Acima de tudo, pouco disto chegará a ser política comunitária sem uma democracia europeia com eleição do executivo da União
Diz–se que um político português de primeira linha, no tempo em que andava nas juventudes partidárias, foi convidado a visitar a uma capital francófona para um encontro do movimento europeu. A certa altura, calhou-lhe fazer um discurso, soporífero como era seu hábito, e quando viu que o público estava aborrecido de morte, tentou dar um sobressalto às suas palavras , espetando o dedo no ar e gritando: “il faut résoudre le problème du fromage!”
Os ouvintes ficaram perplexos: o queijo?! o problema do queijo?! Qual é o problema do queijo e porque é necessário resolvê-lo? Só quando o bravo homem desceu do palanque foi possível resolver a confusão. Falando em francês, o nosso jovem político tinha querido dizer que era preciso resolver o problema do desemprego, e tinha misturado duas palavras, querendo dizer “chômage”, que significa desemprego, saiu-lhe “fromage”, que se está mesmo a ver que é queijo.
No fim de contas, não é vergonha: o discurso foi feito, e vinte anos depois ainda é lembrado.
E ficou a lição: quando o público estiver a adormecer, só há que esticar o dedo e gritar “há que resolver o problema do desemprego!”
Resulta sempre. Há um problema, e há que resolvê-lo. Quem pode ser contra? Mas o problema do “problema do queijo” é o “como”, e não o “para quê”.
Lembrei-me desta história ontem ao ouvir o presidente da República Francesa discursar no Parlamento Europeu. François Hollande começou forte, declarando que a crise não está resolvida enquanto não se resolver o problema de 27 milhões de desempregados na Europa, o problema dos jovens precários e desempregados, o problema da falta de um salário mínimo europeu e o problema da falta de pensões e subsídios de desemprego europeus.
François Hollande não se enganou, não só porque estava falando na sua língua materna, mas porque todos estes problemas são verdadeiros problemas, e há mesmo que resolvê-los.
Mas François Hollande não explicou o como: o fundo para o crescimento que foi a sua grande bandeira continua sem fundos, as políticas de coesão estão ameaçadas pelos cegos cortes orçamentais ao orçamento comunitário que certos estados-membros propõem e os direitos económicos e sociais precisam de ser reforçados nos tratados na próxima convenção. Acima de tudo, pouco disto chegará a ser política comunitária sem uma democracia europeia com eleição do executivo da União.
Claro que François Hollande não tem culpa de estar na minoria no Conselho, onde os governos socialistas não chegam sequer para contar os dedos de uma mão. Mas, além disso, a França tem um verdadeiro “problème du fromage”, na forma da Política Agrícola Comum (PAC), que beneficia desproporcionadamente os seus grandes agricultores. O governo francês defende as políticas de coesão só até ao ponto em que não aceita mexidas na PAC. O contrário dar-lhe-ia mais credibilidade e capital político.
Estarei a ser injusto, e não quero sê-lo demasiado. Foi bom ouvir um chefe de estado europeu que fala do desemprego, dos jovens e dos direitos económicos e sociais. Eu concordo com tudo o que ele disse. Mas sem mais dinheiro, sem democracia europeia e provavelmente sem novos tratados, sinto-me como se me tivessem espetado o dedo no ar e gritado: “il faut résoudre le problème du fromage!”
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