Sem olhos para Gaza
28 de Julho de 2014, 12:23 - sem comentários aindaA tão sonhada paz na região depende de Israel, a parte mais forte e equipada do conflito
Por Celso Amorim
Há tragédias inevitáveis que nos colocam diretamente diante do mistério da vida humana e de sua relação com as forças da natureza ou com a própria divindade. O terremoto de 2010 no Haiti é um exemplo dessas catástrofes inexplicáveis, para citar apenas um caso, cujos efeitos devastadores eu pude ver mais de perto. Há, também, convulsões político-sociais, como as provocadas por movimentos como o ISIL (recuso-me a usar a outra sigla, que coincide com o nome da deusa egípcia, símbolo de fertilidade e, portanto, de vida), que buscam inspiração em crenças que remontam a um período obscuro da História, convenientemente distorcidas para justificar o culto à violência e ao terror sectário. Diante desses tipos de tragédia, que desafiam nossa capacidade de entendimento, há uma perplexidade natural, que inibe a ação e coloca em dúvida a eficácia de qualquer solução.
Mas há também as tragédias evitáveis ou aquelas cujo estancamento está ao alcance dos homens, principalmente dos líderes políticos. Esse, a meu ver, é o caso de Gaza. A matança desenfreada a que assistimos neste momento é, em larga medida, repetição do conflito que atingiu aquele sofrido território entre a véspera do Natal de 2008 e os primeiros dias de janeiro de 2009. Como chanceler do presidente Lula, estive na região, em janeiro de 2009, levando nossa solidariedade ao povo palestino e tratando do tema nas principais capitais. Foi essa uma das cinco vezes em que visitei Israel. Estive outras tantas na Palestina. No caso desta, minhas visitas se limitaram à Cisjordânia, especialmente a Ramallah. As autoridades israelenses não me permitiram ir a Gaza, quando tentei fazê-lo em 2010, apesar dos projetos de assistência técnica que o Brasil financiava, um dos quais em colaboração com Índia e África do Sul, os outros dois integrantes do fórum IBAS.
Tanto em Israel quanto na Palestina, constatei que setores importantes da população e lideranças expressivas desejavam ardentemente a paz. Do lado israelense, com matizes diferentes, homens como o escritor Amós Oz e organizações como a Peace Now eram críticos das ações belicosas do governo e buscavam o diálogo com os palestinos, inclusive por meio de contatos entre as respectivas sociedades civis. Quando falei com o grande escritor israelense sobre um possível foro de intelectuais, Oz acertadamente me respondeu que melhor seria um encontro entre educadores. Líderes como Shimon Peres e, mesmo, membros do atual governo, como Tzipi Livni, com quem estive quando ela era ministra do Exterior e, posteriormente, como líder da oposição, tentavam, com aparente sinceridade, encontrar uma solução pacífica e negociada para o conflito com os palestinos, sem a qual – compreendiam – Israel jamais poderá viver em segurança.
Na ocasião, eu via na rivalidade entre as duas principais facções palestinas (o Fatah e o Hamas) um dos óbices para que a opção por um caminho pacífico prevalecesse. Hoje, os dois principais partidos se uniram em um governo de coalizão, o que deveria, em princípio, facilitar a busca de soluções justas e viáveis para o conflito. Recordo-me que, certa vez, em 2008, perguntei ao principal negociador palestino (do Fatah) como ele pretendia convencer o Hamas a aderir a um eventual acordo com Israel. Ele me respondeu que, quando dispusesse de um “bom acordo” – que estava confiante em alcançar –, a Autoridade Palestina o submeteria a um referendo, do qual sairia vitoriosa. Isso seria suficiente para atrair a parte da população que, à época, resistia à ideia do diálogo. Infelizmente, esse acordo nunca se materializou, em parte devido ao fracionado sistema político israelense, que assistiu ao crescimento dos partidos ultraconservadores, em parte, porque, contrariando as expectativas que se haviam criado na Conferência de Annapolis, em novembro de 2007, a pressão externa, indispensável para convencer Israel a fazer concessões penosas, nunca chegou a ser exercida de forma efetiva.
Mas a paz entre israelenses e palestinos continua a ser possível, mesmo que as imagens de morte e destruição vistas diariamente pareçam indicar o contrário. O fato de o presidente Barack Obama se oferecer para mediar um cessar-fogo entre Israel e o Hamas é um sinal positivo, pois aponta no sentido de um diálogo, que necessariamente envolveria todas as partes. O que seria então necessário para alcançar esse objetivo? Obviamente, não existem fórmulas mágicas, mas algumas definições são possíveis. O ponto principal é o que se refere à volta ao princípio de “terra por paz”, base para os entendimentos de Oslo. Admitido esse princípio, é essencial que Israel – a parte mais forte – cesse unilateralmente os bombardeios a Gaza, que têm provocado o morticínio de famílias inteiras, deixando um rastro de revolta e ressentimento cada vez mais difícil de apagar. Seguramente, um gesto desse tipo seria seguido de decisão similar por parte do Hamas. Foi, aliás, o que ocorreu em janeiro de 2009.
É, também, necessário que Israel declare uma moratória indefinida na expansão de assentamentos, seja na Cisjordânia propriamente, seja em Jerusalém Oriental. A partir daí, é possível retomar as negociações, das quais o Hamas, direta ou indiretamente (já que faz parte da coalizão governamental palestina), participaria. Desse processo (e não vice-versa) é que pode decorrer o indispensável reconhecimento, por esse movimento, do direito de Israel a existir em segurança. Sem a moratória dos assentamentos, nem o mais moderado elemento da ANP se atreverá a reiniciar o diálogo com Israel. Tão logo possível, deve começar, ainda que inicialmente de forma simbólica, a demolição do muro, que impõe sofrimentos e humilhações à população palestina. Os itens para um entendimento definitivo (status de Jerusalém, retorno de refugiados, fronteiras precisas, acesso à agua) seriam objeto de negociação acompanhada de perto pela comunidade internacional, representada por um “quarteto (formado atualmente por EUA, União Europeia, Rússia e Secretariado da ONU) expandido”, com a presença de Estados árabes e países que mereçam a confiança de ambas as partes.
Tudo isso pode parecer utópico, mas não é. No início de 2008, logo após a Conferência de Annapolis, estivemos próximos desse ponto. Um pouco mais de determinação por parte dos que detêm poder de persuasão sobre um lado ou outro teria garantido o sucesso da empreitada. O “mapa do caminho” – nome que se deu ao roteiro para a paz, baseado no conceito de dois Estados vivendo, em segurança, lado a lado – não estaria livre de solavancos, mas estes não deveriam impedir a marcha em direção à paz duradoura.
Para alguém da minha geração – nascido durante a Segunda Grande Guerra em um país distante dos seus impactos mais diretos e que recebeu imigrantes de todos os quadrantes –, a imagem mais vívida das barbaridades cometidas no conflito era a que mostrava os corpos de judeus empilhados nos campos de concentração ou a dos esquálidos sobreviventes, inclusive crianças, com o pavor estampado na face.
Fui criado em Copacabana, bairro essencialmente plural do Rio de Janeiro e estudei em um colégio laico, onde havia descendentes de judeus oriundos da Europa Central, mas onde havia também grande número de filhos ou netos de árabes (a maioria de cristãos, é verdade), que abandonaram os territórios fragmentados do que fora um dia o Império Otomano. Os Meyer e os Kalman conviviam harmonicamente com os Khair e os Dabus. Meu melhor amigo e mais próximo companheiro durante os anos finais da adolescência era judeu. Com ele aprendi a apreciar música clássica e admirar pintores como Marc Chagall e Chaim Soutine. Minha primeira namoradinha (um namoro mais bem platônico, é verdade), que frequentava a mesma biblioteca pública que eu, na Praça do Lido, em Copacabana, onde estudávamos, juntos, para as provas do colégio e, por vezes, incursionávamos em autores franceses, como Sartre e Gide, era judia.
É lamentável que o humanismo que aprendemos a cultivar, em boa parte, como reação aos sofrimentos causados ao povo judeu, venha a dar lugar a outra visão, em que predominará a expressão da dor no rosto, coberto de lágrimas, da menina palestina, perdida no meio dos escombros causados pelos bombardeios israelenses, e que busca desesperadamente seus pais ou seus irmãozinhos, provavelmente mortos, ao mesmo tempo que procura, em vão, entender o mundo que a rodeia.
*Ministro da Defesa, foi chanceler durante o governo Lula.
O silêncio oportunista
28 de Julho de 2014, 12:20 - sem comentários aindaPor que, para a paz mundial, a derrubada do avião malaio é muito menos ameaçadora do que a invasão de Gaza
Por Mino Carta
Não pergunto aos meus botões em que mundo vivemos, temo a resposta. A crise mundial dispensa maiores apresentações. Moral e intelectual antes que econômica, embora esta confirme aquelas precedentes. Por que a humanidade rendeu-se à religião do deus mercado? Por que aceitou passivamente as leis de uma fé que aproveita a poucos e infelicita os demais?
Às vezes me colhe a sinistra sensação de que já começou uma nova, peculiar Idade Média. O mundo, seduzido pelo chamado avanço tecnológico, vítima de uma globalização dos interesses da minoria, distanciados os homens uns dos outros não somente pelo crescente desequilíbrio social, mas também pela versatilidade da mirabolante internet, não se apercebem do eclipse dos valores e dos princípios, e da ausência de poetas e pensadores.
É nesta moldura que se desenrolam os acontecimentos destes dias a agitarem a política internacional, e também se movem minhas dúvidas e perplexidades em relação aos comportamentos dos donos do poder, das chamadas opiniões públicas e dos sistemas midiáticos. No caso, a mídia nativa confirma apenas a sua insignificância, ao imitar simplesmente os exemplos chegados de fora.
Então vejamos. Por que os restos retorcidos do avião malaio derrubado no céu ucraniano ganham a primazia nas primeiras páginas e na fala sincopada dos locutores, no confronto com os mortos e a devastação na Faixa de Gaza? Não proponho um enigma. Trata-se do resultado da demonização de Putin misturada com o longo alcance do lobby judeu. De certa forma, a queda do avião veio a calhar para os senhores do mundo, sem detrimento da brutal gravidade do fato e a desolação causada pela morte de 298 semelhantes. Serviu, porém, para desviar a atenção, até onde foi possível, de algo muito mais grave para a paz global.
É no Oriente Médio que se decide o futuro do planeta, e isso é do entendimento até do mundo mineral. A questão da Ucrânia é complexa e ameaçadora, mas o império soviético, cuja presença estaria habilitada a precipitar severas complicações, ruiu há 25 anos. O Ocidente, ainda sujeito ao império norte-americano, tende a apresentar Putin como uma espécie de herdeiro tanto da URSS quanto do czar. Não é bem assim, está claro. O defeito do líder russo é sua inteligente independência, em que pesem sua prepotência e eventual ferocidade, e sem falar das preocupações geradas por seu envolvimento na criação de uma nova ordem pelos BRICS. Outra a dimensão da questão médio-oriental, para a qual reflui o efeito dos momentos mais tensos das últimas décadas.
Feridas profundas continuam a sangrar em toda a região, marcada pela progressão do fundamentalismo islâmico, por revoluções em pleno curso, pelos erros das políticas ocidentais, que aliás são seculares. E por guerras fracassadas, por revoltas malogradas, por atrocidades sem conta, por desmandos imperdoáveis. Etc. etc. No centro deste arcabouço instável, sempre à beira do desastre fatal, está Israel, Estado poderosíssimo por força própria e de quem o sustenta, a ocupar, desde o pós-Guerra, uma terra antes habitada por outro povo, conquanto também semita, há cerca de 2 mil anos.
Eu, por exemplo, não sou responsável pelo holocausto. Lamento, mesmo porque ceifou a vida de excelentes amigos dos meus pais, mas não me induz ao remorso, e tanto menos até hoje, quando a invasão da Faixa de Gaza pelas formidáveis tropas israelenses evoca a invasão do Corredor Polonês pelo exército de Hitler em 1º de setembro de 1939, estopim da Segunda Guerra Mundial. O Ocidente neoliberal diz que Tel-Aviv tem direito a se defender contra o terrorismo do Hamas. Já o Hamas sustenta estar em luta pelo resgate da terra usurpada.
Por cima das razões de cada um, a disparidade exorbitante entre as forças não pode deixar de influenciar qualquer juízo, para fortalecer a inequívoca percepção de que de um lado morrem soldados e do outro civis, e muitas crianças, em proporções absolutamente incomparáveis. Estamos diante de uma ofensa irreparável aos Direitos Humanos. Que visa Israel? Eliminar 1,8 milhão de palestinos? Dói demais, na circunstância, a falta de reação de uma porção do mundo que se pretende civilizado e democrático e, de verdade, sucumbe à soberania do dinheiro. Avulta, nesta encenação trágica, a ausência de lideranças, a falta daquele gênero de personagens que já ofereceram espaço à política e a praticaram com competência para assumir o controle da situação e ditar as regras.
Contamos com uma galeria de figuras medíocres, quando não parvas, incapazes de enfrentar a turva realidade para impor um rumo. E isso tudo nesta hora que denigre o gênero humano e denuncia a chegada da nova Idade Média. Louvo a iniciativa da chancelaria brasileira: chama às falas o embaixador israelense e de volta ao País o embaixador brasileiro em Tel-Aviv. Mas o Brasil pode e deve muito mais. Por exemplo, convocar a ONU, como sempre inerte, a condenar o massacre e mostrar às lenientes democracias ocidentais o caminho da razão.
Sindicato dos Metalúrgicos de Joinville apóia Plebiscito Popular
26 de Julho de 2014, 8:33 - sem comentários aindaVito Giannotti conta o que viu e viveu na ditadura militar
23 de Julho de 2014, 4:59 - sem comentários aindaA bola, o negócio, a paixão!
9 de Julho de 2014, 9:04 - sem comentários aindaNo país de 200 milhões de técnicos de futebol, todo mundo vai ter uma explicação para o que aconteceu na tarde de 08 de julho na capital mineira.
E cada uma das versões terá lá sua razão, mas todas elas com certeza estarão impregnadas de paixão, pura emoção.
O ocorrido ontem se resume ao fato de que, no plano emocional, a Alemanha foi Alemanha e o Brasil, Brasil. Simples assim.
Esperávamos fazer um gol logo no início da partida, tal como fora contra a Colômbia.
Aconteceu o contrário. E nossa seleção, assim como a colombiana, dias antes, sucumbiu às emoções, enquanto o escrete alemão parecia um bando de soldados avançando ordenadamente contra a URSS em 1942.
Como já publicado neste blog, foi a vitória do trabalho duro em equipe contra a “esperteza” e o marketing.
Venceu a organização do futebol alemão. Sem dúvida!
Perdeu a bagunça do futebol brasileiro, administrado por cartolas sem nenhum compromisso com os campos e com a bola. Cartolas, aliás, chefiados pelo integralista José Maria Marin, um dos responsáveis pela manutenção da ditadura militar no Estado de São Paulo.
Vimos ontem o resultado concreto do neoliberalismo nos campos.
Muitos comemoraram, no governo do tucano Fernando Henrique Cardoso, o fim da lei do passe. Diziam que ela escravizava os atletas aos clubes. Com o fim dela os atletas viraram "mercadorias livres" escravizadas pelos interesses econômicos e comerciais de empresários espertinhos e gananciosos que armam esquemas com técnicos e dirigentes de futebol do mesmo quilate para manter seus pupilos em campo e lucrar horrores em cima deles.
Sob a manto da "profissionalização" do esporte implantou-se o neoliberalismo no futebol, onde o que vale é o lucro privado e não o espetáculo coletivo.
Os empresários de futebol, só querem saber de uma coisa: qual lucro terão com esta ou aquela transação dos escravos-celebridades.
Temo que ontem se tenha enterrado de vez o futebol arte.
Muitos farão elogios ao futebol de resultados alemão.
Outros farão críticas ao esquema tático aberto armado por Felipão
Pois, vejam vocês. Felipão se consagrou como técnico retranqueiro e que mandava seus jogadores pegar pesado dentro de campo, bater mesmo. Ontem, ele armou um time aberto, como o Brasil sempre jogou nos tempos aureos, e tomou uma goleada daquelas. Será natural para os espertinhos que só pensam no lucro concluir que, o Brasil deva enterrar de vez o futebol arte e jogar o futebol de resultados, que não dá show, mas ganha troféus...
Mas como fazê-lo, sem matéria-prima de qualidade?
Sem que nossos clubes sejam organizados e tenham condição de criar craques e mantê-los em nossos gramados?
Resta agora torcer para que a vexaminosa derrota no Mineirão:
a) sirva de motivo para a renovação do futebol brasileiro no plano organizacional e administrativo, o que necessariamente passa pela completa renovação dos dirigentes futebolísticos.
b) não sirva de motivo para a total burocratização do futebol, mas sim para a recuperação do futebol arte, o futebol moleque que nos fez apaixonados pelo esporte bretão.
E como disse o Parreira em uma entrevista ao Valor Economico antes da partida com a Alemanha: "do limão fazer uma limonada. Transformar a dificuldade em uma coisa boa."
Não conseguimos isso no gramado do Minierão, mas certamente já fazemos isso todos os dias, quando enfrentamos as dificuldades cotidianas e não perdemos nosso jeito alegre e festivo de ser.
Avante, Brasil! Pois o futuro nos pertence!