Este blog foi criado em 2008 como um espaço livre de exercício de comunicação, pensamento, filosofia, música, poesia e assim por diante. A interação atingida entre o autor e os leitores fez o trabalho prosseguir.
Leia mais: http://comunicatudo.blogspot.com/p/sobre.html#ixzz1w7LB16NG
Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial No Derivatives
A história se repete: omissão do Estado ameaça a vida de Laísa
6 de Março de 2013, 21:00 - sem comentários aindaJurada de morte, irmã de Maria – assassinada com o marido no Pará – luta por proteção do governo enquanto o acusado pelo crime recebe lote do INCRA no assentamento em que vive
(Publicado por Agência Pública)Pouco mais de100 quilômetros separam o assentamento Praialta Piranheira de Marabá, a capital da mineração no sudeste do Pará. Nas margens da PA-150, asfaltada e esburacada, as marcas do desmatamento estão em toda parte, incluindo nos arredores de Nova Ipixuna, onde prevalecem a criação de gado, as madeireiras, as carvoarias.
À medida que adentramos na vicinal de terra que leva ao único assentamento agroextrativa do Sul do Pará, a floresta se adensa, entremeada por pastos, clareiras de extração de madeira e areia, fornos de carvão. Em 1997, quando o assentamento foi criado, mais de 80% da cobertura vegetal estava preservada. Daí a opção por delimitar lotes maiores – cerca de 80 hectares – para que castanheiros e coletores de frutas como o açaí e a andiroba seguissem vivendo do jeito que aprenderam com seus pais, preservando a mata, interrompida apenas pelas casinhas, os pequenos açudes, as roças e pomares familiares.
A professora Laísa Santos Sampaio, 45 anos, é filha de castanheiros como sua irmã, Maria do Espírito Santo, assassinada em maio de 2011 com o marido, José Cláudio Ribeiro. Laísa recebeu a Pública em julho do ano passado para contar a sua história. Na casinha acolhedora entre as árvores não há água encanada nem banheiro, mas ela e o companheiro, José Maria Sampaio, o Zé Rondon, escolheram viver ali e lutar por aquela terra, cada vez mais ameaçada pelos que se aproveitam do abandono do governo federal – e da consequente pobreza dos assentados – para invadir lotes, expulsar famílias, convencer os lavradores a vender as árvores para extrair madeira de lei e queimar carvão.
Duas das filhas do casal trazem o caldeirão de açaí já fresco, as mandiocas fritas, o abacaxi doce fatiado. “É tudo daqui”, orgulha-se Laísa, enquanto a menina mais velha torce o nariz: “Aqui tudo é um sacrifício, tem de buscar água todo dia”, diz, explicando que prefere Marabá, onde estuda. Dos banhos de açude ela gosta, conta, revelando que tem um animal de estimação: um jacaré cego, que é alimentado por ela já que leva sempre a pior na competição pela pesca e caça.
As meninas estão assustadas. O assassinato dos tios faz com que levem a sério os bilhetes ameaçadores colocados na porta de casa, os recados que os vizinhos levam para os pais. Duas cachorras bravas, amarradas durante o dia, foram adquiridas depois que o antigo cachorro apareceu morto – recado típico dos pistoleiros do Pará aos que atrapalham os “negócios” de seus patrões.
Maria e José Cláudio eram visados há tempos. Militantes pela reforma agrária com a preservação da floresta, denunciavam os madeireiros e angariavam também a antipatia de outros assentados, que sobrevivem do comércio ilegal de carvão e da madeira – os projetos agroextrativistas e as roças não vão para frente sem o necessário apoio do Incra. Os dois não desistiam de implantar o projeto original.
O estopim da morte do casal foi a luta contra um grileiro que volta e meia expulsava as três famílias que ocupavam uma área que ele alegava ser sua – embora nada plantasse ali, interessando-se apenas pela derrubada da mata. Mesmo com a prisão de três dos acusados pelo homicídio duplamente qualificado, mandantes e parentes continuam no assentamento e chegaram a ameaçar Laísa na escola em que ela dava aula para a criançada, incluindo os filhos deles.
No último dia 2 de março, Antonia Nery da Silva, mulher de José Rodrigues Moreira, réu do processo, obteve do Incra a posse legal da terra, apesar desse histórico. Em nota, o Incra disse que o processo administrativo ainda não está concluído.
A irmã de Maria e sua família continuam a viver no mesmo local dos assassinos, sem nenhum tipo de proteção legal.
Assista ao seu depoimento:
Está aberto o 2º Concurso de Microbolsas da Pública
5 de Março de 2013, 21:00 - sem comentários aindaProcuram-se jornalistas apaixonados pela profissão, estudantes atrás de histórias para investigar, videomakers com boas ideias. A Pública os convida a realizar o projeto de seus sonhos!
(Por Agência Pública)
Se você tem uma ideia para uma reportagem investigativa inédita e quer realizá-la em conjunto com a Pública mande sua proposta até o dia 5 de abril para o e-mail contato.publica@gmail.com, indicando “Concurso de Microbolsas” no campo do assunto.
As propostas serão selecionadas pelas editoras da Pública e pelo nosso ilustre time de conselheiros-repórteres: Carlos Azevedo, Eliane Brum, Leonardo Sakamoto, Jan Rocha e Ivana Moreira. O resultado será anunciado no dia 12 de abril.
Os quatro projetos vencedores recebem R$ 4 mil de recursos e a orientação das editoras da Pública para realizar a reportagem sonhada, que será publicada em nosso site e em veículos parceiros.
Para saber como inscrever seu projeto, clique aqui e leia o regulamento.
Aproveitamos para fazer um convite especial para jornalistas de outras regiões, fora de São Paulo, onde fica a sede da Pública. Vamos investigar todo o Brasil!
A Pública acredita na reportagem. E no repórter.
Acredite na sua pauta. Inscreva-se!
Carnaval carioca e francês: desencanto
4 de Março de 2013, 21:00 - sem comentários aindaFoliões brincando o Carnaval, atrás do Cordão Carnavalesco de Dunquerque. Foto de Emmanuelle Leroy Cerquiera. |
Um vídeo, onde um grupo de foliões cantam “les touristes on n’aime pas ça” (Nós não gostamos de turistas) critica a multidão de turistas sem nenhuma preparação que a cada ano participa da folia carnavalesca de Dunquerque.
Dunquerque é o palco de um dos maiores carnavais da Europa (video em francês com legendas em inglês): com cerca de 200.000 participantes, tem duração de três meses completos. Entretanto, a Secretaria de Turismo não contabiliza mais que mil pernoites de hotel no auge da festa, “les Trois Joyeuses” (Os Três Dias Felizes, pt). Onde estão os outros turistas? Hospedados e iniciados por amigos dunquerquenses, eles voltam frequentemente de ano em ano, seduzidos pela folia do Carnaval.
O vídeo, compartilhado quase mil vezes no Facebook, foi filmado quando o Cordão Carnavalesco de Dunquerque animava o Carnaval, em 10 de fevereiro de 2013. De acordo com os comentários, o que incomoda não é a presença de turistas e sim a falta de preparo dos foliões, sobretudo a falta de respeito aos regulamentos, proibições e tradições.
Jules Verge diz:
Sem turistas, o carnaval de Dunquerque não seria o que é hoje. Não estou dizendo que vai desaparecer porque sempre existirá este belo Cordão com verdadeiras estruturas carnavalescas dunquerquenses, mas mesmo assim, um pouco de hospitalidade para nós, turistas, é sempre bem-vinda! Sou um deles, venho de Douai e tenho uma grande admiração por esta festa, então, por favor, que os dunquerquenses nos recebam com as boas-vindas que merecemos!
Trecho do Regulamento do folião educado editado pela Prefeitura de Dunquerque
Julien Vandemoere acrescenta:
Eu não sou de Dunquerque, mas de Lille, há 10 anos participo do Trois Joyeuses, desde o início, eu fui muito bem iniciado pelos dunquerquenses, observei, escutei, estudei o carnaval dunquerquense e em 10 anos de carnaval, estou pronto, evoluí rapidamente no caminho certo.
Já em 1998, os foliões notavam que as gerações mais jovens não estavam respeitando o regulamento e referências do carnaval de Dunquerque. Seguiu-se então um grande movimento apoiado pelas associações carnavalescas e pelo município para orientar os novatos e ensinar a eles que o excesso só é permitido dentro dos limites do respeito [“l’excès dans le respect”] por meio da publicação dos regulamentos do carnaval, da conscientização nas escolas, da prática de dar as boas-vindas aos turistas e lembrar a eles o que não é permitido.
Os sites da internet dedicados aos novatos, atualmente, possibilitam que os futuros foliões se preparem: planejamento da fantasia, revisão de canções, explicação das diferentes etapas do carnaval (bailes, bandas, pré-bandas, pós-bandas, Chapelles, rigodon…) [NdT: Chapelle: casa aberta para os foliões, com comida, música, bebidas e banheiro / Rigodon: modalidade de dança]. Veja, por exemplo, o site mincoin.fr.
Situação única em Dunquerque? Não! Em Nice, os “purs et durs” [NdT: tradicionalistas, conservadores] reclamam de uma certa padronização do carnaval, marcada pela influência do carnaval brasileiro.
O jornalista comunista Le-patriote reclama:
Máquina de dinheiro. Este carnaval não consistiria apenas na emissão de ingressos de lugares confortáveis em arquibancadas caras? Ninguém mais se diverte. Nós nos contentamos em nos sentarmos nas arquibancadas, assistirmos carros alegóricos passando ou andando calmamente ao longo de um percurso delimitado por grades, [percurso] em parte disfarçado sob os olhares sossegados de policiais, sorrindo educadamente aos turistas que vêm até Nice, ver o mais belo carnaval do mundo.
Carro alegórico da escola de samba Beija-Flor no desfile de 2013. Foto de Emmanuelle Leroy Cerquiera
No Rio de Janeiro é a mesma coisa: o desencanto tomou conta dos foliões. Zeca Pagodinho, famoso cantor de pagode brasileiro, lamenta em entrevista à Folha de São Paulo que a alma popular do carnaval tenha se dissolvido na influência do fluxo maciço de turistas e na abertura internacional das grandes escolas de samba:
Não tem Carnaval. Vou gostar de quê? Não tem nada. Roubaram tudo, sumiram com tudo. Acabaram com tudo o que é da cultura. Tudo. Não sei que doideira deu nesse mundo aí.
Então, por que o Carnaval, símbolo de fraternidade, compartilhamento, simpatia e calor humano provoca tanto mau humor? Medo de misturas? Nostalgia do passado? Medo de perder para sempre as tradições? Um recuo diante da globalização e das trocas?
Provavelmente, um pouco de tudo. O Carnaval, festa vibrante, que vem de longínquas épocas do passado, é enriquecido de acordo com os critérios dos lugares onde é realizado, do período em curso e do movimento de ideias. Ele tornou-se hoje o símbolo da divisão das tradições locais em um mundo globalizado. É um desafio a ser restaurado, mas com humor e criatividade, a folia só tem a ganhar.
Escrito por Emmanuelle Leroy Cerqueira · Traduzido por Inês Pontes · Veja o post original [fr]
Postado no Global Voices
Estudantes repudiam Banco Imobiliário de Eduardo Paes
4 de Março de 2013, 21:00 - sem comentários aindaEstudantes repudiam Banco Imobiliário de Eduardo Paes |
CARTA ABERTA DOS ESTUDANTES DE PÓS GRADUAÇÃO DO IPPUR/UFRJ AO PREFEITO EDUARDO PAES
Os estudantes de pós-graduação do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro vêm, por meio desta, manifestar repúdio à iniciativa da Prefeitura do Rio de Janeiro em comprar e distribuir o jogo Banco Imobiliário: Cidade Olímpica nas escolas municipais da cidade. Baseando-nos no conjunto de leis que estabelece as diretrizes gerais da educação e da política urbana no Brasil, concluímos que esta atitude foi orientada por interesses políticos e econômicos que não estão comprometidos com o amadurecimento crítico dos jovens cariocas.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação determina, em seu parágrafo segundo, que “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. O brinquedo em questão não contribui com a formação intelectual e cidadã dos educandos acerca do espaço urbano do município do Rio de Janeiro. Ao invés disso, o jogo praticamente naturaliza a competitividade para a acumulação e a especulação imobiliária quando, em sua dinâmica, gera expectativas de ganhos econômicos a partir de intervenções urbanísticas realizadas pelo Estado. Afora isso, ele ainda exalta as obras realizadas pela atual gestão municipal, caracterizando-se como um instrumento de propaganda política, despreocupado em disseminar entre os discentes da rede municipal um entendimento das reais condições urbanas de moradia e do uso de equipamentos públicos nas diferentes localidades da cidade mencionadas pelo brinquedo.
Questionamo-nos: Por que em uma atividade lúdica sobre a cidade em que os alunos vivem, realizada nas dependências escolares, o princípio do “preparo para o exercício da cidadania” está confundido com princípios que orientam e regulam os mercados capitalistas? Por que não se desenvolveu um jogo que buscasse propagar princípios básicos do Estatuto das Cidades, já que esse “estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”?
O jogo estimula o educando a entender a cidade como um espaço exclusivamente mercantil. A “compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade” é apresentada de forma a impor uma ideologia baseada na competição e na acumulação individual de bens materiais. A solidariedade humana e a atuação em prol do coletivo (como previsto no Estatuto das Cidades) são substituídas por valores individuais. A cidade é informada como sendo mero espaço de acumulação, na qual os problemas são resumidos aos meios para a valorização dos imóveis particulares. O “aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico” (LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO) é, portanto, contrariado, considerando-se as diretrizes básicas da educação e da política urbana no Brasil.
Por fim, o brinquedo não estimula a criticidade e a competência na resolução de problemas reais do ambiente urbano brasileiro, como a desigualdade no acesso à infraestrutura social, aos serviços públicos e à moradia digna. Ele conforma um discurso ideológico que apresenta um modelo de cidade, resultante de um projeto político e econômico de um determinado grupo dominante, como natural e inquestionável aos educandos, ignorando os conflitos que se dão no espaço urbano em torno da luta por condições dignas e igualitárias de moradia e acesso aos equipamentos públicos de uso coletivo.
Isto posto, tendo como base os Artigos 32º e 35º da Lei de Diretrizes e Bases da educação, que dispõe, respectivamente, sobre a finalidade do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, e o Estatuto das Cidades, que estabelece as diretrizes gerais da política urbana, concluímos que a iniciativa de utilizar tal jogo nas escolas é inadequada e nociva para a formação cidadã dos educandos. Assim, reafirmamos o nosso repúdio e indignação quanto à distribuição do jogoBanco Imobiliário: Cidade Olímpica nas escolas da cidade do Rio de Janeiro.
Assinado: Estudantes de pós-graduação do IPPUR/UFRJ
Rio de Janeiro, 04 de março de 2013
(Publicado no Fazendo Media)
Mídia brasileira ainda reflete a elite escravagista
4 de Março de 2013, 21:00 - sem comentários aindaMídia brasileira ainda reflete a elite escravagista |
By Vincent Bevins, Los Angeles Times, sugerido pela Guta Nascimento
SAO PAULO, Brazil — Quando o presidente esquerdista João Goulart foi deposto pelos militares brasileiros em 1964, a grande mídia da Nação, controlada por algumas famílias ricas, celebrou.
Mas durante a ditadura de 21 anos que se seguiu, o governo censurou os jornais e as emissoras de TV operadas pelas famílias [1].
Agora as coisas são diferentes. Desde 2003, o Brasil tem sido governado pelo esquerdista Partido dos Trabalhadores, conhecido como PT, que não se envolveu com a mídia.
Mas as publicações e emissoras de TV, ainda controladas pelas mesmas famílias, tem sido críticas do partido, apesar da aprovação pública da presidente Dilma Rousseff chegar a 78%. Nenhuma grande publicação dá apoio a ela, com alguns jornais e revistas particulamente duros em suas críticas.
“É uma situação extremamente única no Brasil ter um governo tão popular sem que haja um grande meio que o apoie ou represente o ponto-de-vista de esquerda”, diz Laurindo Leal Filho, um especialista em mídia da Universidade de São Paulo.
A oposição ao Partido dos Trabalhadores existe desde que o ex-metalúrgico Luiz Inacio Lula da Silva, que já foi preso pela ditadura, foi eleito presidente em 2002. Lula rapidamente se moveu para o centro e se acomodou com as elites empresariais e na década seguinte viu um boom econômico no qual 40 milhões de pessoas sairam da pobreza.
“A sociedade brasileira foi baseada na escravidão por mais de 300 anos e quase sempre foi governada pela mesma classe social”, diz Leal Filho. “Algumas partes da classe alta aprenderam a conviver com outras partes da sociedade previamente excluídas… mas a mídia ainda reflete os valores da velha elite, com algumas poucas exceções”.
A mídia foi amplamente elogiada por duras investigações de corrupção que levaram à substituição de oito ministros do governo Rousseff e 25 autoridades de alto escalão foram sentenciadas por um escândalo de compra de votos do governo Lula. Mas apoiadores do governo dizem que a mídia presta menos atenção à corrupção quando envolve outros partidos políticos.
Os Repórteres Sem Fronteiras recentemente divulgaram um relatório criticando a concentração da mídia no Brasil e recomendando uma reforma nas leis da mídia. Mas ao contrário do que tem acontecido na América Latina, onde governos batalham abertamente contra os críticos da mídia privada, o governo brasileiro adotou uma postura relaxada.
Mesmo se houvesse um esforço neste sentido, seria politicamente impossível, dizem analistas. O relatório do Repórteres Sem Fronteiras detalha as relações próximas entre partes da mídia e membros do Congresso, alguns dos quais inclusive votam sobre concessões das quais são proprietários, especialmente fora das grandes cidades. Para governar o país, Rousseff precisa navegar nas águas complicadas do sistema parlamentar brasileiro e trabalha com mais de 20 outros partidos.
“É um infortúnio, mas para governar este país você precisa de alianças”, diz Mino Carta, editor deCartaCapital, a única publicação que apoia o governo. Vende 60 mil cópias por semana num país de quase 200 milhões de habitantes. Enquanto isso, Rousseff, que foi torturada pela ditadura por suas atividades esquerdistas nos anos 70, tem recebido as críticas da mídia naturalmente, reafirmando periodicamente sua crença na liberdade de expressão.[2]
Tentar construir um órgão de mídia que apresente um ponto-de-vista diferente seria extremamente difícil, diz Carta, por causa da necessidade de verbas publicitárias.[3]
“Seria um objetivo de longo prazo a ser atingido lentamente”, diz o septuagenário nascido na Itália.
A maior parte dos chefes da mídia brasileira dizem que seu jornalismo é neutro e objetivo.
Sergio Davila, editor da Folha de São Paulo, o jornal brasileiro de maior circulação, diz que “quando Fernando Henrique Cardoso estava no poder, seu partido, o PSDB, dizia que éramos do contra e pró-PT”.
Davila aponta para uma reportagem do jornal que mostrou a compra de votos que garantiu a reeleição de Cardoso. “Agora vemos o outro lado da moeda”.[4]
Mas muitos apoiadores do PT enxergam os grandes jornais, inclusive a Folha e o Estado de São Paulo, como anti-Rousseff, assim como a rede de TV e os jornais do dominante grupo Globo.
“A grande mídia sempre defendeu interesses poderosos”, diz Jose Everaldo da Silva, um trabalhador portuário aposentado da região Nordeste, tradicionalmente pobre, que se beneficiou especialmente do governo do PT. “Todos se lembram do que a Globo fez na primeira eleição do Lula”.
Quando Lula primeiro concorreu à presidência em 1989, a TV Globo editou fortemente o debate final com Fernando Collor de Mello, dando a Lula menos tempo e mostrando os melhores momentos de Collor.[5]
As urnas foram favoráveis a Collor, que foi eleito e sofreu impeachment por corrupção.
O episódio foi um dos temas do documentário britânico “Além do Cidadão Kane”.
A Globo mais tarde admitiu ter cometido um erro mas nega ser tendenciosa. “A Globo é absolutamente não partidária. Não opina sobre governos e busca neutralidade em seus programas”, diz um porta-voz. [6]
As estações de TV são relativamente moderadas e fontes mais importantes de notícias que a mídia impressa para brasileiros, muitos dos quais não lêem jornais ou revistas, diz David Fleischer, um cientista político da Universidade de Brasília.
“As estações de TV não atacam [Rousseff] como a imprensa faz”, diz Fleischer.
Em contraste com o que acontece no mundo, o impresso está crescendo no Brasil, com aumento da alfabetização e do consumo. A circulação da Folha cresceu 2% no impresso e 300% online no ano passado.[7]
“Mais diversidade na mídia seria bom para o país”, diz Davila, “Não sei porque não está acontecendo”. [8]
No momento, nem Rousseff nem o trabalhador portuário aposentado [Lula] Da Silva parecem preocupados.
“Todo mundo que viaja por aqui vê claramente que o Brasil mudou. A Globo distorce a verdade, sim. Mas não é tanto assim. Quem se preocupa? Eles podem dizer o que quiserem”, diz [Lula] Da Silva numa entrevista telefônica, e cai na gargalhada. “Neste momento, na verdade, estou assistindo a Globo”.
PSs do Viomundo:
[1] Alguém precisa mandar ao Vincent Bevins, do Los Angeles Times, uma cópia do livro Cães de Guarda, da Beatriz Kushnir, que demonstra que os donos da grande mídia se beneficiaram econômica e politicamente da ditadura militar. Tiveram relações carnais com os ditadores. Não por acaso, o empresário do ramo que se opôs ao golpe faliu.
[2] Não consta que os críticos da mídia brasileira queiram limitar a liberdade de expressão. Pelo contrário, querem liberdade de expressão para além de meia dúzia de famílias.
[3] O nó brasileiro é nó de marinheiro: Globo-BV-agências publicitárias-deputados e senadores concessionários. Concentração de verbas e de poder. Simples assim.
[4] A Folha é aquele jornal que publicou uma ficha falsa do José Serra em plena campanha eleitoral. Na primeira página. Um horror. E que teria exilado o autor da reportagem da compra de votos, para “dar um tempo”.
[5] Não apenas. A Globo colocou entrevista no Jornal Nacional com a ex-namorada Miriam Cordeiro, que acusava Lula de ter tentado abortar a filha, além de fazer declarações racistas. Isso na semana da eleição. Depois a entrevista foi para a propaganda eleitoral de Collor. A famosa edição do debate foi seguida por uma pesquisa de opinião mostrando que Collor era “o mais preparado”. Para dar um ar de hiper-Macondo à situação, em seguida vem o Alexandre Garcia concluindo que a Globo tinha cumprido seu papel de isenção no processo eleitoral. Sem falar no editorial de O Globo – jornal do grupo que mais tarde exilaria a namorada de Fernando Henrique Cardoso na Espanha — dizendo que a população tinha “O Direito de Saber” em relação às acusações pessoais de Miriam contra Lula. Ah, sim, os eleitores não tiveram o direito de saber sobre FHC e Miriam Dutra durante uns 18 anos…
[6] A Globo não transforma bolinhas de papel em mísseis Exocet.
[7] Desde a famosa carta do Rodrigo Vianna, o que cresce 1.000% anualmente no Brasil é o número de pessoas capazes de perceber as grosseiras omissões e manipulações midiáticas, como — lembram-se? — no recente apagão elétrico que devastou o governo Dilma.
[8] Eu sei, Sergio Davila. Não acontece porque todas as tentativas de desconcentrar a mídia são deliberadamente confundidas com tentativas de limitar a liberdade de expressão. Inclusive pela Folha. Mídia concentrada dá mais poder aos barões proprietários, inclusive de definir a agenda política, assassinar o caráter de adversários e extrair concessões governamentais.