Publicado no Acerto de Contas
Na semana passada, enquanto estava viajando, o Governo apresentou uma proposta para os professores das universidades e institutos federais, que já dura mais de dois meses.
Antes de começar, é preciso falar da estranheza da demora no início de qualquer tentativa de aproximação com os professores. O Governo ficou apostando que a greve iria sumir do mapa, como se as coisas funcionassem dessa forma.
Mas vamos esquecer este fato para analisar ponto a ponto a proposta do Governo e a real situação dos professores das universidades.
A Carreira Hoje
Atualmente a carreira de professor universitário é uma das piores do Governo Federal. Não falo que é a pior porque ainda tem os técnicos-administrativos, que na média ainda conseguem ter uma carreira mais difícil.
Muita gente gosta de citar o caso do salário inicial do Professor Adjunto com Dedicação Exclusiva (eu mesmo cito porque é meu caso), mas não podemos esquecer que o Professor Adjunto já é um profissional no mais alto nível de qualificação acadêmica (com Doutorado). Em titulação não há mais o que alcançar.
Uma tabela que circulou na internet fala isso.
Se formos comparar em termos de titulação com outras categorias, deveríamos pegar o Professor que não tem mestrado ou doutorado, que é o caso de técnicos de outras carreiras e que não possuem Dedicação Exclusiva, que é também o caso de outras carreiras. Este seria o Professor Auxiliar com 40 horas.
Pois bem…um Professor com Graduação apenas, que trabalha 40 horas semanais, ganha hoje R$ 2.215,54 bruto. Se acha que é mentira, veja aqui. Isto mesmo, um Professor Universitário com graduação apenas (conheço casos como esse) ganha menos de 4 salários mínimos. O valor está um pouco divergente da tabela acima, em função dos 4% de reajuste do ano passado que só chegou agora.
Claro que podemos alegar, e eu concordo com isso, que só deveríamos ter professores com titulação, mas se é para compararmos os iguais (funcionários públicos), vamos às comparações por titulação e por oportunidades.
Já fiz um texto no Acerto de Contas, falando da enorme distorção que aconteceu entre carreiras semelhantes no Governo Federal durante o Governo Lula (ganhamos hoje menos que em 1998), à exemplo dos pesquisadores do IPEA e MCT. Basta ler o texto que irá saber do que estou falando. Um pesquisador com Doutorado no IPEA entrava ganhando R$ 300,00 a menos que um Professor com Doutorado. Hoje entra ganhando R$ 5 mil a mais.
Um professor com Doutorado, em DE, ganha hoje R$ 7.627,00 bruto. Isso com a exigência de não poder fazer absolutamente mais nada, o que é uma fantasia da Dedicação Exclusiva. E também estamos falando de um professor com Doutorado, que é a mais alta titulação passível de ser obtida. Não estamos falando de um recém-formado.
Essa “pequena” introdução foi apenas para falar de como está ruim o Salário de um Professor.
Mas vamos à proposta.
A Proposta do Governo
Desde 2008 ficou acertado com o Governo Federal uma mudança na carreira do Professor. Isso foi empurrado com a barriga para 2010, e depois para 2011, e depois para 2012, até que a greve estourou.
A proposta do Governo (e qualquer outra em debate) deve ser observado sob três ângulos: a questão salarialem si, a progressão na carreira e o interesse na melhoria da universidades (que significa uma melhoria qualitativa dos professores).
Falou-se que os professores teriam um aumento de 45%, mas isso só existe para 7% dos atuais docentes, que são titulares. O restante receberia aumentos em 10% ao ano, até 2015. Parece muito, mas se levarmos em consideração dois anos sem aumento (apenas 4% de reposição) e o nada que ganhamos durante o Governo Lula (apenas reposições), nos coloca apenas em situação semelhante ao Governo FHC.
Claro que a colocação da classe de Associado em 2008 ajudou na carreira, mas estou aqui falando do Adjunto.
A ideia original era a de equiparação ao MCT, mas isto não ocorre, já que hoje o Adjunto 1 entra ganhando R$ 10.350,68 (ver aqui) no MCT como pesquisador. Sem a necessidade de Dedicação Exclusiva. Na prática ele é pesquisador durante o dia e pode dar aulas em outra instituição à noite, ou complementar a renda como deseja.
A proposta do Governo é elevar o salário do Adjunto 1 a R$ 10.007,24, mas isto apenas em 2015. Veja que estamos falando do próximo Governo. O aumento chega após três anos.
Isso simplesmente não existe.
O titular, que ganhará (em 2015), R$ 17 mil, não pode servir de parâmetro, pois como já vimos, é minoria absoluta.
Um bom parâmetro de comparação está na matéria feita pelo UOL, mostrando que o Professor ganhará inicialmente apenas 0,85% a mais do que hoje.
A estrutura de classes basicamente não mudou. Apenas extinguiram os níveis horizontais das classes de Auxiliar e Assistente, mas isso não muda quase nada.
Além disso, o período entre as progressões manteve-se o mesmo.
Mas aí está um ponto interessante, para não dizer bizarro.
Exige-se agora que para progredir o professor tenha 12 horas semanais de sala de aula no mínimo, o que corresponde a três cadeiras. Para quem não tem pesquisa, nem participa de cargos administrativos ou de pós-graduação, este é o padrão. Mas para estes outros o padrão é de 4 horas (cargos administrativos) ou 8 horas (para quem tem pesquisa aprovada). A grande maioria dos professores das pós-graduações está neste patamar.
Pode-se achar pouco, mas é o que se pratica em todos os lugares do mundo, já que espera-se que os professores orientem alunos de mestrado e doutorado, além de exercerem outras atividades de pesquisa. Quando eu era Coordenador de Curso, normalmente ficava com uma turma adicional, mesmo tendo pesquisa, por uma necessidade interna, mas este não deve ser o padrão.
Em outras palavras, o Governo quer que o professor mais produtivo (pelo menos na teoria) trabalhe 50% a mais para progredir na carreira. Isso tudo sem nenhum aumento salarial significativo que justifique.
No fundo a única coisa que o Governo está pensando é em tapar o buraco aberto com a expansão de vagas pelo Reuni, já que a maioria dos professores ainda nem foi contratada.
Um ponto positivo está na possível progressão a Professor Titular dentro da carreira, ao invés de concurso específico. O Governo colocou uma barreira de 20%, mas acredito que isso possa ser negociado.
Outros dois pontos não vejo como negativo, apesar da chiadeira dos sindicatos, e argumento aqui.
- A centralização de critérios de promoção através de regras do MEC – atualmente as Universidades decidem suas regras, e na prática a distorção acaba reinando. Enquanto na UFPB se progride com um ofício fazendo o mínimo, na UFPE o professor segue uma via-crúcis de papelada desnecessária, que acaba prejudicando o processo. Além disso, há distorções de interpretação de legislação dentro dos próprios departamentos e Centros, fazendo com que o professor tenha não apenas mérito, mas sorte de cair em uma unidade de avaliação mais frouxa. Neste caso bastaria ao MEC regular como seriam as promoções, respeitando algumas regionalidades.
- A aceitação da percepção de recebimento através de projetos – Isso na prática já existe com as fundações, e a tentativa do MEC em regular é um avanço. Os sindicatos estão brigando contra isto, mas é apenas um dogma inútil.
Já em relação à melhoria da qualidade dos professores, obviamente não é um debate fácil. Apenas pode ser medido por critérios objetivos.
Há uma grita geral em relação à isso, e os sindicatos ainda tentam brigar com o que é razoável, que é a progrressão na carreira por mérito, e este só pode vir através da titulação e da produtividade acadêmica.
Professores mais titulados devem ganhar mais. E professores mais produtivos também precisam ser remunerados por isso através de promoções.
A proposta do Governo, na prática, não mexe com isso. O sindicato quer afrouxar e o Governo quer apertar. O resultado é apenas manter do jeito que está, que não atende aos interesses de ninguém, especialmente das universidades.
Claro que um professor que produz mais merece ascender mais facilmente na carreira. Assim como deveríamos ter aplicações de métodos desta forma para avaliação da qualidade dos compromissos assumidos com a sala de aula. Não se pode admitir professores descompromissados com a mesma percepção de carreira de profissionais comprometidos.
Muito se fala do produtivismo, e que a atividade do professor é diferenciada, mas horário de aula deve ser cumprido e assiduidade deve ser exigida do profissional. Isso é o mínimo.
Já em relação à produção acadêmica, esta realmente é mais complicada, porque a quantidade de trabalhos sem impacto gerados apenas para completar os pontinhos da Capes é imensa. Esta-se reproduzindo a figura doHomo Lattes, que chega ao final da carreira e produziu penas de textos sem relevância.
Mas isto é assunto para outra discussão.
Resumo
Em resumo, a proposta do Governo simplesmente não atende a ninguém.
Não consegue resolver o problema salarial dos professores e muito menos mexe de maneira coerente com a carreira.
Na prática estão fazendo dois movimentos: empurrando com a barriga o problema para o próximo Governo e procurando resolver o buraco deixado por Lula e Haddad com o Reuni.
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