por ser considerar “antiquado”), maiores são as desigualdades num país.

Naturalmente que estas desigualdades entre o mundo do capital e o do trabalho não são as únicas que explicam as desigualdades de rendimentos num país. Mas são as mais importantes. Seguem-lhes as desigualdades dentro do mundo do trabalho, que se refletem predominantemente na extensão do leque salarial. Mas inclusive estas dependem das forças provenientes do capital. Quanto maior é o poder da classe capitalista, maior é a dispersão salarial, feito que a economia convencional atribui à sua ênfase em estimular a eficiência económica, ainda que a evidência científica mostre que não há nenhuma relação entre dispersão salarial e eficiência económica. Na realidade, algumas das empresas mais eficientes (como as cooperativas do grupo Mondragón) são as que têm menor dispersão salarial. O objetivo desta dispersão não é económico senão político: o de dividir e, portanto, debilitar o mundo do trabalho.

Esta observação, na realidade, explica as limitações daqueles autores que cingem a definição do problema ao 1% da sociedade, slogan gerado pelo movimento Occupy Wall Street e que tem sido importado para Espanha. O sistema económico é sustentado precisamente pelos 9% que se encontram no escalão de rendimentos seguinte, que obtém os seus rendimentos do trabalho, mas cujo poder e permanência dependem da sua vassalagem ao 1%. Os grandes gurus mediáticos, por exemplo, recebem salários elevadíssimos cuja quantia não decorre da sua competência ou eficiência, senão de sua função reprodutora dos valores que favorecem os interesses de 1%.

Em conclusão, as causas das desigualdades são políticas e têm que ver predominantemente com o grau de influência política que os proprietários do capital têm sobre os Estados. Quanto maior é a sua influência, maior é a desigualdade social. O facto de estas tenham crescido enormemente desde os anos 80 deve-se à mudança política realizada pelo Presidente Reagan e a Sra. Thatcher – a revolução neoliberal –, que foi e é a vitória do capital sobre as forças do trabalho, vitória que continua devido à incorporação dos partidos de centro esquerda governantes no esquema neoliberal promovido pelo capital. A cada uma das políticas neoliberais (cortes da despesa pública e transferências sociais, a desregulação do mercado de trabalho, o debilitamento dos sindicatos, a descentralização e individualização das convenções coletivas, a redução de salários e outras medidas) repercute no benefício do capital e na sua concentração às custas dos rendimentos do trabalho. São políticas claramente de classe que não se definem com este termo por se considerar “antiquado”. É precisamente resultado da enorme influência do capital que tal terminologia se considera antiquada. É previsível que os porta-vozes do capital assim o apresentem, mas é suicida que os porta-vozes das esquerdas, em teoria próximas às classes populares, também considerem estes termos antiquados. Confundem antigo com antiquado. A lei da gravidade é antiga mas não é antiquada. Se tem dúvidas, é fácil comprová-lo: salte de um quarto andar e vê-lo-á. E isto é o que está a ocorrer com grande número das esquerdas dirigentes em Espanha e na Europa. Estão a cair do quarto andar e ainda não se deram conta do porquê. Agradeço ao leitor que lhes envie este artigo.

(Por Vicenç Navarro no diário PÚBLICO em 27 de março de 2014)
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Artigo original do Comunica Tudo por M.A.D..



A estranha unanimidade dos jornais

4 de Abril de 2014, 9:32, por Desconhecido - 0sem comentários ainda


A leitura diária dos jornais pode produzir um efeito anestesiante sobre a percepção do valor simbólico dos fatos narrados. Na chamada imprensa genérica, detalhes sobre a profissão, idade, gênero ou status social de uma vítima de homicídio, por exemplo, podem alterar os sentimentos produzidos pela notícia: se o morto é um ajudante de pedreiro, ou se é um empresário, se é homem ou mulher, se é branco ou não, se é um jovem de classe média ou morador de favela, são inúmeros os signos que podem definir o efeito sobre o público típico dos jornais, e, portanto, o interesse da imprensa em explorar o acontecido.

Essas são características inerentes a qualquer fato que venha a público através da mídia tradicional. Assim, pode-se imaginar a seguinte situação na rotina dos diários: um menino sai da favela empinando sua pipa e morre atropelado na rodovia; no mesmo dia, o cachorro de uma celebridade escapa da guia e é morto ao atravessar a Avenida Paulista.

Qual dos dois fatos tem mais possibilidade de sair no jornal?

O primeiro acontecimento só vai virar notícia se os moradores da favela decidirem bloquear a rodovia em protesto contra a falta de segurança, vertendo o evento fúnebre em fato social e econômico. Essa característica se repete na política e no noticiário econômico, mas a decisão editorial, nestes casos, não se prende ao interesse de satisfazer a curiosidade ou as preferências dos leitores, mas de influenciar seus valores.

No eixo principal do jornalismo praticado pelos veículos de maior prestígio, o processo decisório se inverte, e a imprensa procura impor ao leitor uma visão pré-elaborada. Na política e na economia, os fatos têm que se adequar à opinião.

Observe-se, sob esse critério, a convergência entre o noticiário político e o econômico nas edições dos três principais diários de circulação nacional de quinta-feira (3/4). Além dos fatos do dia, como a proposta de mais uma CPI no Congresso e a crônica das costumeiras rebeliões nas bases parlamentares em época eleitoral, os jornais jogam com a expectativa de uma pesquisa de intenção de voto que está sendo elaborada pelo Datafolha, e certos fatos econômicos são imediatamente atrelados aos resultados que nem foram anunciados.

Os humores do mercado

Parece claro, para quem ler os jornais do dia, que os editores já estão informados de que a pesquisa irá apontar no dia seguinte uma queda na vantagem que a atual presidente da República, Dilma Rousseff, mantém sobre seus potenciais adversários desde as primeiras consultas.

Numa conexão interessante, a imprensa noticia uma melhora no desempenho da Bolsa de Valores, afirmando que, sondando o mercado, foi detectado um aumento do otimismo por conta de boatos sobre a possibilidade de a atual presidente ter perdido pontos com os eleitores. O fato concreto é que a Bolsa foi impulsionada por um forte ingresso de recursos estrangeiros, subindo 2,85%, com o volume de negócios recuperando as perdas do início do ano.

Há muitos elementos nos próprios jornais a indicar outras razões para otimismo, entre as quais se pode apontar o aumento do investimento estrangeiro direto — dinheiro que compra participação em empresas nacionais ou em infraestrutura — que favorece o movimento de negócios com ações e títulos.

Também se pode afirmar que a Bolsa é influenciada por muitos fatos positivos noticiados pela imprensa no mesmo dia. Por exemplo, o número de famílias paulistanas endividadas é o menor dos últimos quinze meses. Outro exemplo: a produção da indústria cresceu, em fevereiro, pelo segundo mês consecutivo, apontando para um aumento do Produto Interno Bruto no primeiro trimestre. Um terceiro exemplo: dados do Dieese publicados na mesma quinta-feira (3/4) informam que a recuperação do poder de compra dos salários segue em plena força: em 2013, nada menos do que 87% dos reajustes salariais superaram a inflação.

Há outros elementos positivos, como o recuo no preço dos imóveis, abaixo do índice inflacionário do setor. Além disso, embora o IPC aponte um aumento da inflação acumulada para o ano, a expectativa ficou abaixo das previsões da imprensa, mesmo considerando o aumento do preço dos combustíveis e os efeitos da estiagem ou das chuvas excessivas sobre os alimentos.

Mas a imprensa credita o otimismo da Bolsa de Valores unicamente à suposição de que o “humor” do mercado melhorou com boatos em torno da pesquisa Datafolha sobre intenção de voto.

Não seria o caso de investigar esse possível vazamento de informações?

(Por Luciano Martins Costa)
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Jornalismo robotizado: algoritmos substituem humanos

1 de Abril de 2014, 14:32, por Desconhecido - 0sem comentários ainda

Âncoras da emissora KTLA estavam transmitindo jornal ao vivo quando ocorreu o terremoto. Eles se esconderam embaixo da bancada. No Los Angeles Times, um algoritmo escreveu a notícia
O uso de algoritmos na confecção de textos não é algo novo. A companhia americana Narrative Science treina computadores para escreverem sumários de jogos de diferentes modalidades desde 2012 com grande sucesso. Os resumos são publicados online nos jornais que compram seu serviço logo depois do fim do jogo, com uma velocidade impossível para um redator humano. Embora sejam informativos, os textos com uma descrição dos gols da rodada ou das cestas marcadas no clássico regional são corriqueiros e pouco importantes.

Uma tecnologia criada pelo Los Angeles Timespode mudar os rumos do “robô-jornalismo”. Escrito pelo jornalista e programador Ken Schwencke, um algoritmo usado pelo jornal é capaz de gerar um texto sobre terremotos com base nos dados divulgados eletronicamente pelo Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS) sempre que o tremor ultrapassa um limite mínimo de magnitude. Assim, o jornal foi capaz de colocar na sua página de internet um texto sobre o terremoto que atingiu Los Angeles na segunda-feira 17, três minutos depois de receber os dados do USGS. O jornalista conta que o terremoto o assustou e o fez levantar-se da cama, quando caminhou até seu computador e encontrou o texto pronto. O único trabalho que teve foi apertar o botão para publicar o texto no site do Los Angeles Times.

Schwencke, que também criou um algoritmo que escreve notícias sobre criminalidade na região de Los Angeles, disse à revista eletrônica Slate (www.slate.com) que o “robô-jornalismo” não chegou para acabar com os jornalistas humanos. “É algo suplementar. As pessoas ganham tempo com isso e para alguns tipos de notícias a informação é disseminada de um modo como qualquer outra. Eu vejo isso como algo que não deve acabar com o emprego de ninguém, mas que deixa o emprego de todo mundo mais interessante”, disse o jornalista. “Assim a redação pode se preocupar mais em sair às ruas e verificar se há feridos, se algum prédio foi danificado ou entrevistar o pessoal do USGS”, explicou Schwencke, acrescentando que o texto inicial foi atualizado 71 vezes por repórteres e editores até se tornar a matéria de capa do dia seguinte.

(Por Felipe Marra Mendonça)
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