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12 de Abril de 2017, 18:17marcelodamico posted a photo:
Guerra na Síria: os perigos da multinacionalização das comunicações
12 de Abril de 2017, 8:52Nos últimos dias, a guerra civil na Síria tem ocupado grande parte dos noticiários no mundo todo. Aqueles que, como nós, não vivenciaram os acontecimentos diretamente, tomaram conhecimento deles a partir do recorte e da construção midiática dos fatos. Como ocorre sempre que há um desastre, uma guerra ou uma catástrofe, gerou manifestações de solidariedade e de revolta, principalmente nas redes sociais. Parte desses sentimentos vieram do conhecimento que temos sobre a Síria, uma bagagem construída quase que exclusivamente a partir daquilo que as agências internacionais de notícias consideram relevante, visto que 70% do material internacional publicado pelos jornais e noticiários de TV no Brasil é oriundo de grandes agências como Associated Press (AP), Associated France Presse (AFP) e Reuters. Entretanto, não se trata aqui de medir sentimentos, mas de compreender como as agências internacionais de notícias têm construído nossa visão de mundo e os perigos que a dependência desse tipo de informação pode configurar para o campo das comunicações.
Quando elas surgiram, há mais de 150 anos, passaram a configurar como veículo principal de disseminação da informação econômica em escala mundial. Hoje, ocupando o topo da lista das forças motrizes dos meios de comunicação, elas produzem e fornecem um volume inigualável de conteúdo, muito além de informações exclusivas do campo econômico. Combinado o extensivo trabalho de apuração e a ampla rede de fontes jornalísticas que têm a oferecer, a necessidade dos veículos de comunicação por conteúdos oriundos de agências noticiosas é compreensível. Compreensível também é a irrelevância de se debater os prós e contras da pauta gerada por elas, ou a validade de sua existência quando a globalização das notícias pode configurar algo bem mais crucial para a sociedade.
A importância das agências internacionais de notícias se deve à evolução que tiveram nos quase dois séculos de existência. Pode-se dizer que elas evoluíram de serem uma praticidade e conveniência para se tornarem uma necessidade absoluta. O trabalho desses “fornecedores de notícias por atacado” (Phil MacGregor, 2013) permeia desde mídia impressa até a online, indo da televisão até as versões para tablet ou smartphone. O fluxo contínuo de informações coletadas, redigidas e disseminadas por agências noticiosas é fundamental para o giro de conteúdo da maioria dos veículos. Ao voltar-se para qualquer boletim de notícias, em qualquer mídia, você provavelmente irá encontrar uma notícia originária de uma das maiores agências internacionais. Quanto mais perigosa a cena da notícia, seja zonas de guerra ou catástrofes, maior é a probabilidade de ser oriunda de agência.
Toda essa confiança mediática é atribuída à ética da notícia de objetividade e de neutralidade, conceitos que as agências internacionais de notícias advogam como cicatrizes de seu modelo de produção. E vão além. Para elas, sinais de partidarismo e preconceito também são excluídos (Phil MacGregor, 2013). Chris Paterson (2006), ao mesmo tempo que tenta justificar essas qualidades que as agências relatam, também faz um alerta. “Porque as agências de notícias devem agradar a todos os editores de notícias, em toda parte, eles devem trabalhar mais do que seus jornalistas clientes para criar a aparência de objetividade e neutralidade”. Essa maquiagem dos conceitos para torná-los aparentemente suficientes encontra em Pierre Bourdieu (1984), por exemplo, uma crítica acadêmica. Para ele a objetividade leva a uma notícia branda e chata, que não tem missão nem propósito para nunca ofender. E é essa a visão de mundo que as agências internacionais de notícias tem nos passado. No caso da guerra civil na Síria, uma visão muito superficial se considerada a complexidade que envolve os interesses internos e externos que envolvem aquele país.
Multinacionalização
A forma como estão estruturadas as grandes agências internacionais de notícias reflete os perigos da dependência absoluta por conteúdos desta origem. Como descreve Bernardo Kucinski (2007), cada grande agência forma um sistema industrial avançado que recobre e reproduz no campo das comunicações a multinacionalização e a concentração de capital características da expansão das multinacionais.
A partir desta conjuntura é preciso considerar que são elas que reproduzem a relação assimétrica centro-periferia e disseminam padrões de pensamento, valores culturais e codificações ou formas de representação da realidade. As agências estabelecem, ainda, o padrão e a estrutura de linguagem da notícias, tanto que passa a ser notícia apenas aquilo que é disseminado por esses canais, tornando os pequenos e médios veículos de comunicação apenas repetidores do noticiário das agências.
Por estarem intimamente ligadas a países centrais, as agências não conseguem equilibrar a cobertura dos problemas econômicos do Terceiro Mundo, em comparação ao dos países dominantes. Assim, disseminam uma linguagem que fortalece projetos econômicos do centro, como o neoliberalismo, por exemplo.
Na versão em inglês da obra Mecanismo de Intercâmbio de Notícias Internacionais e Regionais, Oliver Boyd-Barrett (1992) alerta que mesmo que as agências possam vir a assegurar o ideal liberal ocidental de troca de informações “plena e livre”, em todo o mundo, esse resultado pode ser obtido ao preço de uma homogeneização de notícias, tão perigoso e indesejável quanto a multinacionalização da comunicação. Basta olharmos para a seção de internacional de qualquer veículo de comunicação para entendermos o caráter unificado da cobertura da maioria dos veículos, como se tivessem sido orientados por uma única pauta e redigidos pelo mesmo editor (KUCINSKI, 2007).
Alternativa
Na tentativa de amenizar esta tendência, Phil MacGregor (2013) aponta uma saída: fornecer meios nacionais mais fortes ou agências mais regionalmente baseadas, além de ONG’s e agências lotadas em países periféricos. No Brasil podemos levantar uma série de exemplos nestes formatos.
Agência de Notícias das Favelas é um exemplo interessante fora dos grandes fluxos de informações do capital por estar lotada em uma favela e por tratar de temas voltados para as periferias. É por isso que a trago como exemplo. Ela foi fundada em 2001 no Rio de Janeiro por André Fernandes, que percebeu que havia uma demanda da grande imprensa por informações originadas na favelas – numa época em que o controle territorial dessas comunidades pelo tráfico impedia repórteres de entrarem lá por conta própria. Hoje a ANF conta com 300 colaboradores e alimenta não só veículos da mídia alternativa, como o Portal Vermelho, a TVT, o Geledés, a revista Forum o jornal A Nova Democracia, mas também da mídia comercial e local, como o portal SRZD, além de blogs e mídias sociais. Também é reproduzida pela mídia comunitária e por entidades da sociedade civil, como a Cooperativa Desacato (SC) e a Rede Mobilizadores e produz o jornal mensal A Voz da Favela, com tiragem de 50 mil exemplares.
Para Oliver Boyd-Barrett (2010), o quadro pessimista do monopólio de notícias tem como sombra principal agências como a chinesa Xinhua ou, ainda, o poder da mídia indiana, tida como uma nova e dominante influência na provisão de notícias nas próximas décadas, rivalizando com a China.
Contudo, a análise que pode ser feita é a de que isso reduziria a influência e a homogeneização das agências tradicionais e, em contrapartida, reduziria também o impacto das notícias ocidentais sobre as audiências orientais. Ou seja, só os produtos de mídia de países emergentes podem desafiar a posição de agências internacionais, mesmo o equilíbrio de vantagem estando longe da realidade.
Entretanto, no Brasil, não há qualquer sinal de que as agências internacionais de notícias possam deixar o topo do monopólio da informação. Na contramão de uma possibilidade de não dependência de agências noticiosas tradicionais, o Jornal do Brasil, um dos veículos mais importantes da imprensa do país, voltará a ter edição impressa a partir de maio deste ano – em 2010, depois de 119 anos circulando em papel, o JB deixou passou a ter apenas versão digital – alimentado por agências de notícias em suas seções de Internacional, Esporte e Política.
A expectativa que fica é a de que agências alternativas possam configurar entre o leque de agências que serão usadas pelo novo JB.
(Via Siliana Dalla Costa, Mestranda no POSJOR/UFSC)
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Referências
BOYD-BARRETT, O. & THUSSU, D. Contra-Flow in Global News: International and Regional News Exchange Mechanisms. London: J. Libbey, 1992.
BOYD-BARRETT, O. Assessing the prospects for an Asian reconfiguration of the global news order. Global Media and Communication, Vol. 6 (3) pp. 364-365, 2010.
BOURDIEU, P. Distinction, a Social Critique of the Judgment of Taste. London, Routledge, 1984.
KUCINSKI, B. Jornalismo Econômico. São Paulo, Edusp, 3 ed., 2007.
MacGREGOR, P. International News Agencies: Global eyes that never blink. In: FOWLER-WATT, K. and ALLAN, S. (orgs). Journalism: New Challenges. Centre for Journalism & Communication Research Bournemouth University, 2013.
PATERSON, C. News Agency: Dominance in International News in the Internet. Centre for International Communications Research, papers in international and global communication, 2006. Disponível aqui.
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Artigo original do Comunica Tudo por M.A.D..
Citações da Odebrecht contra FHC, Lula e Dilma vão para primeira instância
12 de Abril de 2017, 8:43O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin determinou que as citações de ex-executivos da Odebrecht aos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff sejam enviadas para a primeira instância da Justiça. O pedido foi feito pela Procuradoria-Geral da República (PGR) pelo fato de os acusados não terem mais foro privilegiado no STF.
De acordo com delação premiada de Emílio Odebrecht, um dos proprietários da empreiteira, a empresa teria feito o pagamento de “vantagens indevidas e não contabilizadas” para as campanhas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 1993 e 1997. Com a decisão do STF, FHC deverá responder às acusações na Justiça Federal em São Paulo.
As acusações contra o ex-presidente Lula foram enviadas para a Justiça Federal no Paraná. Nos depoimentos, os colaboradores ligados à Odebrecht citaram supostas tratativas com Lula para viabilizar politicamente a edição de uma medida provisória para evitar a intervenção do Ministério Público nos acordos de leniência assinados com empresas na Lava Jato.
Um pedido de influência de Lula para que a Odebrecht conseguisse fechar negócios com o governo angolano e reformas em um sítio em Atibaia (SP), além do pagamento de palestras em troca de favorecimento da empresa também constam nos depoimentos.
No caso da ex-presidenta Dilma, foram citados supostos pagamentos de caixa dois para a campanha eleitoral. As acusações foram enviadas para a Justiça Federal em São Paulo.
O presidente Fernando Henrique Cardoso disse que só vai se manifestar após ter acesso à decisão do ministro. Por meio de sua assessoria, Lula disse que as acusações dos delatores são falsas e que sempre agiu dentro da lei. Os advogados da campanha de Dilma sustentam que todas as doações foram registradas e aprovadas pela Justiça Eleitoral.
(Via Agência Brasil)
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“Aulas no século XXI são um escândalo. Com aulas ninguém aprende”
12 de Abril de 2017, 8:22Uma escola sem divisão por ciclos de ensino, sem turmas, sem aulas, nem testes. Uma escola onde os alunos aprendem e onde são felizes. É esta a escola que o professor José Pacheco defende.
José Pacheco tem 64 anos e é mestre em Educação da Criança, pela Universidade do Porto. Chegou a fazer parte do Conselho Nacional de Educação e ganhou prémios pelo projeto que coordenou na Escola da Ponte. Há 10 anos decidiu mudar-se e rumou ao Brasil, onde é responsável por mais de 100 projetos para um novo modelo de ensino. No ano em que a Escola da Ponte faz 40 anos, o Observador pôs-se à conversa com o seu principal fundador.
Crítico do modelo tradicional de ensino, que afirma ser do século XIX, o professor defende a aprendizagem numa escola sem aulas, nem turmas, nem ciclos. Uma mudança radical na forma como vemos a escola pública? Sim. Mas possível de implementar, e com sucesso, garante.
Porque é que há 40 anos sentiu necessidade de mudar a forma como dava aulas? O que o levou a iniciar o projeto “Fazer a Ponte”?
Porque me vi incompetente e antiético. Incompetente porque não conseguia ensinar todas as crianças e muitas reprovavam, e antiético porque reconhecia que não ensinava todos e continuava a trabalhar do mesmo modo. E quando encontrei duas professoras que faziam a mesma pergunta que eu — “Porque é que damos a aula tão bem dada e há alunos que não aprendem?” — descobrimos a resposta: se nós dávamos as aulas e eles não aprendiam, eles não aprendiam porque nós dávamos a aula. É isso mesmo. Para nós foi perder o chão. Nós só sabíamos dar aula. Por isso não fui eu que fiz a Ponte, foi muita gente. Talvez eu fosse um despoletador do projeto. E o que fizemos foi algo intuitivo e amoroso: continuámos a dar aulas, porque criança não é cobaia, mas simultaneamente introduzimos nas nossas práticas, em equipa, algumas metodologias, técnicas, espaços de convivência, que foram dando forma a um novo projeto.
Um projeto mais baseado na autonomia?
Na autonomia, na responsabilidade e na solidariedade, que foram os três valores matriciais do projeto. As escolas são as pessoas e as pessoas são os seus valores. A escola não são edifícios, são projetos que partem de valores e de princípios e nós fomos indo ao encontro de uma concretização desses valores.
E as mudanças começaram logo a apresentar resultados?
Houve uma melhoria cognitiva, mas nós fomos além. Nós fizemos pela primeira vez aquilo que hoje se chama de educação integral. Compreendemos que teríamos de mexer não só no nível cognitivo, mas também no domínio atitudinal, sócio moral, ético, estético, emocional, espiritual.
Mas a forma de ensinar mudou repentinamente?
Não. De início dávamos aula durante a maior parte do tempo, porque era aquilo que nos tinham ensinado a fazer, mas fomos introduzindo alterações. Passámos de uma cultura de solidão para uma cultura de equipa, de corresponsabilização. Essa reelaboração da nossa cultura pessoal e profissional custou tempo e sofrimento. Decidimos habitar um mesmo espaço, derrubar paredes, juntar alunos. Compreendemos que sozinhos não poderíamos ensinar tudo a todos. Mas se estivéssemos em equipa, com um projeto, e autonomizássemos o ato de aprender, poderíamos responder efetivamente às necessidades de cada jovem. Ao fim de oito anos estava já a escola toda com um modelo diferente. E nós descobrimos uma coisa fundamental, que é que um professor não ensina aquilo que diz, ele transmite aquilo que é. Um professor tem que ser um tutor e um mediador de aprendizagens. E a aprendizagem acontece quando há um vínculo afetivo entre quem supostamente ensina e quem supostamente aprende.
40 anos depois, como está a Ponte? E como está o ensino em Portugal?
Tenho estado ausente e sinceramente posso estar muito desfasado da realidade portuguesa, mas tenho os meus netos e o meu filho que é professor e vou tendo retorno. Tenho tido algumas informações que me levam a crer que todas as engenharias curriculares feitas até hoje, pouco ou nada fizeram mudar a escola. Todos já perceberam que o modo como trabalham não ensina todos e que isso contraria aquilo que é o direito à educação e que é um dever do Estado. As escolas têm excelentes professores, mas a trabalhar do modo errado. Não faz sentido alunos do século XXI terem professores do século XX, com propostas teóricas do século XIX, da Revolução Industrial. A grande questão é que as escolas têm sido geridas por burocratas e não por pedagogos e as políticas públicas têm sido desastrosas: mais exames, mais alunos por turma.
Quer dizer que não concorda com os exames.
Mais exames não vão melhorar o sistema porque não é a preocupação com o termómetro que faz baixar a temperatura. Mais exames para quê? Os exames não avaliam nada. O teste é o instrumento de avaliação mais falível que existe. Conceber itens de teste, garantir fidelidade e tudo mais é um exercício extremamente rigoroso, assim como assegurar que as condições são as mesmas para todos quando se aplica o teste. E corrigir o teste também introduz uma subjetividade enorme. Além disso, esses instrumentos de avaliação apenas “provam” a capacidade de acumulação cognitiva, de armazenamento de informação em memória de curto prazo, para debitar no exame e esquecer.
Então como se deve avaliar as aprendizagens dos alunos?
Através de uma avaliação formativa contínua e sistemática, que é o que não se faz nas escolas. Nas escolas aplica-se teste e dá-se uma nota sem saber o que se faz. Há quem confunda avaliação com classificação e dê a nota a partir dos resultados dos testes. Eu sei que se alega considerar uma percentagem da nota dada a partir da avaliação de atitudes. Porém, não se apresenta os instrumentos de avaliação, que permitam medir atitudes como a autonomia, a criatividade. Diria que essa avaliação é feita a ‘olhómetro’.
E era de esperar que o ensino público português, passados estes 40 anos, mantivesse um modelo tradicional de aulas?
Eu acredito nos professores, na escola, mas não com as medidas político-educativas que são tomadas. Injeta-se na escola cada vez mais objetivos por pressão corporativa. Injeta-se nas escolas áreas que não faz sentido algum. Por exemplo, criar uma aula de área de projeto? Projeto é o projeto da escola, é o projeto educativo. Educação para a cidadania? Nós não ensinamos para a cidadania, nós educamos na cidadania. Cidadania não é uma hora por semana, é todo o tempo de escola. Andamos a brincar com coisas sérias. Está tudo errado.
E porque ninguém muda? A mudança não passa também pelos professores?
Os professores têm uma cultura em tudo contrária à mudança. Eles são ótimas pessoas, maravilhosas. Repare, professor é a única profissão em que o estágio é feito antes de tirar o curso. Fazem 12 anos a ouvir aulas, entram na faculdade e ouvem aulas, e vão dar aulas. Podem até ouvir falar dos Piagets da vida, mas os estágios são feitos em escolas tradicionais, onde estão excelentes professores tradicionais que trabalham no paradigma do século XIX ou XVIII. Este modelo de escola, desde o século XIX, que subdivide a escola em ciclos, em anos, em turmas, em horário padrão, isso é cartesianismo. Aulas? Aulas no século XXI são um escândalo! Em aulas ninguém aprende! Eu aceito quem conteste o que eu digo, mas ninguém contesta porque é uma verdade.
Mas é possível alunos de idades diferentes, todos juntos, aprenderem, na mesma sala, o que é suposto para a sua idade?
Porque não? Ninguém aprende com quem sabe a mesma coisa, ninguém aprende com quem tem a mesma idade. Eu falo daquilo que eu faço [no Brasil] e que tem excelentes resultados. Estou a falar de projetos que produzem excelência académica e inclusão social e onde não há organização por idades. Onde as escolas não têm casa de banho do aluno separada de casa de banho do professor, onde os auxiliares de ação educativa ensinam a limpar aqueles que sujam, onde a educação acontece. Onde não há aulas, nem turmas, nem anos, que são dispositivos sem sentido nenhum, sem fundamentação científica. Concebeu-se uma nova construção social de aprendizagem onde todos aprendem e são felizes. Isso é possível. Eu provo isso em mais de 100 projetos no Brasil e mais meia dúzia em Portugal.
E como vê a figura do chumbo?
A reprovação é a prova de que realmente a escola não funciona como deveria. Muitas vezes se diz que os professores são exigentes quando reprovam. A pergunta que eu faço é: se a escola melhor é a que mais alunos reprova, o melhor hospital é o que mais doentes mata? Quando as pessoas nem sequer refletem sobre isso… Quanto às classes de apoio, planos de recuperação, isso é tudo um enfeite que não resulta, porque aquilo que não se ensina em oito meses, não é em um mês de plano com mais do mesmo que se vai ensinar. Não é com mais horas de aula que se vai ensinar mais, é com outro tipo de aprendizagem.
Mas se o aluno não conseguir atingir as metas de aprendizagem… como se faz?
Compreendo a insistência. Nas escolas que, infelizmente, ainda vamos tendo, há alunos que não conseguem atingir metas. E é preciso acrescentar aulas de recuperação, “explicações”, “planos educativos individuais” e outros paliativos. Mas, nos projetos que acompanho, todos os alunos alcançam as metas. Porque trabalhamos a montante, para não ter de remediar a jusante; investimos na prevenção, para não tentar remediar depois. Nesses projetos, não há “alunos que não conseguem atingir metas”. Portanto, nada é preciso fazer, a não ser desenvolver um trabalho escolar coerente com a Lei de Bases. Em cada escola a seu modo, não há receitas.
Mas concorda que é difícil mudar este paradigma.
Se fosse fácil já tinha mudado. É difícil, é difícil…
Então como se pode fazer esta mudança?
Eu defendo sempre múltiplos caminhos. Um deles é que nós deveremos, nas escolas que despertam para a necessidade de mudar, trabalhar com aqueles professores que tomaram consciência e com coragem, lentamente, respeitando a criança, começar a desenvolver o projeto educativo da escola. Porque os projetos educativos das escolas não são cumpridos. E então esse núcleo de projeto, respeitando quem não queira, tem de avançar com autonomia pedagógica.
Aqui e ali têm sido anunciados alguns projetos inovadores, como as salas de aula do futuro. Isto pode ser o início da mudança?
Não, de modo algum. A aula híbrida, como vejo por aí, é aula. Não tem de haver aula. E as novas tecnologias podem ser importantes, se não forem mitigar o modelo de escola, enfeitar as aulas com quadros interativos ou um portátil por aluno. Quando um aluno está com acesso à informação na Internet ele não aprende, ele precisa da intervenção do adulto, do mediador da aprendizagem, que o ajude a passar da informação caótica para o conhecimento e do conhecimento para uma ação e isso chama-se projeto. E ao passar do conhecimento para a ação desenvolve competências. Isso não acontece numa aula.
Mas nessas salas o professor está lá apenas a guiar o grupo de alunos que tem de buscar as respostas.
Perante o quê? Um projeto? E lança perguntas significativas para os alunos? A aprendizagem tem de partir de necessidades, desejos, sonhos, algo concreto, que eu sinto que a comunidade precisa. É a partir dessa necessidade, com a introdução de projetos de pesquisa e roteiros de estudo, que as coisas acontecem.
Pode-me dar um exemplo prático de como isto pode funcionar?
Há um jovem que se queixa que lhe põem o lixo à porta na sua rua e ele percebe que tem de acabar com essa situação. Ele junta-se com outros jovens e vai fazer um projeto para acabar com a lixeira. Ele vai ter de fazer roteiros de pesquisa para perceber porque é que há lixo, o que é o lixo, o que é isso de recolha seletiva de lixo. Ele vai ter de reunir muitos objetivos do currículo nacional, de ciências, matemática, estudo do meio, português, para resolver. Mas não ensinamos tudo assim. Há objetivos que é impossível incluir nesses projetos que partem das necessidades, então aí nós fazemos os projetos paralelos, alternativos, porque não podemos permitir que a criança não aprenda todos os objetivos do programa.
Esses projetos funcionam de acordo com o modelo tradicional de aulas?
Não! Vou perguntar-lhe e assim pergunto a muita gente: sabe fazer a raiz quadrada? Já não se lembra! Sabe qual a fórmula para calcular o volume da esfera? Não, pois não? Eu posso continuar a perguntar-lhe coisas do ensino básico e você não sabe. E agora pergunto: não teve aulas sobre isso? Aprendeu? Não. Numa aula não se aprende nada. Aprende-se no contexto de projetos, com roteiros de pesquisa, com mediação pedagógica devidamente feita e com avaliação formativa contínua e sistemática, preferencialmente com portefólios digitais de avaliação. É isto.
E é possível fazer diferente e cumprir com os programas, currículos e alcançar metas de aprendizagem?
Só é possível cumprir com tudo isso fazendo diferente, porque do modo que a escola funciona o currículo não é cumprido. Os projetos não são cumpridos.
Que conselho deixa ao ministro da Educação?
Não sei. Mas posso propor que ele reúna com gente que já faz diferente para melhor cá ou se quiser ir lá fora vai ver que lá fora acontecem coisas muito boas em centenas de lugares, em muitos países. Esqueçam a Finlândia e o Norte da Europa.
(Via Observador)
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Artigo original do Comunica Tudo por M.A.D..
Artista desenha Bob Marley com caneta esferográfica
11 de Abril de 2017, 10:27Artista de rua desenha Bob Marley à mão livre, com caneta esferográfica Bic. E o resultado é realmente impressionante.
Incrível, vale muito assistir!!!
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