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Novo olhar para a Parábola do Filho Pródigo
9 de Junho de 2013, 21:00 - sem comentários aindaPor questões de sobrevivência, era necessário assumir uma postura gregária, de proteção mútua. Em razão da escassez de alimento e da dificuldade de se proteger a propriedade, o isolamento era garantia de morte prematura.
As pessoas se encontravam, portanto, intimamente ligadas à terra. Do apascentamento dos rebanhos ao cultivo dos grãos, tudo era feito em conjunto pelo aldeões.
E o grande responsável pela manutenção dessa ordem era o patriarca, figura a quem se devia, portanto, grande respeito.
Sua influência se estendia para além do núcleo familiar, abrangendo também os seus empregados e suas respectivas famílias.
Diante desse cenário, e para um grupo de camponeses, Jesus narra uma parábola cuja incompreensão atravessa os séculos.
“Um homem tinha dois filhos. O mais novo disse ao seu pai: ‘Pai, quero a minha parte da herança’. Assim, ele repartiu sua propriedade entre eles. “Não muito tempo depois, o filho mais novo reuniu tudo o que tinha e foi para uma região distante; e lá desperdiçou os seus bens vivendo irresponsavelmente.
Depois de ter gasto tudo, houve uma grande fome em toda aquela região, e ele começou a passar necessidade. Por isso foi empregar-se com um dos cidadãos daquela região, que o mandou para o seu campo a fim de cuidar de porcos. Ele desejava encher o estômago com as vagens de alfarrobeira que os porcos comiam, mas ninguém lhe dava nada.
“Caindo em si, ele disse: ‘Quantos empregados de meu pai têm comida de sobra, e eu aqui, morrendo de fome! Eu me porei a caminho e voltarei para meu pai e lhe direi: Pai, pequei contra o céu e contra ti. Não sou mais digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus empregados’. A seguir, levantou-se e foi para seu pai.
“Estando ainda longe, seu pai o viu e, cheio de compaixão, correu para seu filho, e o abraçou e beijou.
“O filho lhe disse: ‘Pai, pequei contra o céu e contra ti. Não sou mais digno de ser chamado teu filho’. “Mas o pai disse aos seus servos: ‘Depressa! Tragam a melhor roupa e vistam nele. Coloquem um anel em seu dedo e calçados em seus pés. Tragam o novilho gordo e matem-no. Vamos fazer uma festa e alegrar-nos. Pois este meu filho estava morto e voltou à vida; estava perdido e foi achado’. E começaram a festejar o seu regresso.
“Enquanto isso, o filho mais velho estava no campo. Quando se aproximou da casa, ouviu a música e a dança. Então chamou um dos servos e perguntou-lhe o que estava acontecendo. Este lhe respondeu: ‘Seu irmão voltou, e seu pai matou o novilho gordo, porque o recebeu de volta são e salvo’.
“O filho mais velho encheu-se de ira e não quis entrar. Então seu pai saiu e insistiu com ele. Mas ele respondeu ao seu pai: ‘Olha! todos esses anos tenho trabalhado como um escravo ao teu serviço e nunca desobedeci às tuas ordens. Mas tu nunca me deste nem um cabrito para eu festejar com os meus amigos. Mas quando volta para casa esse teu filho, que esbanjou os teus bens com as prostitutas, matas o novilho gordo para ele!’
“Disse o pai: ‘Meu filho, você está sempre comigo, e tudo o que tenho é seu. Mas nós tínhamos que celebrar a volta deste seu irmão e alegrar-nos, porque ele estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi achado’ “.
Para se compreender essa parábola, é preciso viajar no tempo e deixar de lado algumas concepções sociológicas que nós, ocidentais do Século XXI, costumamos utilizar.
Jesus falava de acordo com o tempo e os lugares.
Assim, um gesto que pode passar despercebido, mas que é fundamental no contexto social do Oriente Próximo, onde a história se passa, é o problema causado pela questão da antecipação da herança. Para aquelas pessoas, esse pedido equivalia a desejar a morte do patriarca, uma falta tão grave que poderia ser punida com o apedrejamento.
Mesmo diante daquela humilhação, o patriarca concorda com a solicitação do filho.
Este, ciente da sua situação, rapidamente vende os bens herdados e parte uma terra distante. Lá, dilapida o patrimônio e se vê obrigado a cuidar de porcos, algo absolutamente degradante para a época. E em razão da fome que se abate na região, passa a tentar se alimentar da comida destinada a esses animais.
No auge do seu sofrimento, ele “cai em si”. E a dor, qual uma ferramenta pedagógica, faz sua consciência despertar. Arrependido, ele decide buscar o perdão do pai.
E precisamente no episódio do retorno à casa, a sutileza da sabedoria de Jesus impressiona: o patriarca, um homem de andar lento e solene, corre em direção ao filho, abraça-o e beija-o no rosto, na frente de todos. Aquela cena chocante contrariava todas as tradições do patriarcado.
Por amor ao filho, porém, o pai se humilha perante a aldeia naquele gesto público.
Aqui, um detalhe. Naquela região, até hoje, quando há um conflito, uma forma comum de resolução é a mediação, feita por uma pessoa de confiança dos litigantes. Se a questão for resolvida, o gesto que sela a paz é exatamente o beijo no rosto.
Porém, no caso da parábola, em que o problema envolvia pai e filho na divisão de bens, a mediação caberia ao representante legal do patriarca — pela lei, o filho mais velho.
Este, contudo, percebendo que poderia se beneficiar daquela discórdia, prefere se omitir, deixando entrever sua verdadeira personalidade.
Retomemos.
O pai então manda trazer para o filho egresso sandálias e um anel, objetos utilizados apenas por membros da família, jamais por empregados, sinalizando que a reconciliação era plena. Ele estava sendo aceito novamente como filho, e não como mero serviçal.
A melhor roupa e o novilho gordo significavam que todos na aldeia estavam convidados para aquela ocasião especialíssima, solucionando o problema entre o pródigo e a comunidade.
Ao perceber que as festividades se deviam ao retorno do irmão mais novo, o mais velho “se enche de ira”, e se recusa a entrar na casa e receber os convidados, como ordenava a tradição.
“Então o pai saiu e insistiu com ele”.
Nesse instante, o filho enfurecido altera o tom de voz e sequer o reconhece como pai — “olha!” é o tratamento que ele usa. Como não bastasse, em tom de desprezo, refere-se ao próprio irmão como “este teu filho”.
Considerando tratar-se do futuro patriarca, de quem se espera uma postura de liderança e justiça, aquelas eram faltas tão graves quanto o pedido de antecipação de herança.
Preguiçoso, o filho mais velho se queixa de ter trabalhado muito — nas terras que seriam suas; ingrato, ele reclama não ter recebido sequer um cabrito — que poderia ter tido quando bem entendesse; difamador, ele esbraveja publicamente que o irmão gastara o dinheiro com prostitutas — algo que não se encontra no texto, mas em sua imaginação.
“Meu filho, você está sempre comigo, e tudo o que tenho é seu”. Naquela sociedade, era impensável que um patriarca precisasse se justificar a um filho, sobretudo publicamente, em meio a um desrespeitoso arroubo de fúria.
Novamente por amor, o pai se humilha perante toda a comunidade em atenção ao filho mais velho.
Note que, de acordo com a narrativa, este estava no campo quando percebeu a movimentação. É alegórico o fato de ele não estar em casa. O seu comportamento indica que jamais esteve realmente na “casa do Pai”.
Por várias razões, somos levados a nos deter nos erros do filho pródigo, muito embora ambos os filhos estejam igualmente perdidos em seu egoísmo, cada um à sua maneira. O primeiro, por rejeitar a providência do pai e fragilizar as estruturas mais fundamentais da comunidade; o mais velho, pelo chauvinismo velado e pela postura farisaica.
O Pai, por sua vez, preocupa-se apenas com uma única regra, a do amor. Sem maniqueísmos nem preferências.
Regressemos novamente ao trecho em que o Pai avista o filho que retorna. Naquelas poucas palavras encontra-se uma das mais importantes lições do Cristianismo, tão sutil que quase se perdeu no tempo.
No momento em que o pai corre em direção ao filho, abraça-o e beija-o, a sabedoria do Cristo está querendo nos mostrar que o restabelecimento dos laços primordiais, a religação, a “religião” entre Deus e os homens é algo direto, imediato, sem interferências de qualquer natureza.
Com sua linguagem alegórica, voltada para homens simples de dois mil anos atrás, o Cristo desconstrói concepções religiosas vigentes até hoje: utilizando-se das próprias Escrituras, Ele indica serem dispensáveis as convenções sociais, os cultos exteriores, os dogmas.
Nada deve ser interpor na relação entre o Pai e seus filhos.
De forma sublime, o Cristo nos mostra que não importa no que você acredita, mas como você vive.
O que “estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi achado”, em verdade, é o vigor de Seus ensinamentos.
Artigo original do Comunica Tudo por M.A.D..
Justiça condena Safra por fraude em contratos
9 de Junho de 2013, 21:00 - sem comentários ainda
Decisão da 2ª Vara Cível de Campinas (SP) obriga instituição do bilionário Joseph Safra a pagar R$ 65 mil a uma família de lojistas da cidade. Banco disse não responder sobre assuntos “sub júdice”
Uma batalha judicial com desdobramentos até em delegacias de polícia, envolvendo o banco do terceiro homem mais rico do Brasil, tem sua primeira sentença. A Justiça de São Paulo condenou o Banco Safra, do bilionário Joseph Safra, a devolver pelo menos R$ 65 mil, mais correções monetárias, a uma família de lojistas de Campinas. Eles acusam o banco de fraudar contratos em branco para aumentar os juros combinados. Na decisão, o juiz Fábio Henrique Prado de Toledo, da 2ª Vara Cível de Campinas, determina que o valor seja usado como crédito para abater uma cobrança judicial de R$ 92 mil do banco contra os Gobbo, donos da rede de calçados Bootco.
A princípio, a dívida foi reduzida em 71%, para R$ 26 mil. Mas o magistrado mandou recalcular também valores pagos anteriormente pelos lojistas. Por isso, na estimativa de Carlos Augusto “Guto” Gobbo, a família passou a ser credora do banco. O juiz julgou dois processos ao mesmo tempo, que se referem a apenas uma das empresas do grupo calçadista. Ao todo, são 18 processos judiciais, movidos pelo banco e pelos lojistas numa briga que já acabou até na delegacia.
Guto entende que esse é o indicativo de que as outras ações terão o mesmo destino. “Em todos os meus processos com eles, vai inverter a história; de devedores, credores”, prevê o lojista.
Como mostrou a Revista Congresso em Foco, o Banco Safra contratou um detetiveparticular armado para seguir funcionários da Bootco. Preso em flagrante com facas, munições e pistola, o investigador foi liberado após pagar fiança. Guto considerou a perseguição uma ameaça por causa da batalha judicial. O banco disse à polícia que o empresário distribuiu panfletos difamatórios contra o Safra e que, para confirmar isso, contratou um investigador privado. O caso está sob investigação no Ministério Público.
Cartões e cheques
Conforme admitiu o Safra, o banco firmou contratos em branco com os Gobbo, para antecipar vendas feitas por meio de cartões de crédito. Na ação, o juiz menciona também vendas feitas com cheques pré-datados. Na audiência, que aconteceu em 29 de maio, a ex-gerente do Safra Denise Artem Ataíde confirmou a assinatura de contratos em branco. Ela já havia declarado à polícia que a instituição em que trabalhava aproveitou esse detalhe para duplicar os juros combinados com os clientes usando canetas de ponta porosa para preencher os documentos.
De acordo com os autos do processo, foram feitas 101 operações de crédito entre o banco e a empresa Mocamp, do grupo familiar dos Gobbo. O juiz Fábio Toledo considerou os abusivos juros cobrados pelo Safra. Isso porque não poderiam ter sido usados juros compostos, os mais onerosos para o consumidor, em uma dívida que sequer estava formalizada. Toledo destacou uma perícia apresentada pela família de lojistas contestando as taxas cobradas, “na qual constou que a taxa aplicada destoa da média de mercado, divulgada pelo Banco Central”. “Diante disso, há de se reconhecer um pagamento a maior por parte da autora da importância de R$ 60.735,80”, disse o magistrado.
Fábio Toledo ainda condenou o Safra a pagar, em dobro, o valor das taxas de abertura de crédito de cada contrato que extrapolaram R$ 7. Segundo Guto, eles pagaram R$ 30 em cada operação. Ou seja, seriam mais R$ 4.646 a creditar em favor dos lojistas. Todos os valores pagos a mais devem ser corrigidos monetariamente em 1% ao mês.
Recálculo
Os valores deverão ser usados para abater dívida que o Safra cobra da família. A dívida era de R$ 145 mil. Com os pagamentos feitos pelos Gobbo, baixou para R$ 81 mil em 2007, segundo documentos do próprio banco. Mas esse, com juros e multas, a conta chegou a R$ 92 mil. O juiz Toledo afirmou que a cobrança de juros sobre juros sobre essa dívida foi “indevida” e determinou que ela fosse recalculada. Segundo Guto, na prática, a taxa vai ser reduzida de 3,3% para 2,5% ao mês.
O Banco Safra optou por não prestar nenhum esclarecimento a respeito do assunto. “O Safra não se manifesta sobre questões ‘sub júdice’”, limitou-se a responder a assessoria de imprensa das organizações de Joseph Safra. Também não prestou esclarecimentos sobre a análise de que a família Gobbo virou credora do banco. Ainda cabe recurso da decisão do juiz da 2ª Vara Cível de Campinas.
(Por Congresso em Foco)
Artigo original do Comunica Tudo por M.A.D..
Promotor Zagallo deve ser punido por seu delírio fascista
9 de Junho de 2013, 21:00 - sem comentários aindaAo desejar a morte de manifestantes e declarar que “essa região faz parte do meu Tribunal”, ele rompe com o estado de direito
Quando vi a reprodução da postagem do promotor Rogério Zagallo, a primeira coisa que perguntei foi se era verdadeiro aquilo. Não que o tivesse em boa conta, muito pelo contrário, mas não imaginei que seus delírios chegassem a tanto. Zagallo disse o seguinte: “Por favor, alguém poderia avisar a Tropa de Choque que essa região faz parte do meu Tribunal do Júri e que se eles matarem esses filhos da puta eu arquivarei o inquérito policial. Petistas de merda. Filhos da puta.”
Preocupado com a repercussão, ele emendou depois que era só um desabafo e que não estava agindo como promotor de justiça.
Zagallo ficou famoso pelo fundamento usado em um requerimento de arquivamento de um inquérito em que um policial matou um homem que o tentara roubar. Depois de ser sarcástico — “para desgosto dos defensores dos Direitos Humanos de plantão” —, justificou o arquivamento: “Bandido que dá tiro para matar tem que tomar tiro para morrer. Lamento, todavia, que tenha sido apenas um dos rapinantes enviados para o inferno. Fica aqui o conselho para Marcos Antônio: melhore sua mira…”.
Não sei se, nesse caso, houve legítima defesa que justificasse o arquivamento. Mas sei que o fundamento é uma afronta à lei. O que justifica o ato de matar alguém, em tais circunstâncias, é a defesa da própria vida ou de outra pessoa. No instante em que não há mais agressão — tiros — cessa a possibilidade de defender-se legitimamente. Se alguém atira contra um policial e foge, não pode ser morto como vingança. Quando ele escreve que quem dá tiro contra policial tem que morrer, ele está fazendo uma clara apologia da violência como vendetta.
Além dos termos chulos, chama a atenção uma incapacidade de lidar com uma manifestação popular, a ponto de louvar a ditadura militar, a Rota ou seja lá o que for, ao falar que sente saudade do tempo em que se resolvia isso com “borrachada nas costas”.
Mas o pior ainda não é isso.
Ao declarar que “essa região” faz parte do “meu Tribunal do Júri”, ele revela uma falta de noção de valores republicanos, pois fala de seu poder – não um poder público, com limitações estabelecidas em lei, mas como se fosse pessoal, despótico, exercido conforme seu arbítrio. Um Estado Democrático de Direito pressupõe, sobretudo, a limitação do poder, de modo que quem exerce qualquer cargo público está subordinado à legalidade.
O post
Quando avisa que se um policial matar um dos manifestantes, ele arquivaria o inquérito, o delírio fascista chega ao extremo. Primeiro porque promotor não arquiva, mas requer o arquivamento. Isso significa que sua manifestação está sujeita ao controle de legalidade feito pelo juiz. Se este não concordar, remete para o Procurador Geral de Justiça. Segundo, porque se um PM assassinar alguém pelo simples motivo de que essa pessoa está em uma manifestação, terá ocorrido um homicídio. Em uma hipótese absurda como essa, o dever do promotor seria oferecer denúncia contra o PM por crime.
Esse tipo de pessoa é o que mais temo e lastimo como professor de direito penal. É aquele que frequenta uma faculdade e se apodera dos conhecimentos jurídicos apenas para a aprovação em um concurso público. Depois disso, ele não faz outra coisa senão negar o direito. Ele se vale do conhecimento jurídico para a ascensão econômica, mas no exercício da atividade ele avilta o direito.
A Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo exige dos membros do MP um comportamento digno. Um dos deveres funcionais do membro do MP é “zelar pelo prestígio da Justiça, por suas prerrogativas e pela dignidade de suas funções”. No art. 173, inciso VI, constitui infração disciplinar o descumprimento dos deveres funcionais previstos no art. 169, dentre os quais o de zelar pela dignidade de suas funções.
No art. 232, poderá ocorrer “correição extraordinária” para a apuração de “atos que comprometam o prestígio ou a dignidade da Instituição”.
É difícil saber qual seria a pena aplicável (advertência, censura ou suspensão). Mas a manifestação de Zagallo causou perplexidade nas pessoas sensatas – e na comunidade jurídica, de modo que se espera a rigorosa apuração da Corregedoria do Ministério Público.
(Publicado por DCM)
Artigo original do Comunica Tudo por M.A.D..
"Só se pode falar em uma reforma efetiva do Judiciário se houver também o controle social dos meios de comunicação de massa"
9 de Junho de 2013, 21:00 - sem comentários aindaO juiz Rubens Casara, da 43ª Vara Criminal do Estado do Rio de Janeiro, investe na aproximação entre a sociedade civil e o poder judiciário. Ele faz parte da Associação de Juízes pela Democracia (AJD), instituição que tem como objetivo “dar voz a quem normalmente não tem espaço nas decisões da Justiça, pois esta está vinculada a uma tradição e uma prática conservadoras”, explica em entrevista ao Boletim NPC. Em maio, ele organizou o evento “Resistência Democrática: Diálogos entre Política e Justiça”, com o objetivo de aproximar militantes sociais a atores jurídicos que possuem uma visão progressista.
Casara acredita que só será possível democratizar o Judiciário se houver a regulação da mídia no Brasil. Segundo ele, muitas das decisões da Justiça são tomadas para agradar a opinião pública, “que muitas das vezes é a opinião publicada pela chamada grande mídia”. Na opinião dele, um exemplo a ser seguido é a Lei de Medios da Argentina, aprovada após um amplo processo de mobilização social.
BoletimNPC – O senhor organizou recentemente o seminário “Resistência Democrática: diálogos entre política e justiça”. Qual o objetivo?
Rubens Casara. O evento foi feito para mostrar que existe um pensamento contra-majoritário dentro do poder judiciário, um pensamento que se identifica com as tradicionais bandeiras da esquerda e com o respeito aos direitos fundamentais. O objetivo, em resumo, foi unir esses atores jurídicos mais comprometidos com a sociedade e os militantes de movimentos sociais que lutam por melhorias na vida do povo.
BoletimNPC – Esta foi a primeira edição. Por que realizá-la hoje?
Acredito que o momento que estamos vivendo é bem complicado, um tempo de “fascismo societal”, como diz o jurista e sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. A defesa dos direitos humanos e as ideias mais progressistas têm perdido espaço, e isso é algo que me assusta bastante. Pessoas que antes tinham vergonha de assumir certas posturas autoritárias hoje o fazem com muita naturalidade. Um exemplo é a transformação do Capitão Nascimento, personagem do Tropa de Elite, em herói nacional. O ídolo é o policial que, embora honesto, é um torturador, um criminoso.
BoletimNPC – Como o senhor avalia o Judiciário em relação à sociedade?
O Judiciário é um reflexo das contradições da sociedade. A sociedade é autoritária e, portanto, o poder judiciário é autoritário. A maioria acredita, e é levada a acreditar, no uso da força para resolver os mais variados problemas sociais. A população que sofre a violência policial muitas vezes aceita e naturaliza essa violência, como, por exemplo, o “toque de recolher” que existe em diversas comunidades. No Brasil, as pessoas se acostumaram com autoritarismo, talvez porque a história do nosso país não é marcada por fortes rupturas históricas; sempre que o povo em movimento começava a se mobilizar e criar condições efetivas para transformações, surgiam soluções sempre impostas de cima para baixo, e isso repercute no poder judiciário.
BoletimNPC – Ainda hoje?
Este é um momento de crise do judiciário, que se encontra em uma encruzilhada. Garapon [jusfilósofo francês] aponta que o Judiciário está entre sua origem aristocrática, comprometida com a manutenção das coisas do jeito que estão, e o que se convencionou chamar de “tentação populista”, que também é perigosa, pois é uma tendência de agradar a “opinião pública”, que muitas vezes não passa da opinião publicada pelos meios de comunicação de massa, em especial os da chamada “grande mídia”. Não raramente os juízes julgam para agradar a essa grande mídia. Isso é extremamente complicado, pois o poder judiciário por definição tem que ser contra-majoritário, isto é, tem que julgar contra maiorias e até mesmo contra a unanimidade se isso for necessário para defender os direitos fundamentais. Se a sociedade é autoritária, machista ou racista, o judiciário tem o dever de se afastar dessas concepções opressoras, pois elas desrespeitam os direitos fundamentais e violam o projeto constitucional de vida digna para todos.
BoletimNPC – O debate sobre a redução da maioridade penal é uma dessas questões que a mídia toma a dianteira né?
Exatamente. Dentro do poder judiciário muita gente defende a redução da maioridade penal, isso em contrariedade a todas as pesquisas sérias já feitas sobre o tema. Os dados produzidos no Brasil apontam que é altíssimo o índice de reincidência no sistema prisional, ou seja, muitos que ficaram presos acabam retornando ao cárcere por cometerem novos crimes. Já no sistema socioeducativo, a prática de novos atos infracionais após a imposição de medidas sócio-educativas é muito inferior. Ou seja, a opinião veiculada e naturalizada pela classe média brasileira contraria todos os dados concretos sobre o assunto. Muita gente defende a ideia da redução da idade penal, mas o faz a partir das lições do William Bonner ou de outros “especialistas”.
BoletimNPC – E por que é tão difícil combater o conservadorismo do poder judiciário?
Existem várias razões. Um problema é o seguinte: os juízes que atuavam no período da ditadura civil-militar continuaram a atuar após a redemocratização. Muitos desses juízes, que fechavam os olhos para a tortura e a violação aos direitos humanos, tornaram-se desembargadores, e novos juízes, para ter facilidades na carreira, acabavam reproduzindo as opiniões e decisões daqueles velhos juízes. O professor Raúl Zaffaroni, da Suprema Corte Argentina, diz exatamente isso: que a maneira mais fácil de se fazer carreira é reproduzir a opinião de quem já está dentro da instituição. É o que ele chama de “comodismo crônico”. Isso faz com que o judiciário continue sendo conservador. Ou seja: novos juízes, que poderiam representar elementos de ruptura com esse sistema, reproduzem o autoritarismo que encontram dentro do Poder Judiciário.
BoletimNPC – É interessante citar a ditadura, pois os crimes daquele tempo continuam ocorrendo…
A ditadura produziu um fenômeno interessante: a “democratização da tortura”. A tortura sempre existiu no Brasil, mas antes era voltada exclusivamente para o pobre, para o capoeira ou o negro fujão. Na época da ditadura militar, essa violência foi democratizada para a parcela da classe média que se opôs ao regime, o que deu visibilidade para a tortura. O que mais choca é que, quando ocorre a abertura política, a tortura volta a ser direcionada ao seu público preferencial, ressurgindo também o silêncio em torno do tema. A tortura é naturalizada sempre que é usada contra o pobre, contra aquele que não interessa à sociedade de consumo. Da mesma maneira, o tiro que atinge um menino da favela ou da periferia tem repercussão diferente do tiro dado na Zona Sul.
BoletimNPC – E essa diferenciação também está presente nas decisões judiciais?
Infelizmente sim. Por exemplo, isso ocorre na desqualificação do espaço público historicamente destinado às camadas populares. Já vi colegas emitirem mandados de busca e apreensão coletiva que autorizam a polícia a entrar, inclusive com o uso de força, em qualquer casa de uma favela, mesmo que nada exista de concreto contra os moradores da grande maioria dessas residências. Nunca vi um mandado desse tipo ser cumprido na Avenida Vieira Souto.
BoletimNPC – O conservadorismo da “grande mídia” contribui para o conservadorismo do poder Judiciário?
Não raro se julga para agradar a chamada “grande mídia”, ou seja, para agradar interesses econômicos, sociais e de classe muito bem definidos. Só se pode falar em uma reforma efetiva do Judiciário se houver também o controle social dos meios de comunicação de massa, por causa dessa interferência direta de um no outro. Sobre o tema, há também muitos mitos; muitas vezes a garantia da liberdade de imprensa é distorcida para justificar crimes praticados através dos meios de comunicação de massa. Qualquer pessoa que tenha estudado minimamente o processo de mobilização social na Argentina que resultou na Lei de Medios, por exemplo, sabe que o controle dos meios de comunicação proposto nada tem de censura. No Brasil, hoje, em qualquer horário do dia, tem gente defendendo tortura e violações aos direitos fundamentais na televisão, e isso é inadmissível. Os meios de comunicação de massa produzem subjetividades e cultura. Se você quer uma cultura comprometida com a democracia, não há como defender a legitimidade de programas que incentivam o ódio, a violação de direitos e a eliminação das diferenças.
BoletimNPC – E muitas vezes essas formas de controle e participação são divulgadas como censura…
A concentração da mídia é absurda no Brasil. São poucas famílias controlando muitos meios e produzindo muitas subjetividades. As grandes corporações de mídia têm as falas autorizadas: escolhem determinados “especialistas” para falar aquilo que querem que seja dito. Por mais que as novas mídias tenham disputado um pouco de espaço, ainda há um poder absurdo e sem controle nas mãos de poucos. Os meios alternativos são o espaço para se produzir um discurso contra-hegemônico. Existem blogs criteriosos, sérios, e também outros com posturas questionáveis. Mas já é positivo o simples fato de existirem espaços que divulguem essa pluralidade de ideias. O Marcelo Semer, ex-presidente da Associação de Juízes pela Democracia (AJD), foi um dos primeiros juízes a ter um blog (Sem Juízo) e a corajosamente se lançar nessa batalha por corações e mentes. Ele era um dos meus candidatos a ministro do Supremo Tribunal Federal, pois possui uma visão progressista no campo do direito e é extremamente comprometido com as lutas populares.
BoletimNPC – Como o senhor avalia a indicação do novo ministro do STF?
O [professor Luis Roberto] Barroso é um bom nome, excelente intelectual e acadêmico, mas não sei se é o homem ideal para incorporar a resistência necessária às posturas opressoras que estão em toda sociedade, inclusive no próprio Supremo. Não sei até que ponto ele será capaz de resistir às pressões da grande mídia, por exemplo. Circula o boato de que a presidenta Dilma se convenceu de que o ministro ideal deve ser um técnico e não pode se manifestar, do ponto de vista político, sobre variados assuntos de interesse da sociedade. Para mim, isso é um tremendo equívoco, pois em nome da melhor técnica se produziram as maiores barbaridades da história do Poder Judiciário.
BoletimNPC – Um exemplo?
A decisão que não impediu a deportação da Olga Benário. Foi um caso em que o recurso à técnica foi utilizado para permitir a barbárie. Para mim, o ideal é que a sociedade conheça e que se levem em conta as posições políticas de quem vai ser indicado ao STF.
(*) Entrevista publicada originalmente no Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC). Foto: Pablo Vergara.
Artigo original do Comunica Tudo por M.A.D..
Maioria de estupros no Rio ocorre no início da manhã ou fim da noite, aponta levantamento
9 de Junho de 2013, 21:00 - sem comentários aindaEm 2013 foram registrados 1.822 casos de abusos sexuais
É no caminho de ida ou de volta do trabalho que ocorre a maioria de estupros de mulheres na cidade do Rio. Normalmente em vias públicas, os casos, que podem ser considerados acidentes de trabalho, aumentaram entre 2011 e 2012, segundo dados divulgados pela gerência do Programa de Saúde da Mulher da Secretaria Municipal de Saúde.
De acordo com levantamento feito com base nos prontuários das pessoas atendidas pelo Instituto Municipal da Mulher Fernando Magalhães, o número de mulheres vítimas de violência com mais de 10 anos na unidade passou de 818 para 1.751, entre 2011 e 2012. Do total de casos nos dois anos, os estupros saltaram de 54% (504) para 83% (908) dos atendimentos.
Durante audiência pública na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), a assistente social Marcia Soares Vieira, responsável por apresentar o levantamento, disse que a maioria dos ataques ocorre contra mulheres que estão indo ou vindo do trabalho e em vias públicas, tarde da noite ou de manhã cedo. De 2011 para 2012, os ataques nesses espaços saltaram de 57 para 129, um aumento de 126,3%. Este ano, até maio, foram 19.
De acordo com Marcia, além de estupros em meios de transporte como vans, começa a preocupar os casos denunciados em banheiros químicos. A assistente social alerta que as mulheres são atacadas quando estão entrando na cabine ou são arrastadas para lá.
— É um novo local que tem [nos] surpreendido. A Polícia Militar, na Lapa [bairro central do Rio], tem que ficar atenta.
Marcia explicou que estupros a caminho do trabalho, na saída ou no local são acidentes de trabalho e precisam ser notificados ao Poder Público. Nestes casos, as mulheres têm direito a estabilidade no emprego e benefícios previdenciários e de saúde.
— Essas mulheres podem surtar, descompensar, adoecer e deixar de trabalhar, a faltar. Mas não podem ser demitidas.
Durante a audiência pública na Alerj, a chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, a delegada Martha Rocha, disse que vários fatores explicam o aumento de casos de estupro no estado, de 23,8% (ou 1.158 vítimas a mais), entre 2011 e 2012. Entre eles, o aumento do número de denúncias e a lei mais abrangente.
— Hoje o estupro vai do beijo roubado a conjunção carnal.
Em 2013, segundo dados preliminares apresentados pela delegada, até o final de abril, pelo menos 1.822 pessoas foram estupradas no estado fluminense, sendo a maioria mulheres na Baixada Fluminense (região do estado do Rio composta por 13 municípios e população superior a 3,7 milhões de habitantes, mais de 50% da população do estado). Outra preocupação levantada por Martha é com casos de estupros contra crianças, inclusive menores de 5 anos e bebês, dentro de casa, por familiares.
(Por R7)
Artigo original do Comunica Tudo por M.A.D..