Mesmo sem ser economista, é fácil perceber que o negócio da comunicação jornalística contemporânea não consegue preencher todas as condições mencionadas e que são uma espécie de receituário da sobrevivência no mundo capitalista. A notícia de atualidade (hard news) como commodity vale cada vez menos, há uma sobreoferta de informação e o número de opções para informar-se cresceu exponencialmente.
Assim, a sobrevivência do jornalismo passa a ter que ser pensada noutras bases onde o lucro deixa de ser a palavra chave. Foi isto que o Pew Research Center , dos Estados Unidos, tomou como ponto de partida para uma pesquisa sobre uma modalidade de exercício do jornalismo que até agora era vista como periférica, ideológica, não confiável e, na maioria das vezes, tudo isto junto. Pode-se discordar dos critérios e métodos do Pew, mas é necessário reconhecer o seu mérito em pesquisar áreas não exploradas em busca de novos conhecimentos e realidades. É a única instituição no mundo no gênero.
Este é o segundo informe sobre a evolução do jornalismo não lucrativo nos EUA. No relatório anterior, de 2011, foram identificados apenas 46 projetos que preenchiam as condições fixadas pelo Pew para serem considerados não lucrativos. Dois anos mais tarde, este número subiu para 172, quase quatro vezes maior, mostrando que o fenômeno está em expansão acelerada, embora as incertezas ainda sejam enormes. Em valores absolutos anuais, o ritmo de crescimento do número de organizações jornalísticas não lucrativas caiu em 2012 em consequência da recessão econômica no país, mas o índice de sobrevivência ainda é maior do que o de fracassos.
A pesquisa indica que o grande problema do jornalismo não lucrativo é a sustentabilidade a médio e longo prazo, um fator que, surpreendentemente, não tem funcionado como um desestimulante de novas iniciativas. Apenas 28% das organizações estudadas afirmaram que estão com seu orçamento assegurado pelos próximos 24 meses. Mais da metade dos novos aventureiros do jornalismo nos Estados Unidos se queixam que não tem gente, nem tempo e muito menos recursos para criar um sistema permanente de captação de recursos capaz de garantir uma existência livre de periódicos sobressaltos financeiros.
Dois terços dos projetos não lucrativos tem 75% de suas receitas dependentes de um único financiador o que os torna muito vulneráveis aos humores e problemas dos mecenas. O jornalismo investigativo é a atividade predominante (21%), quase sempre em escala estadual (38%) ou foca na cobertura de problemas urbanos ( 29%).
Números como estes inexistem no Brasil porque aqui ainda ninguém teve a ousadia de pesquisar a opção não lucrativa como um projeto jornalístico voltado para o preenchimento do vácuo informativo que está sendo gerado pela crise das empresas convencionais. Ainda é muito forte entre nós , o preconceito de que jornalismo não lucrativo é sinônimo de militância ideológica, onde a causa é mais importante do que a realidade.
Mas se levarmos em conta que mudaram as condições materiais que asseguraram a lucratividade das empresas jornalísticas durante quase dois séculos, somos obrigados a pensar em alternativas que não passem pela obrigatoriedade do lucro como motor da sobrevivência organizacional. Há inúmeras possibilidades que vão desde as fundações, cooperativas, organizações de interesse social e outras que ainda podem surgir, dependendo da criatividade de quem se aventurar na exploração desta área do empreendedorismo.
O Observatório da Imprensa é uma organização jornalística sem fins lucrativos que logrou sobreviver durante 16 anos. Por isto quando levamos o tema para debate com você leitor, trazemos todo um conhecimento acumulado que nos permite ter consciência plena dos enormes problemas que a opção não lucrativa nos coloca pela frente. Sabemos que não vamos encontrar sozinhos a solução, da mesma forma que ninguém conseguirá esta objetivo isoladamente.
Algumas organizações jornalísticas não lucrativas nos Estados Unidos já alcançaram reconhecimento profissional , quebrando o preconceito contra formas alternativas de produzir noticias. É o caso do projeto Pro Publica, formado por um consórcio de jornalistas profissionais que já conquistaram dois prêmios Pullitzer ( o maior premio da imprensa norte-americana) por jornalismo investigativo e reportagens especiais. Pro Publica se propõe a fazer um jornalismo de interesse publico sem abandonar os critérios profissionais tradicionais para mostrar que é possível pagar salários e despesas operacionais sem ter lucro.
(Publicado no Observatório da Imprensa)
Artigo original do Comunica Tudo por M.A.D..
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