Jornalista britânico Andrew Jennings, parceiro da Pública, conta o caso do dinheiro enviado pela FIFA à Arábia Saudita e a história da mala de 400 mil dólares de Ricardo Teixeira
Por Andrew JenningsUma das primeiras coisas que Sepp Blatter fez ao assumir a presidência da FIFA, em 1998, foi abrir os cofres para um país que apoiou financeiramente sua campanha.
Ele não tinha dinheiro suficiente para pagar a dívida com esse país, mas a FIFA tinha. Então Blatter bateu um papinho com seu fiel escudeiro e cabeça do Comitê de Finanças da entidade, o malandro Julio Grondona [NT: também presidente da Associación de Fútbol Argentino, a AFA, a CBF argentina], e sem contar nada a ninguém eles repassaram 470.000,00 francos suíços (cerca de US$ 680.000,00) para alguém na Arábia Saudita, um dos países mais ricos do mundo.
Blatter afirmou que o dinheiro foi repassado para cobrir um “excesso de gastos” do ano anterior, quando a Arábia Saudita sediou a Copa das Confederações. Mas acontece que esta competição, conhecida como Copa do Rei Fahd, havia sido inteiramente bancada pelos sauditas sem custos para a FIFA.
Desonestos
Poucos na FIFA tem reputações financeiras mais duvidosas do que Blatter e Grondona. Eles contaram à empresa de auditoria KPMG, em 1999, a historinha – difícil de acreditar – de que o dinheiro tinha ido para a Arábia Saudita. Nesse caso, quem teria recebido o dinheiro? Ninguém sabia de nada porque os demais membros do Comitê de Finanças não haviam sido consultados sobre o pagamento.
No Relatório de Gestão confidencial feito pela KPMG, o ingênuo auditor Fredy Luthiger – sempre bem cuidado e cortejado por Blatter em Copas do Mundo – murmurou que, no futuro, o Comitê de Finanças deveria consultado para aprovar “pagamentos como aquele”.
Blatter, sem dúvida sorrindo, aparentemente concordou . Mas na prática ignorou aquela recomendação, mantendo até os dias atuais o direito de ser o único que assina os cheques da FIFA.
As contas bancárias offshores e secretas de Grondona – reveladas em um vídeo gravado por uma associação comercial, depois tirado de circulação -, estão sendo investigadas agora pela polícia argentina. O repórter alemão Jens Weinreich fez os cálculos: o dinheiro depositado nas várias contas bancárias, a maioria delas situada na Suíça, alcança a assombrosa quantia de US$ 121 milhões. Grondona se recusa a dizer de onde veio esse dinheiro.
LAVANDERIA DE DINHEIRO
Era um dia normal no escritório do Departamento de Finanças da FIFA. De repente entrou o membro do Comitê Executivo, Ricardo Teixeira, carregando uma mala grande e pesada. “O que podemos fazer pelo senhor?”, lhe perguntaram.
Teixeira abriu a mala e despejou espantosos US$ 400.000,00 em dinheiro vivo! Ele disse que era um pagamento adiantado à CBF para cobrir os custos da participação na Copa do Mundo de 1998, na França. Ninguém no Departamento de Finanças ousou perguntar por que Teixeira estava carregando tal volume em dinheiro vivo, nem onde ele tinha conseguido aquilo – ou o que estava fazendo com aquela mala em 2000, 18 meses depois do fim da Copa de 1998.
Se aquilo já era muito esquisito, logo ficaria ainda mais. Teixeira disse aos membros do Departamento de Finanças que queria que eles pegassem o dinheiro e o transferissem para a conta da CBF. Os funcionários ficaram confusos – eles responderam que aquele valor já havia sido pago à confederação. Mas quando checaram, não havia registro de entrada do dinheiro na CBF.
Os funcionários então concordaram em depositar o dinheiro para a CBF – mas insistiram que o valor fosse para a conta da confederação e registrado como um pagamento. “Ah não”, disse Teixeira, “não é isso que eu quero.”Em vez disso, ele pediu para que lhe devolvesse o valor, mas desta vez em um cheque. Surpreendentemente, foi atendido.
Naquele momento, a sede da FIFA passou de casa oficial do futebol à lavanderia de dinheiro ilegal.
Alguns dias depois Teixeira mudou de ideia, voltou ao escritório da FIFA, devolveu o cheque e pediu o seu dinheiro de volta. Surpreendentemente, o Departamento de Finanças da FIFA concordou e deu a ele US$ 400.000,00 de volta em uma mala.
POLIDAMENTE ESCANDALIZADA
O que aconteceu depois? O dinheiro era realmente ligado à Copa do Mundo? Para onde foi o dinheiro? Teixeira e o Departamento de Mídia da FIFA se recusam a dizer.
A história está enterrada na página 19 do Relatório de Gestão Anual – secreto – enviado ao presidente Joseph Blatter em 2000 pelos auditores da FIFA, o braço de Zurique da empresa KPMG.
A KPMG ficou polidamente escandalizada e recomendou que pagamentos em dinheiro só fossem feitos por “pessoas autorizadas”. Blatter fez cara de paisagem e concordou com a recomendação.
Relatório de gestão prévio da revisão de 2000
Pagamentos a terceiros
Identificação e impactos
O presidente da Federação Nacional brasileira filiada à FIFA [CBF] deixou uma quantia de 400.000 dólares com a solicitação de que ela fosse transferida para a própria Federação. De acordo com as informações dele, este valor era um pagamento adiantado referente à Copa do Mundo de 1998, valor o qual era destinado a todas as seleções participantes. Segundo a FIFA, o montante já havia sido pago à época da Copa e também havia sido devidamente transferido à conta final em Azbug. O pagamento não fora, contudo, registrado pela Federação Nacional brasileira. O presidente da federação brasileira retornou, então, com um pedido para que o valor fosse encaminhado para a entidade.
A FIFA declarou estar disposta a fazer o pagamento, mas apenas sob a condição de que a transação para a conta corrente da associação fosse reconhecida como pagamento para o presidente da Federação Nacional brasileira e, em seguida, a remessa poderia ser feita. Contudo, isto não foi aceito pelo presidente. Ele requisitou então um cheque assinado pela FIFA com a quantia, o que lhe foi concedido. A intenção era que o crédito do valor em cheque fosse posteriormente pago em dinheiro com a quantia do primeiro depósito feito à CBF. Depois de alguns dias, no entanto, o presidente da federação pediu para cancelar toda a transação e solicitou o montante em dinheiro vivo. O pedido dele foi aceito.
Sugestão
Recomendamos que os pagamentos em dinheiro só sejam feitos por pessoas autorizadas. Temos consciência de que, por várias razões diferentes, nem sempre isso é possível. Geralmente é recomendável pagar em cheque – pagamentos em dinheiro devem ser feitos ao menor número de pessoas possível.
Comentários sobre a recomendação
Combinado.
A CONTA SECRETA 1663
Imagine ter uma conta bancária offshore livre de qualquer fiscalização tributária para depositar todo o dinheiro que conseguiu com todo o tipo de atividades questionáveis.
Quer gastar o dinheiro? É fácil: você exige pacotes de dinheiro vivo dos contadores subservientes. Eles nunca serão um problema porque você é o patrão deles! Soa esquisito, mas vá por mim: fica ainda melhor!
Você gasta parte do dinheiro no país onde o banco está situado, (sim, na Suíça, muito bem, leitores!) comprando para si mesmo alguns presentes extravagantes – talvez um Mercedes antigo que o banco gentilmente registra no nome dele para protegê-lo de fiscais da alfândega na sua volta para casa.
Aí você pega um voo para a sua casa com o dinheiro guardado na roupa de baixo – ou na calcinha da sua namorada. Isso acontece.
Você viaja de primeira classe, é recebido por limusines com chofer e pode ter um passaporte diplomático. Dificilmente você será parado por oficiais da alfândega em busca de narco-dólares ou dinheiro suspeito proveniente de lavagem de dinheiro.
O MUNDO ISENTO DE IMPOSTOS DA FIFA
Seja bem-vindo ao mundo louco e isento de impostos dos 23 homens do Comitê Executivo da FIFA e ao modo como eles ficam ricos através do futebol. Hoje nós apresentamos o estranho mundo do brasileiro “Vigarista” Ricardo Teixeira… e a sua conta secreta na FIFA, número 1663.
Vamos voltar ao verão de 1998. Ricky Vigarista vinha dando duro no trabalho de explorar a Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Ele merecia umas férias e onde seria melhor do que a Cidade do Amor?
Mas como ele conseguiria alguém para pagar a conta e ir para Paris? Em um armário na sala dos fundos de sua casa, no Rio, ele achou a taça da Copa do Mundo ganha por Romário (ugh, o Vigarista odeia aquele homem) e pela Seleção Brasileira em 1994. A taça teria de ser devolvida à FIFA e o Vigarista estava planejando mandá-la por FedEx ou DHL.
Mas… se ele pusesse a taça na sua bagagem, ele poderia arranjar um voo de primeira classe pago pela FIFA – um dos luxos que os membros do Comitê Executivo consideram direito deles. E como chefe da CBF, ele poderia cobrar o valor da viagem da confederação também, duplicando o seu dinheiro. Boa!
Teixeira cobrou US$ 5.700 da CBF pelo voo. E não foi fácil devolver o troféu: de acordo com o que registrou nos pedidos de reembolso, ele levou dez dias para achar alguém, qualquer um, que aceitasse recebê-lo. As diárias dos membros do Comitê Executivo em 1998 eram de US$ 200 – e ele embolsou mais US$ 2.000!
Com suas férias encerradas, Teixeira começou de novo a marcar reuniões com a FIFA , depois um congresso, e aí começou o mês dos jogos da Copa do Mundo.
Tudo que embolsou foi para a conta de número 1663, onde já havia dinheiro proveniente de fontes duvidosas – do comércio ilícito de ingressos para a Copa do Mundo, por exemplo. Há muito mais recursos requisitados para despesas de viagem e hospedagem – a FIFA não pede recibos – e dinheiro desviado das doações destinadas às federações nacionais. Outros membros do Comitê Executivo, que estavam na Suíça para outros negócios, incluíam Zurique na rota para que a FIFA fosse induzida a pagar a conta.
CASA SEGURA PARA DINHEIRO SUJO
O ex-presidente da FIFA, João Havelange, embolsando milhões em propina da companhia de marketing ISL sozinho, não ia causar problema algum. Em todo o caso, naquela época ele era o sogro do Vigarista e tinha mostrado ao seu garoto como sugar o leite da ISL. Para manter a sua gangue do Comitê Executivo feliz, o novo presidente Blatter (cuja conta é a de número 469), logo elevou as ajudas de custo diárias a US$ 500 e criou um novo subsídio de US$ 200 ao dia para parceiros.
Onde Teixeira iniciou sua jornada rumo a Paris? De acordo com a sua conta número 1663, parece que ele estava em Pago, na Samoa Americana. Uma rápida passagem em um local como a Samoa, onde há tempos o dinheiro sujo tem uma casa segura.
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