Qualquer semelhança com pessoas ou fatos conhecidos é mera coincidência
Por Celso José de Brum
Este artigo foi publicado em 11 de Outubro de 2012. Seis meses depois, em 10 de abril de 2013, no final de uma entrevista, que ele concedeu à Folha de São Paulo, Zé Dirceu disse: “(...) Eu às vezes penso que era melhor se eu tivesse morrido do que passar pelo que eu estou passando”. Exatamente como eu coloquei no final deste croniconto. Com a prisão de José Dirceu, achei oportuna sua releitura. Anotem, no entanto: Ainda não é o final do mensalão. Antes do derradeiro e definitivo julgamento da História, haverá outros capítulos. Quem viver verá.
Zé Dirceu estava exilado em Cuba. Tinha pouco mais de 20 anos. Certo dia, ao anoitecer, voltava para a sua quitinete (quarto, cozinha e banheiro), onde morava sozinho. Ao abrir a porta, sentiu que havia algo diferente, uma coisa estranha. Acionou o interruptor e a luz não foi acesa. Caminhou até o fogão, pegou a caixa de fósforos e acendeu uma providencial vela que estava no armário. Foi aí que notou que havia mais alguém ali. Sentado numa das duas cadeiras, Zé Dirceu viu alguém com uma imensa e pesada túnica negra, com o rosto escondido por um grande capuz. Era a Morte. Apesar da visita inusitada, Zé Dirceu não se abalou. Depois de passar por sessões de tortura, no seu país de origem, a visita da Morte não lhe pareceu a pior coisa do mundo. Colocou a vela entre eles e pode ver um rosto pálido, diríamos um rosto sepulcral.
E a Morte falou:
- Zé Dirceu, muito e muitíssimo raramente o Todo-Poderoso permite que eu ofereça a um mortal que escolha o seu destino e, consequentemente, a morte que deseja. E você foi o escolhido.
Você sabe, Zé Dirceu, que o nosso destino pode ser totalmente alterado por acontecimentos fortuitos.
Não foi o seu caso, eis que você escolheu ser esquerdista e subversivo, quando poderia perfeitamente ter apenas concluído o seu curso de Direito na PUC e, depois, ganhar dinheiro, casar, comprar um barco, enfim, viver a vida como um cidadão bem adaptado. Você não quis assim e tudo o que aconteceu, daí em diante, foi para que você chegasse a este momento. Assim, veja como poderá ser a
1ª morte
Você voltará ao seu país e constituirá um grupo armado para a guerrilha urbana. Como essas coisas não costumam dar certo no Brasil, você será preso. E numa bela manhã, virão busca-lo na cela. Quando você passar pelo corredor da prisão, os demais presos gritarão o seu nome. Ao chegar no pátio, você vai sentir o sol, ver o céu azul dos herois e uma brisa generosa vai sacudir os seus cabelos compridos e empapados de sangue. E você marchará firme, com seus pés descalços e com sua roupa suja da terra que você queria livre. Vão oferecer-lhe uma venda para os olhos, que você recusará, porque quer olhar nos olhos dos seus algozes.
Enquanto seus companheiros cantam “ou ficar a Pátria livre, ou morrer pelo Brasil”, antes de escutar a ordem para o fuzilamento, você gritará, como os herois dos livros de história, “Liberdade ou morte”. Então, você morrerá.
Sua morte fará de você o herói que você quer ser. Seu rosto será estampado nas camisetas, como o rosto do Che Guevara. Farão músicas, filmes e peças de teatro em sua homenagem. Escreverão livros, em que suas façanhas serão aumentadas e até inventadas. Enfim, você vai virar uma lenda e seu nome será inscrito no panteão dos herois.
Você poderá ter essa morte e esse destino glorioso.
Mas, poderá escolher, se quiser, a
2ª morte
Será assim: anistiado, você voltará ao Brasil e ajudará na fundação e organização de um novo partido. E encontrará um certo metalúrgico, líder sindical. Esse metalúrgico, de poucas letras, é tão inteligente quanto você. Mas, tem um grande carisma, é uma pessoa rara, dessas pessoas que só aparecem a cada 100 anos ou mais. E não preciso dizer o nome dele, você vai reconhecê-lo. Você vai ser amigo dele e ele vai perceber o seu talento e o seu incrível pragmatismo. E será com seu talento e o seu pragmatismo que você conseguirá dominar o seu partido e impor suas ideias.
Com o extraordinário carisma do líder metalúrgico, com sua pregação sincera e emocionada, somados ao seu pragmatismo, traduzido em um projeto ousado de conquista do poder, o metalúrgico conseguirá ser eleito Presidente da República.
E, no seu governo, você será o homem forte, o 2º na escala do poder.
O governo do metalúrgico quebrará paradigmas históricos, fazendo da distribuição de renda fator de desenvolvimento, recuperando a economia do Brasil, pagando a secular dívida externa e os empréstimos recentes que foram feitos para socorrer um país quebrado, aumentará suas reservas, equilibrará sua balança comercial, trará para a classe média cerca de 40 de milhões de pessoas, tirará da miséria extrema mais de 30 milhões, recuperará a confiança do povo brasileiro e o fará mais feliz, trazendo ao Brasil um desenvolvimento nunca antes visto e o respeito das demais nações.
Diante de tantas conquistas, das quais você participará com suas ideias e com o seu pragmatismo, você sonhará em suceder o seu amigo metalúrgico na presidência da República.
Os olhos de Zé Dirceu brilharam, mas a Morte continuou:
- No entanto, o extraordinário sucesso do governo atrairá o ódio das elites – expressado pela poderosa Corporação da Casa-Grande – antes absolutas no exercício do poder e, ainda quase absolutas no controle das instituições, muito especialmente da “grande imprensa”.
Então acontecerá o inevitável, um grande escândalo no centro do qual você estará. E a Corporação da Casa-Grande, através da “grande imprensa”, irá fazer de você o inimigo público nº1. Você será denegrido sem dó nem piedade, farão de você um vilão abominável.
E virá o processo, um processo implacável. Embora os seus poucos amigos e até alguns juristas venham afirmar que não existem provas, você será condenado. Quando a história desse período for contada, o seu nome poderá ser reabilitado e seu trabalho reconhecido. No entanto, no tempo presente a Corporação da Casa-Grande fará com que você seja lembrado como agente da corrupção e chefe de quadrilha. Será a morte dos seus sonhos. Mais do que isto: condenado e tendo de cumprir a pena que lhe for atribuída, você será ferido mortalmente em sua honra, embora você – com o que restar do seu orgulho – vá reiterar que viverá para provar sua inocência.
Dito isso, a morte ficou em pé e perguntou:
- Então, Zé Dirceu, que morte você escolhe?
Talvez – e nunca ninguém vai saber – Zé Dirceu tenha pensado que seria possível enganar a Morte e mudar o destino. Ou, quem sabe, tivesse mesmo o altruísmo dos herois. Ele respondeu:
- Escolho a segunda morte.
Com a resposta de Zé Dirceu, a Morte desapareceu.
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Quando Zé Dirceu voltou ao Brasil, começou a procurar o metalúrgico prometido. Quando finalmente o encontrou, ele logo o reconheceu. E foi tudo exatamente como a Morte havia dito. E exatamente como a Morte havia dito, Zé Dirceu estava no centro do escândalo chamado mensalão. E Zé Dirceu foi condenado.
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Os inimigos jurados de Zé Dirceu não admitem, mas, o fato é que Zé Dirceu é apenas um ser humano, um pobre filho de Adão e Eva, como todos nós: com a grandeza da dignidade humana, como todos nós e, como todos nós, falível e pecador.
Nesses últimos dias Zé Dirceu anda triste e decepcionado. E, na sua tristeza e decepção, Zé Dirceu fraquejou: ele tem pensado que, diante de tudo o que está acontecendo, seria melhor ter escolhido, aos 23 anos, o fuzilamento.
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