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Participação das populações indígenas em hidroelétricas

8 de Junho de 2013, 21:00 , por Bertoni - 0sem comentários ainda | No one following this article yet.
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Licenciado sob CC (by-nc)

Respeitar direitos dos indígenas quanto à sua participação nos estudos e nos resultados dos aproveitamentos hidroelétricos. Eis a única e verdadeira solução.

Por Ivo Pugnaloni

O flagrante, impune e continuado desrespeito à Constituição e a um Tratado Internacional firmado pelo Brasil vem provocando conflitos não só artificiais como desnecessários em torno da indiscutível necessidade de participação dos indígenas nos estudos e nos resultados dos empreendimentos hidroelétricos. E desta forma, fazendo o Brasil depender cada vez mais de termoelétricas, para satisfação não só de seus proprietários mas principalmente dos concorrentes de nossa indústria e da nossa agricultura no comércio internacional, que ganharão nossos mercados com a alta de nossas tarifas de energia.

Nos Estados Unidos e no Canadá, as populações indígenas são donas de supermercados, hotéis e sócios de hidroelétricas construídas inteiramente dentro de suas terras.

No Brasil, o cadáver de Ozael Terena aguarda nova perícia para saber de onde partiu a bala que o matou. E os movimentos indígenas, em solidariedade aos ocupantes de uma fazenda em Mato Grosso do Sul, desalojados pela Polícia Federal, onde morreu Ozael, ocuparam novamente o canteiro de obras de Belo Monte, à espera de uma reunião com o ministro Gilberto Carvalho.

Os indígenas já avisaram: não querem bolsa-família, ou qualquer lista de reivindicações mas apenas o cumprimento da Lei, com aplicação do parágrafo 3º do artigo 231 da Constituição Federal e do decreto 5051/04que determina que o Poder Executivo promova a oitiva das populações indígenas previamente aos projetos de hidroelétricas, bem como as indenize por prejuízos ao seu patrimônio e que estas participem do resultado econômico desses empreendimentos.

Por tudo isso, mais do que nunca, está “na moda” falar mal de hidroelétricas. Não importa seu tamanho, se grandes ou pequenas. Não importa o lugar onde estejam, se nos estreitos vales do rico interior de Santa Catarina ou nas quase planas terras do Xingu.

Não importa se a energia produzida pelas termoelétricas, - que estão sendo usadas nesse momento “a todo vapor” para suprir a falta de novas hidroelétricas - , custará em média oito vezes mais caro, nos reajustes das tarifas em 2014 a todos os consumidores brasileiros, dos residenciais aos industriais.

Não importa, que no mesmo Brasil que tem dificuldades para continuar fazer crescendo seu PIB além dos 2,0% ao ano e gerando os empregos necessários, a energia elétrica custe três vezes mais caro do que nos Estados Unidos e na China, nossos principais concorrentes no comércio mundial.

Não importa que cada vez mais, o custo da energia seja um componente importante nos custos de produção, contribuindo para o aumento da inflação, para a perda de competitividade de nossa indústria inclusive dentro do mercado interno.

Não importa que em único ano, a despesa de 2,8 bilhões por mês com as termoelétricas, que será queimada, virando fumaça e gases de efeito estufa SERIA SUFICIENTE PARA CONSTRUIR OUTRA USINA DE BELO MONTE ou ainda nada menos do que 6720 MW, quase meia Itaipu, de pequenas centrais hidroelétricas.

E finalmente, não importa se com as termoelétricas as emissões de milhões de toneladas de gases de efeito estufa, particulados de carvão e enxofre tenha triplicado nos últimos cinco anos.

Não importa nada disso, pois está na moda falar mal de hidroelétricas. E pronto. E de quem é a culpa disso? Dos índios e das ONGs que os apoiam frente à incapacidade do governo em oferecer apoio efetivo e não tutela perpétua?

Ou a culpa será das próprias hidroelétricas, das turbinas e dos geradores? Ou da Presidenta Dilma?

Esse texto é escrito nesse momento por que passou da hora de refletirmos com seriedade e cuidado sobre essa importante questão que já está adquirindo importância enorme para o progresso e a paz de nosso país.

Com ele ficam claras as formas pelas quais o flagrante, impune e continuado desrespeito à Constituição e a um Tratado Internacional firmado pelo Brasil, vem provocando conflitos artificiais e desnecessários em torno de um assunto indiscutível, que é a necessidade de participação dos indígenas nos estudos e resultados dos empreendimentos hidroelétricos. E fazendo assim, com esses conflitos, nosso país depender cada vez mais de termoelétricas.

Tudo isso para satisfação e maior lucro dos seus proprietários e dos nossos concorrentes no comércio internacional.

O óbvio patrocínio estrangeiro não muda o fato de que o conteúdo dos depoimentos contra as hidroelétricas reflete a realidade. Esse apoio só mostra o quanto inábeis temos sido os brasileiros ao tratar dessa questão.

Rostinhos bonitos e figuras de galãs de novela, com depoimentos de artistas globais nacionais e estrangeiros estão quase todos os dias na TV ou na internet com novos vídeos, documentos e depoimentos “contra as hidroelétricas”.

Essas campanhas podem até estar sendo feitas de forma altruísta benéfica a uma maior consciência ecológica e preocupação com a qualidade de vida dos indígenas e da população ribeirinha dos grandes rios Amazônicos.

Mas seu conteúdo precisa ser analisado com cuidado, para evitar a manipulação da opinião pública com finalidades que não ficam muito claras, por exemplo, quando se procura saber a origem do dinheiro para a promoção de tais peças publicitárias.

Graças à internet, no “site” www.activistcash.com verifica-se que recursos estrangeiros são repassados para estas campanhas por agencias governamentais estrangeiras, de forma  direta ou através de universidades e fundações culturais.

Mas isso não muda o fato de que, depois de expulsas de suas terras originais para os vales dos rios, antes desprezados como terra pelos invasores, as populações indígenas se veem acossadas pela busca de potenciais hidráulicos que agora são importantes e encontram-se exatamente, nas amplas áreas que lhes foram destinadas nessas regiões.

Portanto, o patrocínio de fora do Brasil não muda o fato de que as reclamações dos indígenas são justas e deveriam ser levadas em conta, segundo a legislação recentemente criada para isso. Particularmente, segundo os decretos presidenciais 5051/04 e 7778/12.

Se os indígenas precisam de apoio de ONGs estrangeiras e até de agencias governamentais do exterior é porque não encontram apoio dos agentes públicos e que estes não estão merecendo sua confiança.

Alguns dos depoimentos são sobre barbaridades cometidas pelos governos da época da ditadura e outros mais recentes. E quase todos parecem ser absolutamente verdadeiros.

Os brasiguaios, cerca de 50 mil brasileiros que foram expulsos para a construção de Itaipu, são uma prova viva das atrocidades e injustiças cometidas naquele período, não só contra povos indígenas, mas contra qualquer um que não concordasse com os termos da sua desapropriação.

Outros destes relatos, porém tratam de casos concretos atuais, ocorridos na construção das hidroelétricas de Belo Monte, Santo Antonio e Jirau.

Neles se percebe claramente que alguns órgãos dos governos estaduais e federal deixaram de obedecer ao parágrafo 3º do artigo 231 da Constituição e aos Decretos 5051/2004, baixado pelo então presidente Luis Inácio Lula da Silva e 7.778/2012, da presidenta Dilma Vana Rousseff.

Ainda pouco conhecidos pela população, estes dispositivos constitucionais asseguram o direito das populações indígenas a serem ouvidas antes do inicio dos projetos básicos de hidroelétricas, de forma livre, plena e informada.

O decreto 5051/04 vai além e garante o direito das populações indígenas de participarem dos resultados econômicos destes empreendimentos e a terem indenizados os prejuízos que forem causados por eles ao seu patrimônio.

E nisso reside a principal queixa hoje da população indígena: eles não teriam sido ouvidos previamente, pelo menos não de forma democrática, abrangente, calcada nos princípios da boa-fé e do consenso.

Imagino que o leitor esteja curioso em saber como tem respondido os representantes do governo a essa queixa dos indígenas, durante todos esses últimos anos, desde 2004.

Foi mais ou menos assim:

“O Tratado Internacional aprovado pelo Decreto Legislativo 143/02 e pelo decreto presidencial 5051/04 não se aplica ao caso de vocês, indígenas brasileiros, porque ele precisa ser regulamentado por uma Lei que estamos preparando e que vai levar mais uns dois anos, só para ficar pronta. E Deus sabe quantos anos depois, para ser aprovada pelo Congresso.”

Respondeu-se aos indígenas com um sofisma, um procedimento não escrito, cada vez mais comum em nossos tempos de ainda frágil democracia, conhecido em Brasília como a “Lei da Desobediência Devida”.

Uma vez que Leis não escritas são altamente importantes, uma vez que são cumpridas apesar de não existirem formalmente, nem terem sido assinadas por nenhum mandatário com poder político para fazê-lo, pedimos licença para tratar, em outro artigo, desta importante “Lei”.

Por enquanto é preciso analisar melhor essa estranha cooperação de silencio, entre os que não obedecendo à lei dos direitos indígenas sobre as hidroelétricas causam conflitos que paralisam obras e os planejadores que nada propõe nem planejam para mudar essa situação a não ser dizer: “A situação é essa e não podemos fazer nada. Os índios não deixam que construamos hidroelétricas, então consumamos mais combustível fóssil, construamos mais termoelétricas”.

Como se na qualidade de planejadores, não tivessem nada a ver com as tarifas, com a competitividade da indústria, com o desenvolvimento do Brasil e das comunidades indígenas, com a geração de empregos, com o crescimento do PIB, com o futuro do país, mas só com a manutenção de seus vistosos cargos.

Como se, no caso do carvão, do gás e do petróleo esses mesmos planejadores não se desdobrasse e se esforçassem ao máximo para compreender os problemas destes setores e procurar resolvê-los.

Por um Pacto de Convivência, Paz e Progresso com as populações indígenas.

Já no início de seu governo, o Presidente Lula fez sua primeira viagem à África.

E lá formulou um pedido de desculpas aos países africanos, pelo fato de nossos antigos governantes terem de lá arrancado à força a energia humana na forma de escravos.

Hoje, está na hora de fazermos um novo pacto com os povos que nossos governos passados não só também escravizaram, mas cujas terras ocuparam à força e a poder de fogo para acumular escravos, poder e riqueza.

A Presidenta Dilma, como o Presidente Lula é uma pessoa corajosa e sabe que não está onde está por acaso, nem por apenas, suas grandes e conhecidas qualidades.

Ela sabe que está na hora de fazer algo concreto em direção dos povos indígenas e determinar que de uma vez por todas, os agentes públicos cumpram sem discutir a Constituição, o Decreto Legislativo 143/02 e os Decretos 5051/04 e 7778/12.

Isso precisa ser promovido com urgência para que brancos e índios possam aproveitar em paz os benefícios da energia hidroelétrica.

E não, continuarem se defrontando com prejuízos a todos. Menos, é claro, aos que querem nosso país empobrecido, dividido e dependente, como a até bem pouco tempo atrás.

Mais do que um pedido formal de desculpas, mais do que perdoar as dívidas, como fez com os  países africanos, a Presidenta Dilma precisa propor um novo pacto com as civilizações autóctones.

Esse pacto deve tratar primeiro da questão das hidroelétricas e da mineração onde os conflitos estão mais evidentes. Mas imediatamente devem ser tratadas e resolvidas de forma definitiva outras questões igualmente importantes como a saúde, a educação, o respeito à cultura, o desenvolvimento humano, a geração de renda, a constituição de sociedades e empresas indígenas, a supressão da odiosa tutela e sobre os modos de produção de uma e de outra cultura. Tudo isso, já foi tratado em nossa Constituição e assegurado a todos os outros brasileiros...

Seria um ato concreto de amizade eterna, um compromisso pelo futuro, um gesto de perdão e de retribuição, de generosa solidariedade.

Nossos antepassados não esperaram licença dos indígenas quando aqui chegaram. Sem licença de ninguém, eles a tudo invadiram, predaram e cultivaram, como se não existissem moradores e proprietários aqui.

Agora a situação mudou. E nós, seus descendentes, e os outros que como o pai da presidenta Dilma vieram de outros países da velha Europa e de outros continentes, desta vez precisamos pedir licença sim para construir usinas que produzam energia elétrica para todos e não mais energia humana dos escravos, dos submissos e dos derrotados.

Agora, juntos vamos produzir a energia natural e renovável das aguas quando correm de volta para o mar. E isso em nada nos diminuirá, nem ao poder do estado, nem à Presidenta Dilma, nem aos seus subordinados que cumprem as Leis.

Muito pelo contrário, seu exemplo e sua atitude serão lembrados sempre, como aquele ato que selou o perdão e um pacto pelo futuro e pela solidariedade entre importantes segmentos étnicos da sociedade brasileira.

Ivo Pugnaloni é engenheiro eletricista, presidente do Grupo ENERCONS e da ABRAPCH

Fonte: www.ilumina.org.br


Tags deste artigo: energia elétrica desenvolvimento índios direitos brasil. respeito democracia diálogo

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