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Blog Comunica Tudo

3 de Abril de 2011, 21:00 , por Desconhecido - | No one following this article yet.
Este blog foi criado em 2008 como um espaço livre de exercício de comunicação, pensamento, filosofia, música, poesia e assim por diante. A interação atingida entre o autor e os leitores fez o trabalho prosseguir. Leia mais: http://comunicatudo.blogspot.com/p/sobre.html#ixzz1w7LB16NG Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial No Derivatives

Crianças perdem digitais na quebra da castanha de caju

20 de Setembro de 2013, 9:29, por Desconhecido - 0sem comentários ainda


Meninos e meninas têm as mãos queimadas por ácido e perdem as digitais dos dedos no processo de quebra da castanha de caju. Mesmo após denúncias, o problema persiste no Rio Grande do Norte.

Passado um primeiro momento de grande arrancada na prevenção e eliminação do trabalho infantil no Brasil, do início dos anos 1990 a meados dos anos 2000, o país enfrenta um novo desafio para manter o ritmo de queda. Enquanto a primeira fase foi marcada pela retirada de crianças e adolescentes das cadeias formais de trabalho, o novo desafio são as piores formas de exploração, como o processamento da castanha, que o poder público tem mais dificuldade de erradicar. O trabalho informal e precário atinge especialmente os adolescentes e jovens e está relacionado à evasão escolar e à falta de alternativas oferecidas pelo mercado. A erradicação requer um plano com ações, metas e indicadores. E uma ação política coordenada.


Muitos leitores ficam irritados quando conectamos trabalho infantil ou escravo ao nosso consumo, o que significa nos inserir como parte beneficiária da cadeia de escoamento. Pois não deveriam. Não é culpa que se busca com a transparência da origem dos produtos que consumimos, mas essa informação é fundamental para pressionar governos e empresas a adotarem políticas a fim de garantir que isso não aconteça. Afinal de contas, a ignorância é um lugar quentinho.

A reportagem é de Daniel Santini, da Repórter Brasil, que foi a João Camara, no Rio Grande do Norte, verificar as condições das crianças que perdem as digitais no processamento da castanha:

Olhe a ponta do seu dedo. Repare no conjunto minúsculo de linhas que formam sua identidade. Essa combinação é única, um padrão só seu, que não se repete. As crianças que trabalham na quebra da castanha do caju em João Câmara, no interior do Rio Grande do Norte, não têm digitais. A pele das mãos é fininha e a ponta dos dedos, que costumam segurar as castanhas a serem quebradas, é lisa, sem as ranhuras que ficam marcadas a tinta nos documentos de identidade.

O óleo presente na casca da castanha de caju é ácido. Mais conhecido como LCC (Líquido da Castanha de Caju), esse líquido melado que gruda na pele e é difícil de tirar tem em sua composição ácido anacárdico, que corrói a pele, provoca irritações e queimaduras químicas. No vilarejo Amarelão, na zona rural de João Câmara, as castanhas são torradas – além de corroer a pele, o óleo é inflamável – e quebradas em um sistema de produção que envolve famílias inteiras, incluindo as crianças.


O óleo é pegajoso. Basta pegar uma castanha e quebrá-la para ficar com a pele manchada por alguns dias. Nem todas as crianças e os adultos que trabalham no processo sabem que o óleo é ácido. Muitos acham que a mão fica assim machucada por conta da água sanitária utilizada para tirar o preto encardido da mão depois de horas seguidas manuseando e quebrando as castanhas torradas. “Se fosse assim, as pessoas que usam água sanitária para limpeza estariam roubadas! É o óleo LCC que tem uma ação irritante, ele é cáustico, produz lesões e chega a retirar as digitais”, explica o médico Salim Amed Ali, autor de diferentes estudos sobre doenças ocupacionais para a Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), do Ministério do Trabalho e Emprego. A perda da identidade não é permanente. Com o tempo, as digitais voltam se a pessoa se afastar da atividade.

Sobrevivência - O médico fez pesquisas específicas sobre a saúde de trabalhadores de unidades industriais de processamento de castanhas de caju e diz que a atividade pode ser considerada insalubre. No caso em questão, em que a produção é totalmente artesanal e as famílias dependem do trabalho para sobreviver, ele destaca quão contraditória é a situação. “A subsistência está calcada em condições de trabalho inviáveis. Para viver, o sujeito precisa se submeter a condições inaceitáveis e as crianças acabam sacrificadas. Não dá para aceitar isso em pleno século 21”, afirma.

Um menino e uma adolescente se revezando ao redor da mesa. A garota é quem cuida do fogo, alimenta a lata improvisada com cascas de castanha e controla as labaredas espirrando água com uma garrafinha. A fumaça sobe e cobre seu rosto. Um cachorro dorme perto do fogo. Eles estão nessa atividade desde a madrugada, começaram às 3 horas. É preciso começar cedo, no sol do sertão nordestino, não dá para continuar com o calor de meio-dia.


O garoto tem 13 anos e, assim como a irmã, cursou até a quarta série do ensino fundamental mas tem dificuldades para ler e escrever. Largou a escola na quinta série porque teria de viajar uma hora de ônibus para ir até uma que atende alunos mais velhos, localizada na área urbana de João Câmara – trabalhar e estudar ao mesmo tempo já é difícil quando a escola é perto; quando não há escolas perto, impossível. Ele quebra as castanhas com agilidade, seus dedos fininhos seguram, selecionam e escapam das pancadas duras.

São poucas as palavras, ambos trabalham em silêncio e as respostas são curtas. Na mesa vizinha, os mais velhos reclamam da falta de água – a que a prefeitura tem entregue para abastecer as cisternas do bairro é salobra. “Dá dor de barriga e aí a gente tem de comprar água de garrafa, vê se pode”, conta uma mulher de 63 anos, que já passou fome e acha melhor que as crianças trabalhem com castanhas do que colhendo algodão ou roçando pasto para o gado, atividades que exerceu quando criança.


Em outra unidade de produção, uma família adapta o ritmo à existência de um recém-nascido. Uma adolescente, também de 15 anos, se reveza com o marido de 18 anos e sai, de tempos em tempos, para amamentar o bebê. “Eu lavo as mãos bem antes de pegá-lo, para não sujá-lo”, conta a mãe, antes de fazer uma pausa às 4 horas. O trabalho costuma ir até as 11 horas e, à tarde, todos trabalham tirando a pele fininha.

O emprego de crianças na quebra da castanha de caju está incluído na lista de piores formas de trabalho infantil, ao lado de atividades como beneficiamento do fumo, do sisal e da cana-de-açúcar. A situação a que estão submetidas as crianças de João Câmara (RN) não chega a ser novidade. A auditora fiscal do trabalho Marinalva Cardoso Dantas, coordenadora do Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho da Criança e de Proteção ao Adolescente Trabalhador, tem realizado sucessivas ações de fiscalização, denunciado a situação e cobrado soluções. “Não dá para aceitar que as crianças continuem nessa situação, mas não basta reprimir, é preciso oferecer alternativas”.

Além de identificar as crianças e reunir informações para relatório a ser entregue ao Conselho Tutelar da cidade, ela também tem procurado cobrar providências por parte da prefeitura sobre a situação das famílias. Os programas sociais são considerados insuficientes pelos moradores, que reclamam da atuação do poder público. “Sabemos do que está acontecendo, mas até agora não conseguimos avançar”, admite Maria Redivan Rodrigues, secretária de Assistência Social e primeira-dama de João Câmara, que promete solucionar o problema em um ano, até setembro de 2014. O Brasil se comprometeu a erradicar as piores formas de trabalho infantil até 2015, mas, mesmo com denúncias, situações com a de João Câmara persistem.


Em 24 de fevereiro de 2012, o promotor Roger de Melo Rodrigues, do Ministério Público Estadual, abriu o Inquérito Civil nº 06.2012.00003777-7 após denúncias. “Ele disse que ia processar as famílias, tentou proibir as pessoas de trabalhar, deixou todo mundo apavorado. Foi muito ruim”, diz Ivoneide Campos, presidente da Associação Comunitária do Amarelão. “A fumaça faz mal, a gente sabe, mas as famílias não querem mudar o método com que sempre trabalharam. E não adianta forçar, tem de transformar em querer, ajudar na busca de alternativas”, defende.

Procurado para comentar a reclamação, o promotor negou, em nota, que sua atuação tem sido meramente repressiva. Ele diz que “os problemas relacionados à queima de castanha, tais como impacto ambiental, danos à saúde dos moradores e trabalho infantil, não têm passado desapercebidos do Ministério Público Estadual” e que “em vez de buscar a repressão de delitos relacionados ao caso, esta Promotoria tem priorizado o diálogo com a respectiva comunidade, já havendo sido realizadas duas reuniões no local com todos os interessados e representantes de órgãos municipais, estaduais e federais, objetivando a construção de um consenso para solucionar o caso”.


O promotor reclama, porém, que embora “busque uma resposta adequada e legítima aos problemas, tem enfrentado alguma resistência relacionada ao costume já enraizado, da parte de algumas famílias locais, de proceder à queima de castanhas ao alvedrio dos respectivos danos decorrentes, o que não impedirá uma atuação isenta e efetiva para a resolução do caso”.

Potiguar - Entre as famílias que dependem do processamento de castanhas de caju para sobreviver estão as de um assentamento localizado na região de índios Potiguar, um dos poucos núcleos remanescentes dessa etnia que no passado povoou o estado inteiro. Os ganhos são mínimos. A castanha crua é comprada de pequenos produtores da região de Serra do Mel. Um saco de 50 kg rende, em média, 10 kg de castanha processada. As famílias contam que ganham de R$ 30 a R$ 100 por semana, vendendo a produção a intermediários que revendem em feiras e mercados de cidades.

“Tentamos identificar quem lucra com isso, mas é um sistema muito primitivo. As indústrias organizaram a produção e estão processando diretamente as castanhas, não identificamos nenhuma envolvida. Os intermediários são pequenos comerciantes que adquirem o produto diretamente com as famílias”, explica o auditor fiscal José Roberto Moreira da Silva.


Criatividade na busca por soluções para as famílias não falta. Nilson Caetano Bezerra, do Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho da Criança e de Proteção ao Adolescente Trabalhador Aprendiz, por exemplo, sonha em fazer parcerias com as empresas de produção de energia eólica, que fazem multiplicar o número de torres de geração na região, para empregar adolescentes como aprendizes. E em providenciar máquinas para que os adultos não tenham de manusear as castanhas torradas. Experiências com mecanização já aconteceram, mas o descasque manual ainda é o preferido porque a taxa de desperdício é menor.

Em fevereiro, o juiz Arnaldo José Duarte do Amaral, titular da 9ª Vara do Trabalho de João Pessoa, visitou a comunidade e também encontrou as crianças trabalhando na produção de castanhas. Ele escreveu um artigosobre a questão e, desde então, tenta articular soluções e envolver mais interessados em resolver o problema. “Quando estive lá como juiz, me perguntavam se ia prender alguém. Não é esse o papel do judiciário, o objetivo não é prender ninguém, é achar solução”, diz, defendendo a formação de cooperativas e mecanismos de economia solidária como o melhor caminho para erradicar o trabalho infantil e melhorar a condição de trabalho dos adultos. “A gente tenta corrigir essas questões há séculos, sem sucesso. Não bastam ações repressivas, que vão além de tentar punir.”

(Publicado no Blog do Sakamoto)
Artigo original do Comunica Tudo por M.A.D..



Coca-Cola se manifesta sobre suposta contaminação com rato

19 de Setembro de 2013, 11:58, por Desconhecido - 0sem comentários ainda


Marca usou as redes sociais para negar acusação de consumidor, que afirma ter encontrado possíveis restos do animal numa embalagem do refrigerante

São Paulo - A Coca-Cola divulgou um comunicado oficial em resposta a um consumidor que alega ter encontrado um suposto rato morto dentro de uma garrafa ainda lacrada do refrigerante. O caso de Wilson Batista Rezende foi registrado em dezembro de 2000 e noticiado há cerca de dez dias em reportagem na TV Record, e desde então tem desencadiado uma enxurrada de críticas à marca nas redes sociais.


O relojoeiro paulista afirma ter comprado um pacote com seis garrafas e, ao ingerir o conteúdo de uma delas, "sentiu os órgãos queimarem". Uma das embalagens continha, de acordo com as acusações de Rezende, uma cabeça inteira do animal.

A crise de imagem gerada pelo possível caso de contaminação levou a empresa a se manifestar, afirmando que todos os seus produtos obedecem a rígidos processos de fabricação. O comunicado nega a acusação do consumidor: “Nossos protocolos de controle de qualidade e higiene tornam impossível que um roedor entre em uma garrafa em nossas instalações fabris”, diz trecho.

Na reportagem, Wilson Rezende afirma ter ficado com sequelas após o incidente, incluindo dificuldades motoras e de fala. O consumidor entrou com um processo na Justiça para cobrar indenização da Coca-Cola.


Leia abaixo o comunicado na íntegra, postado na página do Facebook da marca, e que já acumula 10 mil compartilhamentos:

Sobre o caso de um consumidor registrado no ano de 2000 e recentemente veiculado na imprensa, a Coca-Cola Brasil esclarece que:
Todos os nossos produtos são seguros e os ingredientes utilizados são aprovados pelos órgãos regulatórios, em um histórico de 127 anos de compromisso e respeito com os consumidores.
Os nossos processos de fabricação e rígidos protocolos de controle de qualidade e higiene tornam impossível que um roedor entre em uma garrafa em nossas instalações fabris.
Lamentamos o estado de saúde do consumidor, mas reiteramos que o fato alegado não tem fundamento e é totalmente equivocada a associação entre o consumo do produto e o seu estado de saúde.
Para saber mais sobre a qualidade dos nossos produtos, utilize nossos canais oficiais de comunicação com o consumidor: 0800 0212121

Artigo original do Comunica Tudo por M.A.D..



Senado regulamenta direito de resposta na imprensa

19 de Setembro de 2013, 11:28, por Desconhecido - 0sem comentários ainda


Quem se sentir ofendido por publicações em veículos jornalísticos terá 60 dias para pedir retratação. Projeto, que segue para votação na Câmara, ainda estabece uma semana para a posição ser publicada

O Senado aprovou nesta quarta-feira (18) projeto de lei que regulamenta o direito de resposta nos veículos de comunicação. Quem se sentir ofendido ou prejudicado poderá exigir que a publicação se retrate no mesmo espaço e periodicidade da matéria veiculada. O texto, no entanto, não garante resposta a comentários de leitores feitos em sites. O texto será encaminhado para análise da Câmara.

De autoria do senador Roberto Requião (PMDB-PR), o projeto determina que, caso o veículo faça a retratação de forma espontânea, o direito de resposta não precisará ser concedido. No entanto, será possível ainda pedir reparação por danos morais. Mas o pedido de resposta só poderá ser feito em casos de erros ou informações inverídicas. As regras não valem para artigos de opinião, informações publicadas em redes sociais e comentários de leitores feitos em sites.

Para o relator da matéria, senador Pedro Taques (PDT-MT), mesmo que o veículo de comunicação faça uma retratação prévia, somente “o ofendido terá condição de responder, de forma plena e proporcional, ao agravo sofrido”. O senador negou que a proposta seja uma forma de censura e afirmou que é apenas a regulamentação de um dispositivo constitucional.

Segundo o texto, o ofendido terá o direito de divulgação de resposta proporcional à matéria ofensiva, com o mesmo destaque, publicidade e tamanho. Quem quiser se defender, terá 60 dias, a partir da divulgação da matéria, para pedir o direito de resposta. Caso esteja fora do país ou tenha morrido, um procurador ou parente poderá fazer o pedido de resposta. O veículo de comunicação terá, então, sete dias para publicar o texto.

Artigo original do Comunica Tudo por M.A.D..



A cada 2 dias, uma brasileira (pobre) morre por aborto inseguro

19 de Setembro de 2013, 8:48, por Desconhecido - 0sem comentários ainda


Um problema de saúde pública ligado à criminalização da interrupção da gravidez e à violação dos direitos da mulher

(Por Agência Pública)
Na mesa de madeira em frente a porta de uma sala de audiências no Fórum criminal de São Paulo, repousa uma lista com os processos a serem julgados naquela tarde. Em alguns minutos, será a vez de Marta* ser absolvida sumariamente ou ir a júri popular e pegar até 4 anos de prisão, como explica a defensora pública Juliana Belloque, que atua a seu favor. A primeira folha do processo diz que Marta “provocou aborto em si mesma” e isso basta para condená-la, já que a prática é crime previsto pelo artigo 124 do Código Penal. Mas, quem seguir lendo os autos, saberá que Marta tinha 37 anos, era mãe solteira de 3 filhos pequenos (com idades entre um e seis anos de idade), vinha de um histórico de abandono por parte dos pais das crianças (inclusive o da gravidez que interrompeu) e estava desempregada quando, em 2010, em um ato de desespero, comprou um remédio abortivo de uma prostituta por 250 reais, tirados de sua única fonte de sobrevivência – a pensão da filha. Descobrirá também que Marta é pobre, só completou o primeiro grau, e que morava com os filhos em um bairro afastado de São Paulo quando, três dias após introduzir o remédio na vagina (de forma incorreta, já que não tinha a quem pedir orientação), ainda não havia parado de sangrar e de sentir fortes dores, e por isso procurou o pronto atendimento de um hospital público de seu bairro. O leitor ficará surpreso ou aliviado, dependendo de suas convicções, ao saber que a médica que a recebeu, imediatamente fez a denúncia à Policia Militar, explicando que retirou uma “massa amorfa” de seu útero, “provavelmente” uma placenta resultante de um aborto mal sucedido.


“Não existe prova da gravidez, a única coisa é o depoimento desta médica dizendo que retirou uma quantidade grande de massa amorfa que ela avalia como placenta do útero dessa mulher, que chegou com um sangramento no hospital. Enquanto a mulher está hospitalizada essa médica chama a polícia militar e, enquanto ela está internada, a PM vai até a casa dela, sem mandato, e apreende um lençol sujo de sangue e um balde. Não tinha feto, medicamento, caixa, nada. Apenas um lençol sujo de sangue e um balde, em uma casa muito pobre. Com isso se instaura o inquérito policial. Quando ela é liberada, é levada até uma delegacia e existe uma confissão extrajudicial ao delegado. Essa mulher nunca é ouvida em juízo para confirmar ou não essa confissão” resume a defensora Juliana enquanto esperamos.


Marta aceitou assinar uma confissão para obter a suspensão condicional do processo – prevista para penas mínimas de até um ano, quando o réu é primário e não responde por outro processo criminal, e que suspende o caso por um período de 2 a 4 anos, desde que o acusado cumpra algumas condições como comparecer periodicamente em juízo para atualizar endereço, justificar ocupação lícita, prestar serviços à comunidade entre outras – mas ela deixou de cumprir essas condições e o processo seguiu o curso. Quando pergunto à defensora se ela acredita que a mulher possa ir realmente a júri popular, ela diz que nunca viu isso acontecer mas que não é impossível. E explica que pretende mostrar ao juiz que o processo é marcado por violações, como a falta de provas, já que não há feto, o testemunho extraoficial porque ela não chegou a ser ouvida em juízo, a denúncia feita por uma médica que quebrou o sigilo de sua relação com a paciente, as buscas sem mandato, a falta de uma perícia e de um exame de corpo e delito. “As mulheres costumam assinar a confissão porque chegam muito fragilizadas e querem se livrar daquilo o mais rápido possível. Os casos que chegam para nós são bem parecidos: mulheres pobres, sozinhas, com filhos, sem antecedentes criminais, que praticam o aborto inseguro em um momento de desespero e que são denunciadas pelos profissionais que as atendem nos hospitais públicos. Os companheiros não existem, nem aparecem seus nomes nestes processos” diz a defensora. Como Marta está desaparecida, a audiência aconteceria sem sua presença, mas foi adiada porque a médica, única testemunha de acusação, estava de férias. Marta ali é um número, um crime que será julgado em alguns meses. Mas também é uma em um milhão de mulheres que, apesar da lei, da religião e da sua opinão pessoal, buscam o aborto clandestino no Brasil todos os anos. Com sorte, fugiria da pior estatística: a de que a prática insegura mata uma mulher a cada dois dias no país e é a 5a causa de morte materna.


1 milhão de abortos clandestinos e 250 mil internações por complicações por ano

“A gente não classifica um problema como sendo de saúde pública se ele não tiver ao menos dois indicadores: primeiro não pode ser algo que aconteça de forma rara, tem de acontecer em quantidades que sirvam de alerta. E precisa causar impacto para a saúde da população. Nós temos esses dois critérios preenchidos na questão do aborto no Brasil mas essa é uma ótica nova” explica o ginecologista e obstetra representante do Grupo de Estudos do Aborto (GEA) Jefferson Drezett, que há mais de 10 anos coordena um serviço de abortamento legal no país. (Leia entrevista na íntegra aqui). “Só para contextualizar nós temos hoje, segundo a OMS, 20 milhões de abortos inseguros sendo praticados no mundo. Por aborto inseguro, a Organização entende a interrupção da gravidez praticada por um indivíduo sem prática, habilidade e conhecimentos necessários ou em ambiente sem condições de higiene. O aborto inseguro tem uma forte associação com a morte de mulheres – são quase 70 mil todos os anos. Acontece que estas 70 mil não estão democraticamente distribuídas pelo mundo; 95% dos abortos inseguros acontecem em países em desenvolvimento, a maioria com leis restritivas. Nos países onde o aborto não é crime como Holanda, Espanha e Alemanha, nós observamos uma taxa muito baixa de mortalidade e uma queda no número de interrupções, porque passa a existir uma política de planejamento reprodutivo efetiva”.


O Uruguai, que descriminalizou o aborto em outubro de 2012, também tem experimentado quedas vertiginosas tanto no número de mortes maternas quanto no número de abortos realizados. Segundo números apresentados pelo governo, entre dezembro de 2012 e maio de 2013, não foi registrada nenhuma morte materna por consequência de aborto e o número de interrupções de gravidez passou de 33 mil por ano para 4 mil. Isso porque, junto da descriminalização, o governo implementou políticas públicas de educação sexual e reprodutiva, planejamento familiar e uso de métodos anticoncepcionais, assim como serviços de atendimento integral de saúde sexual e reprodutiva.


Jefferson coloca ainda que atualmente no Brasil, acontecem cerca de um milhão de abortos provocados e 250 mil internações para tratamento de complicações pós abortamento por ano. “É o segundo procedimento mais comum da ginecologia em internações. Por isso eu digo: o aborto pode ser discutido sob outras óticas? Deve. Não existe consenso sobre este tema e nunca existirá porque há um feto. Mas não há como negar que temos aí um problema grave de saúde pública e que a lei proibitiva não tem impedido que as mulheres abortem mas tem se mostrado muito eficaz para matar essa mulheres”.


Mulher pobre tem risco multiplicado por mil no aborto inseguro

“O aborto não é um bem a ser alcançado. Nenhuma mulher acorda um dia e diz ‘vou engravidar daquele canalha que vai me abandonar, só para ter o prazer de provocar um aborto’. As mulheres buscam no aborto soluções para situações extremas. Mas é importante dizer que existe uma diferença entre aborto clandestino e inseguro. O aborto clandestino não é necessariamente inseguro. Ele pode ser feito em clínicas clandestinas porém com todas as condições de higiene, por médicos treinados, quando a mulher tem dinheiro para pagar. A diferença entre as chances de morrer em um aborto inseguro e apenas clandestino é de 1000 vezes. Então acaba se criando uma desigualdade social, uma perversidade porque uma mulher que tem um nível socioeconômico bom, as mulheres dos melhores bairros da cidade de SP, têm acesso a clínicas clandestinas, que não são legalizadas mas são seguras. Esse aborto pode custar mais de dois mil dólares. Enquanto um aborto inseguro pode custar 50 reais” diz o ginecologista. Apesar das diferenças de tratamento, a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), realizada em 2010 pela Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, mostra que, aos 40 anos, uma em cada cinco mulheres já fez ao menos um aborto. E que o perfil é o da mulher comum em idade reprodutiva. “Não existe surpresa nisso. São mulheres de diversas classes sociais e religiões se arriscando porque a clandestinidade oferece risco. As diferenças mais uma vez estão no fato de que quanto mais pobre essa mulher, mais riscos ela corre por causa dos métodos aos quais tem acesso” explica a autora da pesquisa Débora Diniz. Esta leitura se confirma também no relatório feito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro em parceria com a organização internacional IPAS “Mulheres incriminadas por aborto no RJ: diagnóstico a partir dos atores do sistema de justiça”, que pesquisou casos de criminalização de mulheres por aborto e entrevistou juízes, desembargadores, promotores e atores do judiciário em geral e concluiu que: “é muito mais comum que uma mulher seja incriminada por aborto quando ela utiliza um método abortivo ‘caseiro’ (remédios obtidos no mercado paralelo e outros métodos) do que quando ela recorre à clínica. Estes casos são justamente aqueles nos quais o procedimento dá errado (a mulher reage à medicação) e cai no sistema público de saúde; lá, um servidor público (em alguns casos o médico do posto, em outros um policial militar de plantão) a encaminha para a polícia. Este aspecto demonstra claramente o recorte sócio-econômico dessa modalidade de criminalização: a maior parte das mulheres que utiliza os serviços públicos de saúde é pobre, muitas das quais desempregadas ou com ocupações de baixa remuneração”. O relatório compara ainda duas sentenças dadas a mulheres diferentes: uma mulher de classe média, professora, mãe de dois filhos que foi presa após realizar aborto em clínica clandestina e teve a fiança arbitrada em 300 reais e outra mulher sozinha, que trabalhava com prostituta e mal sabia ler e escrever e teve a fiança arbitrada em 3 mil reais. “Em geral, o perfil da mulher se repetia: pobre, pouco instruída, moradora de periferia. Contudo, este não é necessariamente o perfil das mulheres que fazem aborto, mas sim o perfil das mulheres que são presas por terem feito aborto. Deste aspecto percebe-se uma grande diferença. O sistema captura apenas algumas mulheres, as que necessitam se submeter à saúde pública. Aquelas que encontram outras soluções privadas, não são atingidas. Um claro retrato do recorte socioeconômico”.


Quem dá o pão dá o castigo

Mariana* tinha 20 anos quando chegou ao pronto atendimento de um hospital particular de seu convênio médico em São Paulo com um aborto espontâneo e acabou sendo tratada como criminosa. “Estava com dois meses de gestação, acordei uma noite com muita cólica e sangramento e corri para o hospital. Apesar de não estar mais com o pai do bebê e da minha família ter me dado a opção de fazer o aborto em uma clínica, minha religião me fez desconsiderar essa hipótese” conta. “Assim que cheguei ao hospital, sozinha, e comuniquei à recepcionista o que estava acontecendo, senti a conversa mudar. Ela passou a me tratar com descaso e mesmo passando por uma hemorragia, tive de esperar muito mais tempo do que os outros para ser atendida”. Mariana lembra que assim que entrou no consultório, o médico perguntou se ela havia provocado o aborto e, diante da negativa, continuou perguntando seguidas vezes. “Antes da curetagem também perguntou muitas vezes se eu não havia mesmo usado nenhuma droga naqueles dias. Ele disse que eu estava com um aborto retido e que estava com uma grave infecção no útero. Fiquei vários dias internada no andar da maternidade e todas as vezes que saia no corredor, de cadeira de rodas, todas as mães, enfermeiras e atendentes me olhavam com ar de reprovação. Já estava triste por ter perdido o bebê e ainda tive de passar por isso mesmo sem ter provocado nada”.

Apesar de o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CREMESP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) terem se colocado várias vezes contra a denúncia da paciente que provoca o aborto por parte dos médicos e do próprio Ministério da Saúde determinar em norma técnica que “Toda mulher em processo de abortamento, inseguro ou espontâneo, terá direito a acolhimento e tratamento com dignidade no Sistema Único de Saúde (SUS)”, o que se vê nos hospitais públicos e de convênios é o que relata Mariana, ou pior. “Diminuiu o número de mulheres que procuram o SUS por complicações de aborto e não é porque o número de abortamentos diminuiu. É porque os profissionais recebem essa mulher com julgamento, xingamentos, deixam-na sangrando por horas antes de internar e muitas vezes fazem os procedimentos sem anestesia que é ‘para aprender” diz a socióloga integrante da Frente contra a criminalização das mulheres e pela legalização do aborto Dulce Xavier, que há muitos anos acompanha estes casos. “Nós não temos uma política de planejamento reprodutivo no Brasil, faltam preservativos nos postos de saúde, muitos serviços que estão nas mãos de organizações sociais religiosas (esta matéria do site Viomundo fala das relações entre as OSS e o SUS e do prejuízo que muitas causam aos cofres públicos) se negam a fazer laqueadura e distribuir pílulas do dia seguinte – tanto que a presidente precisou sancionar uma lei para garantir o direito às vítimas de violência, o que já deveria ser feito desde a década de 1980 e mesmo assim houve protestos – e quando essa mulher engravida sem querer e provoca um aborto em ato de desespero, é descriminada por atendentes, enfermeiras e médicos” lamenta. Drezett complementa: “Eu trabalhei mais de 22 anos como chefe de plantão do centro obstétrico do hospital Eleonora Mendes de Barros e sempre perguntava aos residentes qual era a conduta que eles deveriam ter se uma mulher chegasse dizendo que havia feito um aborto. Eles não tinham nenhuma informação sobre isso. Os médicos não sabem o que fazer. Muitos acham que tem o dever de comunicar a polícia. Não são todos, mas isso ainda existe. E tem os que fazem procedimentos sem anestesia que é para a mulher aprender a não abortar mais. Porque senão ela vai ficar grávida toda hora para vir fazer um aborto aqui. Esse raciocínio só não é risível porque é patético. Mas o que tem por trás de tudo isso? A falta de clareza de lidar com o aborto como questão de saúde pública”.

Aqui, não

Cansado de presenciar cenas como estas, o ginecologista e obstetra Oswaldo Queiroz começou, há 18 anos, um trabalho de humanização no atendimento pós aborto em parceria com a organização Ipas na Maternidade Escola Assis Chateubriand (MEAC) em Fortaleza. “Nós observamos que muitas vezes a mulher é inimiga da mulher. A paciente vinha sangrando mas quando a atendente, a auxiliar descobria que era aborto, ela mesma rejeitava essa coitada que ficava, 4, 6 horas esperando por atendimento. Em 18 anos trabalhando com isso, eu nunca conheci uma mulher que quisesse abortar. Elas abortam porque estão desesperadas, porque não sabem usar os métodos, não têm orientação, muitas vezes quando o companheiro sabe que a mulher engravidou, o ‘couro come’, ela apanha de verdade. Não tem uma que não chore quando tudo termina. Não é uma situação agradável para elas” diz. Desde então, meninas e mulheres que chegam na Maternidade Escola com abortos mal sucedidos são atendidas prontamente. “Ninguém pergunta se o aborto foi provocado ou natural. Nós simplesmente prestamos o atendimento através de uma equipe multidisciplinar que tem médico, enfermeira, psicóloga e assistente social, fazemos a curetagem, conversamos, marcamos uma revisão, exames, se elas quiserem podem voltar para atendimento psicológico e o mais importante é que essas mulheres e meninas saem daqui com o método contraceptivo ajustado, explicado, prescrito e com ele na mão” explica dr. Oswaldo em uma sala pequena do pronto atendimento em uma manhã tipicamente quente e agitada de seu plantão. Ele lembra que o Ipas começou esta parceria com outros hospitais do SUS, mas os serviços foram acabando por resistência dos próprios profissionais e gestores. A equipe de Oswaldo atende cerca de 100 mulheres por mês, entre abortos provocados, naturais e vítimas de violência sexual. A idade média das pacientes fica entre 16 a 24 anos. “Mulheres sem orientação, pobres, já com outros filhos, sozinhas, com companheiros que somem quando elas dizem que estão grávidas. Quantas pacientes chegam com infecções, precisam ser internadas, chegam com útero perfurado, ficam estéreis, tudo isso cai na cabeça do contribuinte. Isso poderia ser evitado se o Brasil tivesse uma política de planejamento reprodutivo que funcionasse. No meu entender em qualquer posto de saúde deveria ter anticoncepcional, DIU e camisinha, disponíveis. Mas não tem. Eu mesmo só faço esse trabalho porque vou pessoalmente pedir doações nos laboratórios. Mas você vê, eu preciso me aposentar e não faço porque sei que o serviço vai acabar, ninguém quer se envolver com isso” lamenta.

Dr. Oswaldo me sugere ir até o andar superior da maternidade onde algumas meninas se recuperam de curetagens feitas pela manhã e conversar diretamente com elas. Seguindo por um largo corredor verde, entro em uma enfermaria com seis camas, três de cada lado da parede, todas ocupadas, cinco delas por meninas com seus bebês. Na última está Beatriz*, 15 anos, uma das pacientes da equipe de dr. Oswaldo. Me aproximo com cuidado, falando baixo, intimidada pelos olhares reprovadores das meninas mães (que aparentam ter no máximo 16 anos cada) sobre ela. Beatriz também responde em um fio de voz, com uma leve sorriso para mostrar que está bem. Ela e o namorado, de 16, moram juntos na casa de sua mãe. Ele trabalha, ela tenta levar a escola adiante, o que é bem difícil já que tem que cuidar do filho de um ano de idade. Conta que engravidou sem querer, mesmo usando a pílula. Quando pergunto se provocou o aborto, responde que sim com um aceno de cabeça mas quando indago sobre o método utilizado, responde que caiu no banheiro e bateu as costas. Foi para o hospital sangrando. Passou pela curetagem e deveria voltar logo para casa, com orientação e método anticoncepcional.

A ginecologista Zenilda Vieira Bruno, que coordena um serviço de atendimento voltado especificamente a adolescentes da Maternidade, explica que 25% dos abortos provocados que chegam ao hospital são de adolescentes entre 15 e 19 anos. “As meninas geralmente vão sozinhas ou com as amigas. Nós oferecemos acompanhamento por um ano, cuidando da parte de saúde, planejamento reprodutivo e psicológico. Elas dizem que engravidaram de relações esporádicas, que não sabiam que teriam relação então não estavam tomando pílula ou não levaram camisinha. Os garotos nunca se encarregam dessa parte, isso é responsabilidade delas”. Zenilda conta que em uma pesquisa que realizaram com as adolescentes (os resultados detalhados podem ser lidos em seu artigo neste livro) constatou que em cinco anos, as meninas que provocaram o aborto e tornaram a engravidar (65%), tiveram o segundo filho. A pesquisa mostra também que as meninas que abortaram eram mais velhas do que as que levavam a gravidez a termo. “Elas diziam que o filho atrapalharia os estudos, o trabalho. As mais novas, de 14, 15 anos com menos escolaridade e perspectiva achavam natural ter o bebê naquela idade e condições como sua mãe fez. Diziam que já cuidavam dos irmãos pequenos então poderiam criar os seus bebês. A maioria das adolescentes usa os anticoncepcionais de maneira errada. Já ouvi meninas que tomavam uma cartela intercalando com a irmã, com o namorado ou só na hora de ter relações. Falta instrução, dar o método e explicar como usar. É muito fácil criminalizar mas não dar a contrapartida” diz.

A Pública tentou entrevistar representantes do Ministério da Saúde e da Secretaria de Políticas para Mulheres a respeito dos temas abordados nesta reportagem mas foi informada pelas assessorias de imprensa de que não havia agenda disponível.

Nem quando amparado pela lei

Segundo o artigo 128 do Código Penal, de 1940, o aborto é permitido em caso de violência sexual assim como em caso de risco de vida para a mãe e, em decisão posterior do Supremo Tribunal Federal, também nos casos de anencefalia fetal. Mas só em 1989 foi implantado o primeiro serviço para atender esses casos em São Paulo, que nos decorrentes de estupro inclui, além do apoio psicológo e da interrupção da gravidez, exames anti HIV e a contracepção de emergência. Segundo dados do Ministério da Saúde, o país possui 65 hospitais qualificados na rede pública para realizar a intervenção prevista em lei e realizou 1.626 interrupções gerais de gravidez em 2012.

Ainda assim, a resistência por parte de profissionais e da própria sociedade, fez necessária a criação de uma lei, com tudo que já era determinado por norma, sancionada pela presidente Dilma em agosto, sob fortes protestos dos religiosos do Senado. Além disso, dos serviços que se dizem em funcionamento, nem todos realmente atendem todos os procedimentos, como explica Drezett: “Foi feita uma pesquisa em 2006, com as secretarias municipais de saúde de cerca de 800 municípios sobre os serviços de atendimento à mulher vítima de violência. Quando se pergunta quantos tinham o atendimento, quase 90% dizem que sim. Então a pesquisa pergunta quantos destes serviços oferecem a concepção de emergência e e mais da metade disse que não. Aí vem a parte interessante: quando se pergunta sobre o abortamento legal, 30% de cara já diz que não faz. 6% se recusa a falar sobre o assunto. Dos que fazem, apenas 1,9% tinham feito um aborto nos últimos dois anos. Quer dizer: é bonito dizer que tem, mas prometer que eu vou cuidar de você e te abandonar no momento em que você mais precisa de mim e está totalmente vulnerável é muito cruel” lamenta.

Dulce Xavier lembra ainda que “quando o serviço foi instalado em São Paulo em 1989 no Jabaquara, a equipe tinha a casa apedrejada, recebia telefonemas ameaçadores, médicos eram perseguidos por serem ‘aborteiros’. Houve no Ministério da Saúde um movimento para esclarecer, mas quem atende tem receio de entrar nisso”, ela diz.
Diante desta situação, alguns hospitais referência como o Pérola Byington em São Paulo, têm sua demanda aumentada por casos que chegam de todo o Brasil, como explica a psicóloga Daniela Pedroso: “Nós atendemos uma média de duas mulheres por semana, vítimas de violência sexual. Chegam mulheres e meninas de outras cidades e até outros estados”. Ela conta que desde a criação do serviço já foram feitos cerca de 1300 procedimentos e que a idade média das vítimas é de 20 a 24 anos. “mas também chegam adolescentes e até crianças. A menina mais nova que atendemos tinha 10 anos de idade”. Os casos de anencefalia, após uma dura batalha no judiciário que resultou na descriminalização por decisão do STF (Veja aqui o documentário de Eliane Brum que conta a trajetória de uma mulher grávida de um bebê anencéfalo) hoje já são encarados com menor resistência por parte dos profissionais da saúde, mas ainda há casos de anomalias fetais graves que precisam de decisão judicial, que às vezes não saem, como explica a advogada Juliana Belloque. “O caso que foi levado para o Supremo era de um anencéfalo então foi concedido para anencefalia. Mas é evidente que se há inviabilidade de vida extrauterina não é crime. O exemplo era de um anencéfalo mas os médicos entendem isso restritivamente, existe um temor da classe médica de sofrer processos por essa conduta, então eles têm uma tendência a se resguardar. Quando é anencéfalo o médico faz. Qualquer outro tipo de inviabilidade a mulher precisa de um alvará judicial e a defensoria atende toda semana essas mulheres buscando alvarás. Aqui na capital a maioria dos juízes concede, mas ainda existem os mais conservadores ou religiosos que vão contra”.
Estatuto do Nascituro expressa retrocesso
No dia 1o de agosto, a presidente Dilma Rousseff sancionou, sem vetos, a lei que obriga os hospitais a prestarem atendimento integral e multidisciplinar às vítimas de violência sexual, embora essa permissão já constasse do Código Penal desde 1940. Houve protestos por parte dos deputados da bancada religiosa, que se apressaram em apresentar vários projetos para derrubar a nova lei, focando principalmente na distribuição da pílula do dia seguinte que, contra todas as evidências médicas e científicas, é por eles considerado“uma espécie de aborto”.O relatório preliminar da reforma do Código Penal, que segue lentamente, retira o aumento de permissivos para o aborto e mantém apenas o que já era garantido por lei – apesar do Conselho Federal de Medicina ter se pronunciado a favor da autonomia de decisão pela mulher até a 12a semana de gravidez. Após a derrota na Câmara, em 2008, o PL 1.135/91, que tentou descriminalizar o aborto, a maioria dos projetos que tramitam hoje no Senado e na Câmara visa a aumentar as penas para o aborto clandestino e restringir ainda mais o abortamento legal – como o PLS 287/2012 de autoria da senadora Maria do Carmo Alves (DEM/SE), que pede que o aborto em caso de anencefalia volte a ser crime. No mesmo sentido, o projeto que ganhou mais destaque é o Estatuto do Nascituro (Projeto de Lei 478/2007), que tem sido rechaçado por médicos e militantes dos direitos humanos – e provocado protestos em todo o país – por tentar estabelecer que o nascituro “é ser humano concebido mas ainda não nascido”, prevendo o pagamento de um salário mínimo aos filhos de estupro e o direito de ter o nome do “pai” na certidão de nascimento.Durante a campanha para a presidência em 2010, diante de uma ameaça de boicote por parte das igrejas evangélicas e católicas, Dilma teria se comprometido a não apresentar nenhum projeto para a descriminalização do aborto. Com as bancadas religiosas e autodenominadas “pró-vida” a repressão tende a aumentar, explica Dulce Xavier: “Nós retrocedemos muito nesta questão nos últimos anos. Se em 2008 nós discutíamos a descriminalização destas mulheres, em 2013 estamos tomando as ruas para pedir que não se aprove uma lei absurda como é o Estatuto do Nascituro, e tudo por pura pressão religiosa sobre um estado laico”. Drezett vai além: “O Estatuto do Nascituro trata a mulher como um detalhe. Deveria substituir a palavra ‘mulher’ por ‘receptáculo de esperma humano’. Se for aprovado, o Brasil será o país mais atrasado, conservador e limitado no mundo em direitos reprodutivos. A pergunta não deveria ser ‘quem é contra o aborto’ mas se a mulher que provoca o aborto nestas condições de total abandono social deveria ser presa. Ninguém é a favor do aborto. Eu não sou e tenho certeza que nenhuma destas mulheres é. Acontece que faltam contrapartidas e as minhas convicções morais e religiosas sobre a concepção da vida são diferentes das suas e sobre isso nunca haverá consenso. Enquanto isso, a lei pode te fazer dormir tranquilo com sua moral mas nem a minha, nem a sua opinião e nem mesmo a própria lei têm impedido um milhão de mulheres de colocar suas vidas em risco todos os anos”.
Artigo original do Comunica Tudo por M.A.D..



Trânsito caótico e poluição matam milhões por ano nas grandes cidades

17 de Setembro de 2013, 10:02, por Desconhecido - 0sem comentários ainda


A vida nas grandes cidades lentamente transforma pessoas saudáveis em doentes crônicos. Um dos maiores vilões da saúde nas metrópoles mundiais é a poluição, gerada em grande parte pela frota de veículos exagerada e pelo transporte público deficiente. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), todos os anos, cerca de 6 milhões de pessoas no mundo perdem suas vidas por causa da poluição do ar.

A entidade estuda os efeitos da falta de mobilidade urbana sobre a saúde há pelo menos 15 anos. Neste período, constatou que outras milhares de pessoas desenvolvem doenças crônicas degenerativas causadas pelo estilo de vida nas metrópoles: elas matam em longo prazo ou debilitam a saúde, deixando uma multidão de indivíduos produtivos incapazes de desenvolverem suas atividades.
Até 2050, a poluição do ar será a principal causa das mortes prematuras por câncer de pulmão em nível global. Esta é a afirmação de uma equipe de especialistas da Universidade de São Paulo (USP) em recente artigo publicado pela revista Nature. Países em desenvolvimento são apontados como os mais vulneráveis a este mal.
“Cidades da China, Índia, Indonésia e Brasil possuem níveis de poluição muito altos, mas há outras que não medem e não informam a poluição do ar, que pode ser maior. O fato de estarem se comparando é sinal de que querem melhorar”, afirma Carlos Dora, coordenador do departamento de saúde pública e meio ambiente da OMS.
“Vários estudos mostram que os corredores de trânsito são as chaminés das cidades modernas”, afirma Paulo Saldiva, patologista e professor da USP. Segundo ele, entre 70% e 90% dos poluentes do ar são produzidos pelos veículos. “A poluição ambiental é de duas a três vezes maior na cidade. Você fica muito tempo imerso no pior cenário”, analisa.
O pesquisador é categórico ao confirmar a relação entre o tráfego urbano e o adoecimento da população. Segundo ele, apesar de nas grandes cidades a expectativa de vida ser maior do que em áreas rurais, onde há menor acesso a tratamentos de saúde, nos centros maiores o índice de doenças crônicas degenerativas e enfermidades psíquicas é muito superior.
Como a falta de mobilidade afeta a saúde
Em todo o mundo, 8% dos casos fatais de câncer de pulmão estão relacionados à poluição do ar. O efeito cumulativo da inalação contínua de nanopartículas e gases tóxicos como chumbo e cádmio podem causar outra série de problemas de saúde, que vão desde o aparecimento ou agravamento de doenças respiratórias, até problemas cardíacos, aumento da pressão arterial, diminuição da produção de lágrima, maior coagulação sanguínea, depressão, esquizofrenia e problemas reprodutivos.
“A poluição do ar gera em pequena escala os mesmos efeitos que o cigarro causa de forma mais individual e rápida. Em São Paulo, 15% das pessoas fumam, mas a poluição do ar afeta 100% da população, por isso, o risco atribuído da poluição é significativa”, indica Saldiva. Só na região metropolitana paulista, cerca de 4 mil pessoas morrem todos os anos por problemas atribuídos à poluição do ar.
O tráfego urbano também geram outros problemas já comprovados por estudos científicos. Em muitos lugares, é difícil dormir por causa do barulho e, mesmo quando os moradores pegam no sono, ele é de má qualidade. Isso afeta o sistema nervoso, a produção hormonal, além de gerar dificuldade de concentração e perda de memória.
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 Isolamento e depressão
Em cidades como São Paulo, as pessoas gastam quase um quarto do dia para se deslocar de casa para o trabalho. Situação que gera isolamento social e compromete o desenvolvimento. “Por causa da má qualidade do transporte público, as pessoas buscam os carros. A população está cada vez mais confinada, seja em casa ou no modelo particular de locomoção”, alerta Marília Flores Seixas de Oliveira, doutora em desenvolvimento sustentável e professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Uesb.
Para a pesquisadora, a falta de convivência da comunidade no espaço urbano deixa a pessoa suscetível ao desenvolvimento de problemas como depressão e ansiedade, causados pela ausência de sociabilidade. “Hoje, a depressão pode levar à morte. As doenças não violentas estão matando muito”, comenta Olveira. “Se você tem mais de 60 anos, uma das coisas que mais impactam na expectativa de vida é a falta de atividade social”, reforça Saldiva.
Contexto que também gera o sedentarismo. Cada vez mais as pessoas vivem em escritórios e dentro de veículos. A falta de locais para se exercitar e a insegurança acabam servindo como justificativas para não praticar exercícios físicos, o que acarreta em inúmeras doenças potencializadas pelo stress mental e a poluição.
Carlos Dora garante que este cenário pode ser mudado se os gestores públicos pensarem as cidades relacionando a mobilidade urbana com a saúde pública. “Uma estratégia para aumentar a média de exercício na população é aumentar a mobilidade. Fazer com que ela seja integrada à rotina diária”, garante. Conforme a OMS, o exercício físico reduz em 50% o risco de desenvolver câncer de cólon, doenças coronarianas, diabetes e obesidade.
Quando as cidades oferecem um sistema de transporte público adequado e espaços para caminhadas de pequenas distâncias, as pessoas são incentivadas a se movimentarem mais. “Uma grande parte dos deslocamentos é feita em curtas distâncias e quando se faz isso com o automóvel o problema da poluição é agravado, pois o pico de emissões poluentes ocorre quando o veículo é ligado”.
Cidades europeias já conseguiram fazer isso, afirma Dora. Estes países primam pela aproximação do uso do solo, diferente do que ocorre em locais como Estados Unidos e Austrália, onde a dispersão do espaço urbano exige o uso de veículos automotores. “Nos últimos dez anos, vimos o início de um movimento que privilegia a bicicleta, o pedestre e o transporte público. Você faz das ruas algo prazeroso. Na década de 1990, era dificilíssimo falar na Europa em uso da bicicleta, mas isso mudou. Hoje, isso é sinônimo de cidade com boa qualidade de vida”, conclui o representante da OMS.
Texto publicado originalmente no site DW
Artigo original do Comunica Tudo por M.A.D..