A intransigência e a inabilidade do governo Dilma no trato das greves no setor público têm produzido cenas inusitadas. Cinco centrais sindicais que apoiaram a sua eleição divulgaram nesta semana nota criticando o “autoritarismo” do Palácio do Planalto e exigindo seriedade nas negociações com os grevistas. No outro extremo, todos os jornalões publicaram editoriais elogiando o comportamento “duro” do governo. Para piorar, o ex-presidente FHC, conhecido por sua postura antissindical, resolveu elogiar a presidenta Dilma.
Ontem, diante de uma plateia de empresários num seminário da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ), em São Paulo, o grão-tucano saiu em defesa do governo. “A presidente Dilma está num momento de dificuldade financeira e fiscal e muita pressão dos funcionários que se habituaram no governo Lula, que tinha mais folga, a receber aumentos. Ela não tem a mesma condição, então ela enrijeceu. Não vejo como ela pudesse não enrijecer”. Para FHC, Dilma está no rumo certo, “mesmo contrária a posições antigas do PT”.
O veneno do jornal O Globo
No mesmo rumo, os jornalões e as emissoras de televisão retomam o “namorico” com a presidenta. Em editorial intitulado “Dilma faz a opção certa diante dos grevistas”, o jornal O Globo fez ontem rasgados elogios à ação do governo. “Não há dúvida que a presidente Dilma tem assumido a melhor postura diante de um movimento em que se misturam o mais autista do corporativismo da burocracia pública, oportunismo sindical e o interesse de frações mais à esquerda, de dentro e fora do PT, em criar dificuldades para o governo”.
O jornal da famiglia Marinho também aproveita para, mais uma vez, colocar uma cunha entre Dilma e Lula, atiçando a cizânia. “Como é mais do que sabido, os servidores públicos em geral e, em particular, os do Executivo federal, foram uma categoria privilegiada nos oito anos de gestão Lula com generosos reajustes. Lula não apenas contratou muitos funcionários, como os brindou com aumentos bem acima da realidade dos assalariados da iniciativa privada”. Daí o efusivo apoio a Dilma, que não deve ceder aos “privilegiados”!
"Dilma rompe tradição da esquerda"
Os jornais Estadão e Folha, atuando numa só voz, também publicaram artigos com a mesma fúria antissindical e de entusiástico apoio ao “enrijecimento” do atual governo. Já o editorial do Valor, mais dedicado à nata empresarial, preferiu teorizar sobre os efeitos desta mudança de postura. “Dilma rompe tradição da esquerda ao enfrentar greve”, opinou na segunda-feira (13). O jornal até lembra que, durante o governo Lula, também houve estremecimento na relação com o sindicalismo quando da aprovação da reforma da Previdência.
Mas, malicioso, o Valor afirma que a crise do chamado “mensalão petista” obrigou o ex-presidente a retomar a sua origem, dobrando-se à pressão sindical. O fato novo, segundo o editorial, é que agora a presidenta Dilma decidiu romper com esta tradição. O jornal elogia o decreto 7.777, baixado há duas semanas, que autoriza o governo a assinar convênios com Estados e municípios para substituir os servidores em greve. “Trata-se de uma medida dura, ousada, de quem está disposto a ir ao limite no enfrentamento das greves”.
Corrosão da base de apoio
Os elogios do escorpião FHC e o “namorico” da mídia deveriam servir para indicar que o atual governo está indo na direção errada no trato das greves dos servidores públicos. A falta de diálogo e a inabilidade crônica dos tecnocratas do Palácio do Planalto têm apenas ampliado e radicalizado às greves – que já duram três meses nas universidades e dois meses em mais de 30 categorias do setor público. Aos poucos, a sociedade já começa a sentir os efeitos das paralisações em áreas nevrálgicas, o que prova a importância dos servidores.
Ao invés de seguir os péssimos conselhos dos neoliberais, que pregam mais austeridade fiscal e enrijecimento diante do sindicalismo, a presidenta Dilma deveria se lembrar dos seus compromissos de campanha e das suas alianças prioritárias. Do contrário, ela sofrerá desgastes e causará a corrosão da sua base de apoio – para a alegria dos mesmos oportunistas que agora a elogiam.
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