Desde o início da atual crise financeira que são evidentes as falhas de pluralismo nos órgãos de comunicação social, não apenas em Portugal, mas um pouco por todo o Mundo |
Desde o início da atual crise financeira que são evidentes as falhas de pluralismo nos órgãos de comunicação social, não apenas em Portugal, mas um pouco por todo o Mundo. Em Portugal, todos os órgãos de comunicação social detêm fortes ligações ao sector financeiro. Os sete grupos de comunicação social, que detêm 32 dos mais importantes órgãos de comunicação social do país são detidos por 17 grandes acionistas.
Desde o início da atual crise financeira que são evidentes as falhas de pluralismo nos órgãos de comunicação social, não apenas em Portugal, mas um pouco por todo o Mundo. Numa altura em que o debate e democrático deveria ser a base para a definição de políticas a nível nacional e comunitário, o espaço para a combate de argumentos é cada vez mais escasso.
Se por um lado os órgãos de comunicação social privilegiam na sua cobertura mediática personalidades ligadas ao poder, por outro lado são raras, para não dizer inexistentes, as ocasiões em que, por exemplo, os opositores às políticas de austeridade conseguem marcar a agenda mediática.
O estabelecimento de um pensamento único, ou de uma agenda de reflexão monocromática, é mais evidente do que nunca. Considero, por isso, importante descodificar todo esse processo.
Da agenda ao pensamento único
Todos os cidadãos estabelecem hierarquias de prioridades na sua vida quotidiana – políticas, sociais, económicas, etc – seja através dos media seja através das relações sociais que estabelece. No entanto, a grande maioria da informação que as pessoas recebem não resulta da sua experiência pessoal como actor principal. Tal como McCombs e Shaw observaram, grande parte daquilo que vamos conhecendo chega-nos, invariavelmente, em segunda ou terceira mão através dos media ou de outras pessoas.
Estes dois académicos foram, em 1972, responsáveis pelo modelo do agendamento ou a chamada agenda-setting. Esta teoria debruça-se sobre a seleção de temas feita pelos media como um fator-chave nas perceções do público sobre a importância desses mesmos temas (Marín, 2011). Temas que poderiam ser completamente estranhos às reflexões da população e de uma determinada sociedade são, assim, introduzidos no debate público, e desde logo na reflexão individual de cada cidadão, devido à agenda imposta pelos media. A teoria do agendamento, no entanto, não defende nenhuma ‘lavagem cerebral’ em massa: os media não dizem às pessoas o que devem pensar, mas sim sobre o que devem pensar.
Mais tarde, em 1988, Chomsky e Herman defenderam, através do modelo da propaganda, que o estabelecimento da agenda obedece a uma lógica muito clara cujo objetivo final consiste na defesa dos interesses dos indivíduos proprietários. Nesse contexto, os media são assim um instrumento ao serviço da burguesia na luta de classes.
O modelo da propaganda identifica cinco filtros através dos quais esta lógica é imposta: (1) a dimensão da empresa, a estrutura concentrada, a riqueza dos acionistas e a orientação para os lucros; (2) a publicidade é a principal fonte de receitas; (3) a confiança dos media e a credibilidade dada à informação transmitida pelos Governos, empresas e pelos chamados 'especialistas'; (4) formas de disciplinação dos media; e (5) ‘anti-comunismo’ como uma religião nacional e mecanismo de controlo. O anti-comunismo, muito presente no período da Guerra Fria, deu lugar a um novo mecanismo através do qual certas ideologias são consideradas anti-patrióticas.
As questões da propriedade na imposição do pensamento único
O primeiro filtro do modelo atrás referido, relacionado com a propriedade e estrutura accionistas dos órgãos de comunicação social, coloca a tónica no facto de os proprietários dos media terem interesses económicos em outros sectores de atividade e relações de proximidade com os restantes capitalistas da sociedade. É uma complexa mas consistente teia de interesses. Ora, esta ideia é bem evidente nos media em Portugal, onde os interesses dos detentores dos órgãos de comunicação social estendem-se por várias outras áreas, como o sector financeiro, a energia, as telecomunicações, a construção civil e até o futebol. Encontramos estes mesmos exemplos noutros países, em França (Bouygues) ou Alemanha (Bertelsmann), e ainda capitalistas que detêm vários órgãos de comunicação social em diferentes países (News Corporation, de Murdoch).
Segundo Adorno e Horkeimer, a estrutura acionista dos media funciona como uma ‘orquestra bem afinada’ para expressar o poder do capital. Os media expressam este poder ao cumprirem a sua função primordial – sobre esta ideia Lenine escreveu que “...a imprensa burguesa alimenta o domínio de uma classe, divertindo e distraindo em lugar de educar” – culto do ‘acontecimento’ e das ‘excitantes futilidades políticas’, ‘vulgarização primária’, 'localismo' e ‘chauvinismo’. Tais características são intrínsecas do próprio jornalismo, parte integrante do sistema capitalista.
Já Gramsci referia que “deveria recordar-se sempre, sempre, sempre, que o jornal burguês (qualquer que seja a sua cor) é um instrumento de luta movido por ideias e interesses que estão em contraste com os seus (dos operários). Tudo o que se publica é constantemente influenciado por uma ideia: servir à classe dominante, o que se traduz sem dúvida num facto, o de combater a classe trabalhadora. E, de facto, da primeira à última linha, o jornal burguês sente e revela esta preocupação”.
Os objetivos subjacentes às ideias defendidas por estes autores são alcançados através do estabelecimento do pensamento único na opinião pública. Os média, atualmente, deram um passo em frente, impondo aos cidadão não apenas aquilo sobre o que devem pensar mas também o que pensar, ao contrário do que defendiam teorias anteriores, como aqui já foi referido.
De seguida são identificados os diversos mecanismos, sinteticamente agrupados, através dos quais os media impõem um pensamento único:
a) A ligação ao sistema financeiro, direta através de participações acionistas nas empresas detentoras dos órgãos de comunicação social ou indireta através dos negócios em outras empresas onde os acionistas destes órgãos também participam. Os bancos são os maiores empregadores de economistas e são estes que nos media, na atual crise financeira, culpabilizam os Estados.
b) Naturalização da ordem económica vigente, onde se clamam as inevitabilidades. Tudo isto assente num dicotomia simplista avassaladora: tudo o que é contra é antiquado, fechado, defensor de interesses particulares.
c) Criação de rubricas nos media que permitem a entrada em cena da ideologia dominante. É um método subtil, nada coercivo, mas bem exemplificativo do agendamento efectuado por parte dos media. Por exemplo, as rubricas na imprensa e na televisão (várias vezes ao dia) dedicadas à evolução do mercado acionista, embora a esmagadora maioria da população portuguesa não detenha qualquer ação.
d) Colocar os ideólogos na pele de tecnocratas isentos: Opinion-markers, instituições neoliberais (Banco Mundial, OCDE; FMI), think-tanks e até jornalistas que ajudam a difundir a ideologia neoliberal.
e) Dependência da publicidade para financiar a empresa jornalística. A dependência das receitas publicitárias era, nos anos 90 do século passado, maior nos Estados Unidos (75% a 80%) do que na Europa (França 45% a 50%). Apesar disso, empresas como a LVMH, Alcatel-Alshtom e Prisma efetuaram pressões sobre os órgãos de comunicação social franceses. Em Portugal, é conhecido, por exemplo, o caso do abandono por parte do BCP da estrutura acionista do semanário SOL, após o jornal ter publicado notícias sobre o caso Freeport.
f) Popularização de um discurso que favorece a rentabilidade dos grupo de comunicação social, transformados em verdadeiros grupos económicos que pretendem alcançar o lucro. Em Portugal, Impresa, Media Capital e Cofina estão cotadas na bolsa, com responsabilidades claras de distribuírem dividendos aos seus acionistas.
g) Infantilização dos leitores, através da divulgação de informação gerida e digerida, que atravessa os cinco filtros enunciados no modelo da propaganda.
h) Alienação da população dos temas mais importantes que afetam a sua vida, através da introdução, na lógica dos valores prioritários, de temáticas redundantes, como a dissecação exaustiva da vida interna dos partidos políticos, do futebol e de situações de violência. Sobre esta última ideia, Joaquim Letria, jornalista bem conhecido do público, cerca de metade das transmissões de televisão dos canais do mundo ocidental ocupam uma boa parte do seu tempo de emissão com casos de agressões e histórias de violência.
i)Promoção de jornalistas coniventes com a lógica dos seus acionistas, de modo a legitimarem uma forma de funcionamento do jornalismo anti-democrática.
Simon Bolívar, o libertador da América do Sul, dizia que a primeira de todas as forças políticas é a opinião pública. Os mecanismos acima enunciados são a base do pensamento único, realidade que se contrapõe aos argumentos dos que defendem que a existência de vários órgãos de comunicação social garante a pluralidade num caos cultural diverso.
O papel dos jornalistas
Os jornalistas são, no meu entendimento, o ativo mais valioso dos órgãos de comunicação social. Tal como as fábricas não produzem sem operários, os jornais não publicam sem jornalistas. Não há nenhuma máquina que o possa substituir. Depois de tudo o que foi acima exposto impõe-se a seguinte questão: o que podem os jornalistas fazer para alterar a política das empresas onde trabalham? A resposta é, infelizmente, pouco ou nada. De facto, os jornalistas são proletários, operários, tais como aqueles que trabalham no sector industrial. Existe, contudo, uma tensão constante entre a lógica profissional e os condicionamentos impostos pelo sistema capitalista. Os jornalistas, ao não serem detentores dos meios de produção, são obrigados a venderem a sua força de trabalho para obterem um salário e, então, sobreviverem. Por esta razão há inúmeros jornalistas que abandonam a atividade jornalística para se dedicar à comunicação empresarial ou marketing.
Esta movimentação no mercado de trabalho entre os jornalistas vem esconder duas dimensões inquietantes: por um lado, o aumento exponencial da precariedade, devido à pressão sobre os salários e sobre os postos de trabalho – só entre 2006 e 2010 foram despedidos cerca de 500 jornalistas em Portugal – por outro, há uma relação próxima entre os jornalistas e o meio empresarial que leva a que sejam convidados a integrar empresas sobre as quais anteriormente escreveram notícias. No fundo, muitos jornalistas escondem a ambição de se transferirem para outras empresas, fora do sector do jornalismo. É o chamado nível de eficácia salarial: se o jornalista sabe que pode ganhar mais numa outra empresa, está disposto a ser seu parceiro num determinado período da sua atividade jornalística.
Contra a necessidade, a ética profissional pode pouco ou nada. Contudo, mesmo que assumamos que os jornalistas têm um espírito de sacrifício que lhes permite resistir às dificuldades económicas para continuarem na profissão e tentarem alterar o sistema por dentro, acreditamos que o seu poder, tal como descrito no início deste capítulo, é muito ténue. À força do profissionalismo jornalístico impõe-se uma lógica muitíssimo mais poderosa e interligada entre si: a força do capital. Tal como descrevemos atrás, estes mecanismos garantem o funcionamento de um sistema bem oleado e com poucas ou nenhumas falhas que permitam aos jornalistas se evadir.
Por outro lado, as próprias empresas de jornalismo promovem hierarquicamente e mediaticamente aquilo a que designarei de trabalhadores mais “soft”, que menos entraves colocam à direcção e à administração e que partilham a sua ideologia. As estruturas intermédias estão preenchidas de jornalistas que garantem o funcionamento tranquilo da lógica de mercado na empresa de jornalismo. Há mesmo editores de jornais que são promovidos a acionistas da empresa onde trabalham, tal como os próprios diretores. Tais mecanismos garantem uma lealdade absoluta das estruturas intermédias ao capitalista detentor do órgão de comunicação social.
O caso português
De modo a apurar se a comunicação social portuguesa está exposta a interesses económicos noutros sectores de atividade e, se sim, em que sectores detém interesses económicos, procedi à análise da estrutura acionista das sete principais empresas de comunicação social portuguesas: Ongoing, Impresa, Newshold, Media Capital, Controlivest, Cofina e Sonaecom. Apenas uma nota metodológica: devido à complexa teia de interesses cruzados, baseei a minha análise única e exclusivamente nos interesses económicos resultantes de participações acionistas diretas. Por exemplo, consideramos que a Caderno Azul, acionista da Cofina, detém interesses diretos no sector da indústria papeleira e da energia (através da participação na Altri) e nas áreas da logística, metalurgia e aço e imobiliário devido à participação na Ramada Investimentos. No entanto, ficaram de foram todos os interesses dos acionistas da Caderno Azul, que detêm indiretamente a Cofina. A análise peca, assim, por defeito. Aboli este critério apenas nas ligação do Grupo Prisa aos diferentes sectores de atividade, por uma questão de simplificação do esquema. Isto por considerar que o acionista principal da Media Capital não é o Grupo Prisa, mas sim os acionistas do próprio grupo espanhol. A Media Capital é apenas um dos muitos veículos internacionais utilizados pelos acionistas do Grupo Prisa para estender a sua atividade no sector da comunicação social, a nível internacional. Por falta de transparência, é impossível saber quais os interesses económicos da Newshold, pois o seu maior acionista e detentor de facto, a Pineview Overseas (95%), está sediado no offshoredo Panamá e a própria Newshold não tem sítio institucional.
Ver aqui o esquema de ligações
a) Todos os órgãos de comunicação social detêm fortes ligações ao sector financeiro. Os seus acionistas são ou detêm bancos comerciais, e/ou de investimento, e/ou fundos de investimento e/ou seguradoras. Considero este facto extremamente esclarecedor, numa altura em que diariamente se pedem sacrifícios à população para salvar o sistema financeiro. Esforços esses que passam pela implementação de uma política de austeridade que sacrifica os mais desfavorecidos.
b) Os sete grupos de comunicação social, que detêm 32 dos mais importantes órgãos de comunicação social do país – deixei de fora os mais redundantes, como jornais regionais ou de pouca expressão – são detidos por 17 grandes acionistas, com interesses em 16 sectores de atividade económica. Um sinal da concentração do sector e de uma cada vez menor garantia de pluralidade no sector:
c) Há três acionistas que detêm participações em mais do que um grupo: Crédit Suisse (Cofina e Impresa), Newshold (O Sol é Essencial, Cofina e Impresa) e Ongoing (detém o Diário Económico e a Económico TV e é acionista da Impresa)
d) Há nove acionistas com interesses no sector financeiro e 10 com interesses no ramo imobiliário.
e) É impossível saber ao certo quantas participações noutras empresas os acionistas dos órgãos de comunicação social têm. Tal dificuldade prende-se com a impossibilidade de tentar saber quais as participações acionistas dos fundos de investimento ou dos bancos. É, por exemplo, impossível apurar todas as participações acionistas da Crédit Suisse.
f) Forte ligação entre o mundo dos mercados financeiros e a estrutura accionista dos media. Os accionistas dos media portugueses detêm participações nas empresas cotadas portuguesas Altri, Cimpor, Zon, Portugal Telecom, Porto Sad, Sporting Sad, Benfica SAD, Reditus, Novabase, Espírito Santo Financial Group, Ramada Investimentos, num total de 11. Impresa, Cofina e Media Capital também são cotadas. BPI, Sonae e BCP são acionistas de meios de comunicação social, de forma direta e a PT detém o Portal SAPO.
Artigo de Frederico Pinheiro, membro da direcção da ATTAC Portugal, disponível emattacportugal.webnode.com
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