Um libertário de esquerda não fica feliz por ser livre sozinho, mas apenas se os outros também o forem
Fraternidade quer dizer algo mais do que se pensa. Ela significa que estamos todos no mesmo barco e que algo nos une que vai para além da doutrinas e dos laços políticos e jurídicos. Há quem entenda a fraternidade estritamente como sendo apenas relativa ao que é de irmãos, ou seja, homens. Não é assim; a fraternidade diz respeito a um sentido de irmandade com o que está fora de nós; estende-se naturalmente aos nossos próximos e aos forasteiros, aos que existem e aos que virão. É por esse sentimento de pertença comum, também com aqueles que hão de vir, que devemos zelar pelo planeta, não por uma espécie de racionalidade egoísta mas porque gostaríamos que eles chegassem a conhecer isto. O conceito de fraternidade encontra-se em particular nos movimentos ecologistas. A fraternidade não é a mesma coisa que justiça (os animais não nos tratam com justiça, nem nós a eles) pois transcende a mera equidade. A fraternidade é o menos entendido conceito da trilogia da esquerda, mas ele é a moldura que integra os outros dois conceitos e de certa forma os segura e impede (ou deveria impedir) de serem totalitários: ninguém pode ter tanta razão, na ideologia, na doutrina, ou na luta política, que esteja dispensado da fraternidade.
Finalmente, porque é o essencial, a Liberdade, que é mais do que individualmente podermos fazer coisas sem restrições exteriores. Um libertário de esquerda não fica feliz por ser livre sozinho, mas apenas se os outros também o forem. A liberdade é, desde logo, uma cultura de liberdade: um espaço onde se pesquisa, descobre e aprende a liberdade, um espaço comum onde se cuida da liberdade. Liberdade é liberdade de expressão, consciência e associação; mas também libertação do medo, dos preconceitos, da dependência e da exploração. Se a fraternidade é o menos falado e menos entendido dos conceitos da esquerda, a liberdade é o mais falado, mas o mais difícil de explicar. Liberdade era, para os republicanos clássicos, a capacidade de viver sem estar na dependência de alguém poderoso, ou seja: uma vida sem dominação. Para os românticos, um instinto de liberdade animava cada um de nós. Para os pós-modernos, liberdade é também capacidade de autorrealização. Uma entidade política humana deve poder acomodar estas e outras concepções de liberdade. Numa frase: a liberdade sem a qual os laços entre humanos perdem significado.
(Crônica publicada no jornal Público, de Portugal, em 7 de Novembro de 2012, de autoria de Rui Tavares)
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