Num discurso recente, Katharine Viner, subeditora do [diário britânico] The Guardian, descreveu como acredita que as redes sociais e a prática do “jornalismo aberto” alteram fundamentalmente a relação que os jornalistas têm com sua audiência. Na era digital e social, uma das coisas difíceis sobre fazer jornalismo, ou qualquer outro tipo de mídia, é parecer tão simples – em outras palavras, parece muito com o que costumava ser feito: você escreve coisas e as publica, só que em vez de imprimi-las, você as posta na internet. E, se você se estiver se sentindo ambicioso, talvez inclua uns links. Simples, não?
Só que olhar a coisa dessa maneira ignora as formas fundamentais pelas quais a prática do jornalismo foi completamente alterada pela internet, como destaca Katharine em seu excelente discurso [em 9/10]. Em sua apresentação, Katharine – que também é editora-chefe da nova edição australiana do Guardian – falou sobre uma entrevista que teve com um candidato a emprego. Quando ela perguntou a esse profissional de jornalismo impresso como ele se adaptaria ao papel digital, ele disse: “Há anos que eu uso computadores.” Como ela diz, este tipo de resposta sugere que a internet é apenas uma mudança tecnológica, como um novo tipo de editor de texto. “Na realidade, o digital representa uma enorme mudança conceitual, uma mudança sociológica, uma bomba de fragmentação explodindo quem somos, como é organizado o nosso mundo, como nos vemos, como vivemos. Nós estamos bem no meio dessa mudança e, às vezes, tão perto que fica difícil enxergarmos. Mas é muito profundo e vem acontecendo a uma velocidade quase inacreditável.”
Mudança fundamental
Katharine Viner continua, falando sobre as oportunidades que se apresentam aos jornalistas quando eles abordam seu ofício de uma maneira mais aberta e como a resistência de “muitos jornalistas a essa mudança prejudica seus próprios interesses, assim como os interesses do bom jornalismo”. Caso você goste de teoria da mídia, ela também fala sobre a crença de algumas pessoas de que a predominância do jornalismo impresso – e não apenas os meios de comunicação de massa, como os jornais, mas toda a revolução de Gutenberg – foi um período temporário e agora voltamos a processar a informação de uma maneira mais verbal e conectada.
Essa ideia não é muito popular em alguns círculos, mas como alguns observadores como Tom Standage, do Economist, destacaram, quando você avalia a maneira pela qual ferramentas sociais, como o Twitter, o Facebook e os blogs, mudaram o panorama da mídia, parece bastante com o jeito que o mundo costumava funcionar antes do surgimento dos jornais – quando os cafés e as redes sociais do mundo real eram a principal maneira pela qual a informação era transmitida e checada de um lugar para outro. Há pessoas que alegam que a era dos meios de comunicação de massa foi uma anomalia histórica.
Mas o fundamental no discurso de Katharine é seu argumento sobre como tudo isso modifica (ou pelo menos deveria modificar) a natureza da relação de um jornalista com o que Jay Rosen e Dan Gillmorchamaram de “as pessoas que antigamente eram conhecidas como audiência”. “O jornalismo digital não trata de colocar uma matéria na internet. Trata de uma redefinição fundamental da relação do jornalista com sua audiência, de como pensamos sobre nossos leitores, da percepção que temos de nosso papel na sociedade, de nosso status. Deixamos de ser os jornalistas que tudo veem e tudo sabem, produzindo palavras a serem aceitas passivamente pelos leitores.”
Os benefícios do jornalismo aberto
Os benefícios de ser mais aberto às pessoas que costumavam ser a audiência, segundo Katharine, vão além das coisas meramente sentimentais, como estar mais conectado com os leitores ou fazer com que eles retuítem ou distribuam o seu conteúdo (função que, aparentemente, muitos veículos e jornalistas julgam ser a da rede social).
Essa abertura pode melhorar o seu jornalismo de várias maneiras:
** Muitas vezes, o leitor sabe mais do que você
A subeditora do Guardian dá como exemplo uma matéria sobre prospecção em águas profundas e como um Google Doc aberto permitiu que especialistas de vários campos contribuíssem com seu conhecimento sobre esse tema, uma abordagem que o jornal britânico faz melhor do que praticamente todo mundo.
**Com a abertura, vem a responsabilidade
Ao invés de tentar esconder os erros, o que muitos veículos tradicionais fazem, Katharine fala sobre uma matéria em que o jornal cometeu um erro e depois, além de corrigi-lo, publicou uma mensagem num blog discutindo-o. Os leitores disseram que isso realmente aumentou sua confiança no jornal.
**Ser aberto pode produzir furos
Pedir aos leitores que o ajudem torna mais provável que eles tragam informações que mudam uma matéria de maneira dramática, diz Katharine – como foi o caso da matéria que o Guardian fez em 2009 sobre a morte de um vendedor de jornais durante os protestos em Londres por ocasião da reunião do G20.
**Os paywalls são antiéticos para a rede aberta
Uma coisa que provavelmente não será uma surpresa é a opinião da subeditora do Guardian sobrepaywalls, uma vez que o jornal britânico é um dos que mais resistem quando se trata de cobrar dos leitores pelas notícias. Alguns críticos de mídia destacados, como David Carr, do New York Times, argumentaram que o jornal deveria desistir e juntar-se à brigada pró-paywall, mas Katharine coloca a questão dos paywalls no contexto do “jornalismo aberto”, do qual seu editor-chefe, Alan Rusbridger, fez a pedra angular da abordagem do jornal à internet: “Um paywall é uma resposta típica da ‘mentalidade de jornal’ – antes, os leitores pagavam pelo conteúdo; vamos fazê-los pagarem outra vez. Mas, do ponto de vista jornalístico, os paywalls são completamente antiéticos em relação à rede aberta. Um website compaywall não passa de um jornal impresso com outro formato, tornando muito mais difícil a colaboração com as pessoas que antes eram chamadas de audiência. Você não tem como usufruir dos benefícios da rede aberta se está escondido.”
Katharine prossegue, falando dos benefícios dos links, mesmo em relação aos concorrentes – algo que muitos veículos jornalísticos ainda não dominam –, assim como os desafios de transportar uma observação sobre uma matéria para a seção de comentários de um jornal, e como são poucos os jornalistas que o fazem bem. Foi um discurso fantástico e se você se preocupa com mídia, eu o incentivaria a lê-lo inteiro.
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Por Mathew Ingram: escreve sobre mídia no site GigaOM.
Tradução de Jô Amado, edição de Leticia Nunes. Informações de Mathew Ingram [“Going digital isn’t just an upgrade – it’s a complete transformation in the way journalism is done, GigaOM, 10/10/2013]
Artigo original do Comunica Tudo por M.A.D..
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