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Longe de Boston, em países como Paquistão e Afeganistão, o horror é diário
16 de Abril de 2013, 21:00 - sem comentários aindaLonge de Boston, em países como Paquistão e Afeganistão, o horror é diário |
Você vai ver milhões de vezes as imagens da lastimável tragédia da Maratona de Boston.
As emissoras de televisão vão passar as cenas durante muitos dias, e novos detalhes trarão dor, choque e raiva.
O que ocorreu é um horror. É uma desgraça. É um absurdo.
Cada vítima tem que ser lamentada e para sempre lembrada nos esforços pela paz mundial.
E que as famílias encontrem forças para seguir adiante.
Mas não se esqueça das pessoas que, longe dos holofotes, longe de todos nós, vivem esta situação pavorosa não ocasionalmente – mas todos os dias.
As mortes lá se acumulam o tempo todo: crianças, mulheres, velhos.
Em países como o Paquistão e o Afeganistão, a morte é precedida pela visão aterrorizante de aviões não tripulados que sobrevoam cidades e aldeias quase que ininterruptamente antes de soltar bombas que matam 50 civis para cada terrorista.
Lamente, lamente muito, os acontecimentos de ontem em Boston.
Mas reserve um pouco de sua justa indignação para os mortos invisíveis que estão tão longe de você e das emissoras de televisão.
É possível que, se não fosse tanta a brutalidade vivida cotidianamente naquelas terras tão devastadas, não tivéssemos agora que nos amargurar com as imagens de Boston que veremos tantas vezes nestes dias.
(Publicado no DCM)
Um retrato assustador do Brasil
16 de Abril de 2013, 21:00 - sem comentários aindaUm retrato assustador
Notícias coletadas aleatoriamente nos jornais desta quarta-feira (17/04) permitem compor um mosaico curioso sobre o campo da comunicação. Observamos aqui a notícia como produto do trabalho jornalístico e seu movimento, a comunicação, como o processo de produção de cultura, ou seja, os produtos da imprensa vistos como tijolos que entram na composição de um determinado momento da História.
Esse retrato não inspira otimismo: para onde se olhe, o observador vai encontrar sinais de retrocesso.
Do Globo, pode-se colher a informação de que a morte da juíza Patrícia Acioli, ocorrida em agosto de 2011, contou com a cumplicidade de todos os integrantes de um grupamento da Polícia Militar do Rio de Janeiro transformado em ponto de negociações com traficantes.
Segundo o jornal carioca, todos os policiais militares do grupo, inclusive o então comandante, se cotizaram para planejar e executar o assassinato da magistrada que atrapalhava seus negócios.
A constatação de que uma unidade inteira de um batalhão pode ter sido corrompida faz o leitor atento se perguntar em quantos outros quarteis pelo Brasil afora essa praga pode ter sido inoculada.
Também no Globo, texto e imagens chamam atenção para incidente ocorrido na Câmara dos Deputados, com indígenas protestando contra projeto que tira do órgão especializado, a Funai, a palavra final sobre demarcações de terras e a transfere para... a Câmara dos Deputados.
Por trás dessa proposta pode-se identificar os mesmos dedos ligeiros que quase transformaram a legislação de proteção ambiental em uma licença geral e irrestrita para desmatar.
Finalmente, no mesmo jornal, uma reportagem relata abertura de sindicância contra o presidente do Tribunal da Justiça da Bahia, acusado de mandar pagar precatórios irregularmente, com uma diferença de R$ 448 milhões entre o devido e os valores pagos.
No Estado de S. Paulo, destaque de página inteira para reportagem segundo a qual o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, que foi recentemente exposto a uma história vexatória sobre o processo de sua condução à Suprema Corte, relatou três casos e participou do julgamento de pelo menos outros três, nos quais estavam em jogo interesses do escritório de um advogado com o qual tem relações de amizade.
Pesquisa instantânea
Em tom de escândalo, o texto do Estadão lembra que o ministro havia se comprometido publicamente e oficialmente a não atuar em processos que tivessem seu amigo como uma das partes.
Sergio Bermudes, o dono do escritório em questão, anunciou recentemente que iria bancar a festa dos 60 anos do ministro. Com a repercussão negativa do anúncio, a festa foi cancelada.
Bermudes tem entre seus contratados a filha do ministro Fux, de 31 anos de idade, que é candidata a uma vaga no corpo de desembargadores do Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro.
A esposa de outro ministro do Supremo, Gilmar Mendes, também trabalha no mesmo escritório, e Mendes, da mesma forma, não se declara impedido de julgar casos em que Bermudes tem interesse.
Na Folha de S. Paulo, pode-se apreciar o resultado de uma pesquisa, citada na primeira página, que foi produzida no rastro do assassinato de um estudante por um adolescente que faria 18 anos três dias depois do crime: diz o texto que 93% dos paulistanos consultados se declararam favoráveis à redução da maioridade penal dos atuais 18 para 16 anos de idade.
A consulta instantânea sobre assuntos de grande repercussão é um serviço que o jornal paulista está inaugurando com o tema da responsabilidade penal, e deve ser repetida ao longo do ano.
Evidentemente, pesquisas como essa, no calor da indignação contra um crime violento, não farão brotar as melhores reflexões dos entrevistados.
Mas a intenção da Folha, assim como da imprensa em geral, não parece ser o estímulo às melhores razões: trata-se apenas de colher o material noticioso com maior potencial de produzir manchetes e repercussões.
Observe-se, por exemplo, que os jornais fazem a cobertura do julgamento do massacre do Carandiru, que ocorreu há mais de vinte anos, como se o fato tivesse acontecido há poucos meses.
No conjunto do noticiário, o mosaico que se compõe mostra o retrato de um país onde a polícia se cotiza para matar uma juíza, a corrupção solapa o Judiciário, parlamentares ligados ao agronegócio atribuem a si próprios a decisão sobre o destino de reservas indígenas, ministros da Corte Suprema se sentem à vontade julgando casos em que familiares são diretamente interessados e um massacre cometido por agentes da lei em ação oficial leva duas décadas para ser julgado.
O Brasil é isso?
(Por Luciano Martins Costa)
Outro repórter do jornal Vale do Aço assassinado a tiros no Brasil
15 de Abril de 2013, 21:00 - sem comentários ainda As autoridades brasileiras devem levar à justiça os envolvidos no assassinato de um fotojornalista da editoria de polícia na noite de domingo, disse hoje o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ). Walgney Assis Carvalho era um repórter fotográfico freelance que colaborava com o jornal Vale do Aço no estado de Minas Gerais, região sudeste do país.Um agressor não identificado encaminhou-se até Carvalho, 43, atirou nele ao menos três vezes e fugiu em uma motocicleta, segundo as informações da imprensa. O jornalista estava lanchando em um pesque-pague na cidade de Coronel Fabriciano, segundo reportagens.
O deputado estadual Durval Ângelo, presidente da comissão de direitos humanos da Assembleia Legislativa estadual, postou no Twitter hoje que as autoridades devem investigar uma possível ligação entre o homicídio de Carvalho e o do também jornalista do Vale do Aço Rodrigo Neto em 8 de março, segundo as informações da imprensa. O congressista disse que Carvalho aparentemente teria comentado que sabia quem havia assassinado Neto, mas não forneceu nenhum detalhe.
Fernando Benedito Jr., jornalista local e amigo de Neto, disse ao CPJ por e-mail que "Como Rodrigo, ele [Carvalho] sabia demais".
Neto cobriu corrupção policial durante a sua carreira, e havia recebido ameaças frequentes, especialmente por sua cobertura de casos nos quais policiais eram suspeitos de estar envolvidos em homicídios. Jornalistas mineiros disseram ao CPJ que membros da imprensa local formaram o "Comitê Rodrigo Neto" para investigar o assassinato e pressionar as autoridades para resolver o caso.
O Vale do Aço informou que Carvalho também fazia trabalhos fotográficos para a polícia civil.
A polícia informou que estava investigando o assassinato, mas que era muito cedo para ligar as duas mortes, segundo reportagens da imprensa.
"Estamos tristes pelo homicídio de Walgney Assis Carvalho e enviamos nossas condolências para a sua família e colegas", disse o vice-diretor do CPJ, Robert Mahoney. "As autoridades devem investigar completamente este homicídio, inclusive qualquer possível vínculo com o assassinato de Rodrigo Neto. O fracasso em levar os responsáveis à justiça em ambos os casos seria um símbolo da inaceitável taxa de impunidade para homicídios de jornalistas no Brasil. As autoridades devem agir agora".
Um acentuado aumento da violência letal transformou o Brasil em um dos países mais perigosos do mundo para jornalistas, segundo o relatório do CPJ Ataques à Imprensa. Em 2012, pelo segundo ano consecutivo, o Brasil apareceu no Índice de Impunidade do CPJ, que destaca países onde jornalistas são mortos com frequência e os assassinos ficam livres. O país também está na lista de Países em Risco do CPJ, que identifica os 10 países onde ocorreram retrocessos em matéria de liberdade de imprensa em 2012.
Conexões Perigosas: a vigilância oculta na grande rede
15 de Abril de 2013, 21:00 - sem comentários ainda As grandes corporações privadas que atuam na internet, como Google e Facebook, não apenas usam o enorme volume de dados que possuem sobre os usuários como fonte de renda. Elas são capazes, hoje, de exercer um refinado controle ético e político sobre os indivíduos, de acordo com Marcos Dantas, professor titular da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ.“Essas corporações detêm informações cotidianas sobre nossos hábitos e gostos, nível educacional, opção política e religiosa, que o próprio Estado não tem”, alerta Dantas, que ministra as disciplinas “Sistemas e Tecnologias de Comunicação” e “Economia Política da Comunicação”.
Nesta entrevista, o docente afirma ainda que cerca de 70% das comunicações da internet no mundo estão nas mãos de uma única empresa norte-americana: aLevel Three. E, segundo ele, quem financia a construção da imensa infraestrutura física necessária para a internet funcionar – “o mundo virtual é mera ideologia” – é o capital financeiro.
Marcos Dantas não acredita que o movimentoCypherpunks, liderado por Julian Assange e que defende a criptografia como meio de preservar os direitos civis das pessoas e a soberania dos povos, seja uma solução para democratizar a internet. Para isso, em sua opinião, será preciso um amplo processo de mobilização política que coloque em xeque o poder das grandes corporações de controlar a rede.
UFRJ Plural – Muitos dos que defendem e ajudam a construir uma internet livre, como Julian Assange, o criador do WikiLeaks, temem que ela se transforme em centro de vigilância dos cidadãos por parte de Estados imperiais. Qual a sua avaliação sobre isso?
Marcos Dantas – Acho que é uma preocupação importante, lúcida e necessária. Mas, sob esse aspecto, também há controle da vida do cidadão por parte das grandes corporações capitalistas. Não é só o Estado que preocupa. Diria até que é menos o Estado que preocupa. Isto porque, se o Estado é democrático, ele também pode ser vigiado pelos cidadãos. As grandes corporações privadas não. As pessoas não sabem o que é feito com os seus dados. E as organizações privadas não somente controlam e fazem dessas informações uma fonte de muito dinheiro, mas também podem exercer um controle ético e político sobre os indivíduos. E, eventualmente, ser fonte de informação para o próprio Estado.
UFRJ Plural – A política de privacidade do Google tem sido alvo de várias críticas. No início deste mês, inclusive, alguns governos da Europa decidiram investigá-la mais a fundo. Por quê?
Marcos Dantas – Eles temem exatamente que corporações como o Google, o Facebook, a Microsoft e a Apple substituam o Estado no controle do cidadão. E passem a deter informações e orientar as práticas das pessoas em função dos interesses delas, e não dos interesses públicos. Essas corporações não são públicas e, hoje, são detentoras de enorme quantidade de informações cotidianas de todos nós, de hábitos e gostos, que o próprio Estado não possui. Elas têm informações até sobre a nossa saúde, o nosso nível educacional, as nossas opções políticas, religiosas, que o Estado não tem. Com isso, passam a ter o poder de orientar a vida dos cidadãos.
UFRJ Plural – Os usuários do Google e das redes de relacionamento, especialmente o Facebook, têm alguma ideia do uso de suas informações privadas para obtenção de lucro, à sua revelia?
Marcos Dantas – Nenhuma. Vou contar um caso pessoal que estou vivendo neste exato momento. Há alguns dias, comprei um smartphone mais moderno. E acabo de descobrir que, se eu quiser fazer uma transferência de um arquivo de números telefônicos que está no meu computador para o aparelho, tenho que jogá-lo numa nuvem controlada pela Microsoft. O atendente da loja afirmou que só é possível fazer essa transferência dessa maneira. Ora, não vou dar as minhas informações privadas e meus contatos para a Microsoft. Fui muito claro. Disse que não faço nada na nuvem. Eu vivo na Terra, e não nas nuvens. Então, não vou transferir meus dados para a Microsoft.
UFRJ Plural – Isso ocorre em qualquer sistema operacional?
Marcos Dantas – Comprei um com windows phone[sistema operacional móvel desenvolvido pelaMicrosoft], da marca Nokia. Mas com o sistema androidacontece o mesmo. Quando alguém compra umsmartphone, a primeira coisa que faz é se conectar à internet. Abrir um endereço no Google, se for android, ou então na Microsoft, se for o windows phone. A partir daí, toda transação que se fizer pelo smartphone, seja baixar um dado ou marcar uma agenda, vai passar pelos servidores de uma dessas duas corporações. Por exemplo, se eu marcasse no aparelho a agenda da entrevista que estamos realizando, ela ficaria reigstrada na Microsoft. Ou seja, o meu cotidiano é controlado. Quando as pessoas usam o smartphonepara qualquer tipo de transação, não têm a menor consciência de que estão fazendo um trabalho de graça para essas empresas. É a mais-valia mais absoluta que existe no mundo, um traballho gratuito para enriquecer o Bill Gates. E também um repasse de informações poderosas para que essas organizações possam controlar o mundo.
UFRJ Plural – Mas não há o risco de essas informações migrarem para Estados de caráter imperial para que se faça uma vigilância política sobre os cidadãos?
Marcos Dantas – Não tenho nenhuma dúvida de que,na história dos Estados Unidos, as grandes corporações, ao longo de todas as épocas, desde os tempos da famosa Standard Oil, sempre foram instrumentos da política imperial norte-americana. E vice-versa, ou seja, o Estado abria caminho para a expansão de suas grandes empresas. As novas corporações norte-americanas, como o Google e a Microsoft, se já não são, serão instrumentos do poder imperial, numa perfeita simbiose.
UFRJ Plural – Existem na rede iniciativas com potencial libertário, como o WikiLeaks, e também sites e blogueiros que fazem circular informações omitidas na mídia tradicional. Essas iniciativas ainda não são capazes de contrabalançar a influência que o grande capital exerce sobre a internet?
Marcos Dantas – Não, porque se baseiam em princípios, na minha avaliação, equivocados. Elas não colocam a crítica ao capital como fundamento das suas propostas. Se isso não acontecer, essas inciativas permanecerão no plano do idealismo. Obviamente, permitem chamar a atenção e alertar a sociedade de que outro mundo é possível, o que é um aspecto positivo. Mas elas não colocam em questão o cerne do problema, o fato de que quem alimenta essa engrenagem são as relações capitalistas de produção e o capital.
UFRJ Plural – A Primavera Árabe é apontada como exemplo de que a internet também pode estar a serviço de movimentos democráticos de massa, de um novo modo de fazer política. Qual a sua avaliação sobre isso?
Marcos Dantas – Na verdade, superestimaram essas tecnologias. Elas foram usadas como meio de comunicação e, dessa forma, são extremamente eficientes. Em vez de eu pegar o telefone para convocar alguém para uma reunião, posso usar o Twitter ou o Facebook, e fazer isso com muito mais velocidade. Mas as grandes manifestações não são espontâneas. Vou dar um exemplo de uma época em que a internet não existia. Em 1968, mataram um estudante no Rio de Janeiro, o Edson Luís, e uma semana depois 100 mil pessoas estavam nas ruas protestando contra a ditadura militar. Mas esse fato foi apenas o estopim que gerou uma mobilização extraordinária. Antes já havia um processo de debate político acumulado entre jovens universitários, além de partidos políticos clandestinos atuantes. Se, por hipótese, os debates e reuniões que se faziam para discutir ações de resistência tivessem sido feitos em redes de amigos de Facebook, a polícia bateria em cima nos primeiros encontros. Outro exemplo foi quando o Collor estava sofrendo o processo deimpeachment e convocou o povo a usar verde e amarelo. Como já havia uma mobilização contra o governo, os brasileiros usaram o preto como forma de protesto, numa manifestação nacional que não precisou de Twitter ou Facebook para acontecer. E na Primavera Árabe um dos líderes das mobilizações no Egito era um executivo do Google. Isso já diz tudo.
UFRJ Plural – Pode-se considerar preocupante o fato de todas as comunicações via internet da América Latina para a Europa ou a Ásia passarem pelos Estados Unidos?
Marcos Dantas – Pior do que isso. Cerca de 70% das comunicações da internet no mundo estão nas mãos de uma única empresa norte-americana, chamada Level Three.
UFRJ Plural – E como isso funciona?
Marcos Dantas – A rigor, para que a internet funcione, é preciso uma imensa estrutura física. O mundo virtual é mera ideologia. São necessários cabos, satélites, torres, servidores espalhados pelo mundo. É uma estrutura caríssima. Fazer um blog é barato, basta dispor de tempo, mas não seria possível sem essa estrutura física, que requer bilhões de dólares de capital. Como ela é muito cara, poucas organizações no mundo podem fazer os investimentos necessários para construí-la e operá-la. Ou o Estado constrói esse tipo de estrutura, e hoje em dia ele não faz mais isso, ou grandes corporações financeiras o fazem. E é exatamente o capital financeiro que está por trás da Level Three, da AT&T, da British Telecom ou daTelefônica. Basicamente, as estruturas de comunicação servem ao capital financeiro nas transferências de fundos ao redor dos mercados mundiais.
UFRJ Plural – Essas redes passam, então, pelo centro de poder do capital financeiro?
Marcos Dantas – Sim, e obviamente pelos centros de poder militar também. Como acontece desde o tempo da telegrafia, essa infraestrutura tem sempre, acima do Equador, uma direção horizontal, ou seja, Estados Unidos, Europa e, cada vez mais, o Japão. E no sul tem uma direção sul-norte, da América do Sul para os Estados Unidos e para a Europa. Então, é claro que, se houver uma série crise internacional, essa configuração pode pesar na balança. Se o Brasil quiser fazer hoje uma comunicação com a África, terá que, necessariamente, passar pela Europa.
UFRJ Plural – Julian Assange afirma que a China está oferecendo a alguns países da África a construção de infraestrutura de backbones de acesso à internet em troca de grandes contratos comerciais. E aponta isso como a possibilidade de se configurar um novo colonialismo no século XXI. Como você avalia essa questão?
Marcos Dantas – Da mesma maneira que, no século XIX, os ingleses construíram ferrovias no Brasil e na Argentina. No Brasil, em São Paulo, para escoar café. E na Argentina, em Buenos Aires, para escoar carne. Na Índia, construíram uma malha ferroviária importante porque precisavam dela para movimentar o seu exército, porque lá a briga era dura. Portanto, os meios de comunicação sempre foram instrumentos fundamentais na geopolítica do poder. E a China está hoje construindo uma alternativa de poder geopolítico aos Estados Unidos, olhando os seus interesses muito bem olhados. Está sabendo por onde pode se expandir, e com muita inteligência.
UFRJ Plural – Por quê?
Marcos Dantas – Porque a África é um continente que foi completamente abandonado pelo Ocidente, depois de ter sido espoliada até dizer chega. É um estorvo para o grande capital o que fazer com aquela região. Quando eles estão se matando em alguma guerra e os humanistas pedem intervenção para evitar um genocídio, qual é a reação do grande capital e de seus governos? Deixa se matarem! É o que acontece a todo instante nos mais variados lugares da África. Só intervieram no Mali porque lá tem urânio, matéria-prima que interessa à França porque 70% da energia do país é nuclear. Então, a China, com a velha estratégia de avançar pelo elo mais fraco, está se expandindo na África a fim de construir cabeças de ponte para um projeto estratégico de longo prazo.
UFRJ Plural – Há um controle subterrâneo, invisível, da grande rede. Mas existem tentativas de oficializar o controle do próprio conteúdo produzido na internet. É o caso de duas legislações que estavam sendo discutidas no Congresso norte-americano, a Sopa (Lei de Combate à Pirataria On-line) e a Pipa (Lei de Prevenção a Ameaças On-line à Criatividade Econômica e ao Roubo da Propriedade Intelectual). Por que essas iniciativas ainda não vingaram?
Marcos Dantas – Em que pese meus amigos ciberativistas acharem que tem a ver com a luta deles, que eu compartilho e considero importante, a razão é outra. O fato é que o grande capital ainda não entrou em acordo sobre como fazer essa regulamentação. E a Sopa evidenciou isso muito bem. De um lado estava Hollywood e, do outro, o Google. Faltam ainda determinados acertos políticos e jurídicos entre as grandes corporações capitalistas para essas legislações vingarem.
UFRJ Plural – E que divergências são essas?
Marcos Dantas – A questão mais importante para o capital hoje não é a terra, mas o direito intelectual. É a patente, a marca, o direito autoral. O capital, hoje, se move em cima de um tipo de valor que não é mercadoria, ou seja, não é algo apropriável e cambiável. Quando o padeiro vende meia dúzia de pães, a cesta dele ficou com menos seis unidades de pães. E o caixa do padeiro aumentou com o dinheiro usado para comprar os pães, fruto do trabalho da pessoa que os adquiriu. Tem-se aí uma troca real, uma troca de equivalentes. Quando a indústria cinematográfica coloca um filme no mercado, não fica com menos filmes na sua estante. Há uma capacidade infinita de reproduzi-lo. Aqui não há troca, mas um licenciamento. Então, é preciso criar regimes para assegurar que aquelas pessoas que vejam o filme não possam replicá-lo a custo zero. Esse regime, em princípio, é o reconhecimento do direito autoral.
UFRJ Plural – E para garanti-lo é necessária uma série de controles?
Marcos Dantas – Sim. Como o reconhecimento do direito autoral, em si, não assegura que as pessoas não “pirateiem”, criam-se estruturas físicas para isso, como o DRM [dispositivo para restringir a difusão e duplicação de cópias de conteúdos digitais]. Outro tipo de controle é o acesso a conteúdo por meio de pagamento, como é o caso de TVs por assinatura ou dos novos sistemas de smartphones. São estruturas criadas para garantir que as pessoas somente tenham acesso a uma música ou a um filme se tiverem um determinado terminal conectado a uma rede paga. Esse tipo de comercialização em que se baseia a rentabilidade de Hollywood e outras indústrias culturais ainda não conseguiu se adequar, por inteiro, ao outro modelo de negócios que vem sendo proposto pelo Google, pela Apple, enfim, pelas empresas que já nasceram no sistema reticular, ou seja, no sistema em rede.
UFRJ Plural – Fale mais sobre esse novo modelo.
Marcos Dantas – A rentabilidade desse modelo de negócios que o Google vem tentando construir está totalmente calcada na informação e na negociação dessa informação. É um modelo que defende a liberação das práticas sociais, ou seja, as pessoas podem fazer o que bem entenderem na rede. Mas, como falamos no início, toda essa movimentação está sendo monitorada, manipulada, tratada por algoritmos poderosos, com o objetivo de vender informação.
UFRJ Plural – E essas legislações que preveem o bloqueio de sites acusados de desrespeitar o direito autoral podem ir contra esse modelo?
Marcos Dantas – Exatamente isso. O Google está propondo uma alternativa. Vou dar um exemplo. Se todo mundo vai ter um smartphone, ele deve estar ligado a uma loja, seja iTunes, Nokia ou Samsung. Da mesma forma, o tocador Blu-ray também deve estar ligado a uma loja. No momento em que todo mundo estiver na rede, aí será possível construir esse pacto.
UFRJ Plural – O movimento Cypherpunks defende a criptografia como forma de preservar os direitos civis das pessoas e também a soberania e a autodeterminação dos povos. Como você avalia essa proposta?
Marcos Dantas – Pode ser uma alternativa interessante, mas, como já ensinava Norbert Wiener, código é uma questão de tempo para quebrar. Primeiro, é algo que exige um investimento técnico, uma organização que trabalhe a criptografia. Os grandes Estados nacionais trabalham com isso, em função de interesses estratégicos. Mas os Estados Unidos, neste momento, demonstram grande preocupação porque dizem que estão sofrendo ataques de ciberinvasores. E dificilmente haverá um país mais criptografado do que os Estados Unidos. Então, não sei se essa é a questão.
UFRJ Plural – E qual é a questão?
Marcos Dantas – Acho que deveríamos passar por um processo político que colocasse em questão o poder das grandes corporações de controlar a grande rede e, a partir daí, controlar a vida dos cidadãos.
(*) Entrevista veiculada na edição de 15 de abril do UFRJ Plural, boletim eletrônico da Coordenadoria de Comunicação da UFRJ.
STF dá prazo para Romário explicar críticas a Marin
15 de Abril de 2013, 21:00 - sem comentários aindaApós voto de confiança em Marin, Romário faz campanha pela destituição do presidente da CBF |
Relator do processo movido pelo presidente da CBF contra o deputado fluminense, Gilmar Mendes pede que ex-jogador explique, no prazo de 15 dias, por que chamou cartola de “ladrão”
O Supremo Tribunal Federal (STF) expediu ontem (15) ofício ao deputado Romário (PSB-RJ) para que ele explique acusações feitas contra o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin, em entrevista à imprensa. Os advogados de Marin protocolaram no STF, em 4 de abril, uma queixa-crime pedindo a abertura de ação penal contra o ex-camisa 11 da seleção brasileira pelos crimes de injúria, difamação e crime contra a honra. O relator da peça acusatória é o ministro Gilmar Mendes. A partir do recebimento da notificação, Romário tem o prazo de 15 dias para prestar esclarecimentos.
Confira a íntegra da ação contra Romário
O motivo da denúncia é uma declaração dada por Romário, em entrevista concedida no dia 6 de março. “Esse presidente tem o passado ligado à ditadura, não tem moral para criticar. Dá pena ver a CBF passando suas diretorias de um ladrão para outro. Um cara que rouba medalhas e energia de um vizinho não tem moral para falar de Romário ou de qualquer deputado”, declarou o deputado.
No ofício a Romário, Gilmar Mendes pede a manifestação do parlamentar “a respeito da petição inicial” – ou seja, acerca do conteúdo da peça acusatória. A “ação originária” provocada por Marin é um caso raro de procedimento que começa no próprio Supremo, movido pela parte que se sente ofendida, sem a participação da Procuradoria-Geral da República. Os advogados do presidente da CBF pedem ao STF o recebimento da denúncia para que o parlamentar responda à ação como réu.
Na avaliação deles, Romário extrapolou a “imunidade parlamentar” – liberdade que todo congressista tem para expressar livremente seus votos e opiniões – ao fazer críticas, na imprensa, a partir de fatos “notoriamente inverídicos, fantasiosos e absurdos” contra Marin, difundidos com o “único escopo de ferir a reputação” do presidente da CBF. Procurado pela reportagem, o ex-jogador diz que foi orientado por seus advogados a não comentar o assunto. Segundo a assessoria dele, a notificação ainda não chegou ao seu gabinete.
Medalha e energia
As acusações feitas por Romário remontam a dois episódios. Depois da final da Copa São Paulo de Futebol Júnior 2012, câmeras de televisão mostraram o então vice-presidente da CBF colocando no bolso uma das medalhas da premiação, que seria destinada ao goleiro Mateus, do Corinthians. No outro episódio, o ex-jogador faz referência ao caso relatado pelo jornalista Juca Kfouri de que Marin foi flagrado por um vizinho fazendo “gato” de energia elétrica. O cartola nega as duas acusações.
A pena pelo crime de injúria é de detenção de um ano a seis meses, ou multa. No caso de difamação, a punição varia de três meses a um ano de detenção, além de multa. Os advogados de Marin, no entanto, pedem o agravamento dessas punições em um terço pelo fato de o presidente da CBF ter mais de 60 anos e porque as declarações foram amplamente repercutidas na imprensa. Marin tem 81 anos de idade.
Esta é mais uma batalha da guerra pública protagonizada pelos dois. Na semana passada, a Comissão de Turismo e Desporto, presidida pelo craque, aprovou requerimento para que Marin explique na Câmara suas eventuais ligações com órgãos de repressão durante a ditadura militar. Marin é acusado pelo engenheiro Ivo Herzog de ter incitado o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), quando era deputado estadual pela Arena, contra o jornalista Vladimir Herzog, assassinado na sede do órgão em 1975, em São Paulo. Herzog foi encontrado morto, enforcado, 16 dias após discurso em que o então deputado criticava a “infiltração comunista” na TV Cultura. O departamento de jornalismo da emissora era dirigido por Herzog na época. Romário e Ivo lideram uma campanha que reuniu mais de 50 mil assinaturas na internet pedindo a saída de Marin do comando da CBF e do Comitê Organizador Local (COL) da Copa do Mundo de 2014.
Movimento pela saída de Marin apela à Fifa
“Impecável biografia”
Na ação contra o deputado do PSB, os advogados alegam que José Maria Marin tem “impecável biografia”, com “relevantes serviços prestados ao esporte paulista e brasileiro”. A peça destaca ainda que ele foi responsável pela extinção do Dops, em 1983, quando era governador de São Paulo. “Em todos os mandatos e cargos públicos que exerceu, o querelante destacou-se por sua liderança e, principalmente, por sua dedicação, altivez e destemor na defesa de seus ideais em prol da coletividade, atuação que fez com que arregimentasse tanto seguidores e admiradores como desafetos e até inimigos, como sói acontecer com aqueles que se dedicam à política e à causa pública”, diz trecho da queixa-crime, assinada pelo escritório Franco Montoro e Peixoto Advogados Associados.
A assessoria de imprensa de Romário informou à reportagem que o mandado de notificação do ministro Gilmar Mendes ainda não havia chegado ao gabinete do deputado na Câmara até o começo da noite. O prazo de 15 dias passa a contar no momento em que constar no STF a informação de que Romário teve ciência do recebimento. De acordo com a assessoria, o deputado não comentará a manifestação do Supremo nem a queixa-crime de Marin, por orientação de sua defesa. O presidente da CBF também evita falar sobre o processo.
(Publicado no Congresso em Foco)