Por decisão unânime, a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF) vai investigar os crimes cometidos contra os povos indígenas pela ditadura militar. Estão na mira do órgão violações impostos aos suruís, obrigados a ajudar os militares a combater os guerrilheiros do Araguaia, e aos waimiri-atroari, dizimados para a construção das grandes obras que sustentavam o projeto desenvolvimentista do regime.
Por Najla Passos
Brasília - A 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF) vai investigar as denúncias de crimes cometidos contra os povos indígenas pela ditadura militar (1964-1986). A decisão unânime foi tomada em reunião do órgão colegiado realizada em 7/8, e publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 5/9. A base foi a entrevista “Houve extermínio sistemático de aldeias indígenas na ditadura”, concedida à Carta Maior pelo índio José Humberto Costa do Nascimento, o Tiuré Potiguara, em 2/8.
De acordo com a assessoria da 6ª Câmara, já estão em curso as investigações preliminares que, se comprovadas, subsidiarão a abertura de um inquérito civil. Na quinta (6), o órgão entrou em contato com Tiuré, que vive em uma pequena aldeia potiguara no litoral da Paraíba, para combinar a melhor forma de tomar seu depoimento. “Ainda bem que o MPF se interessou em investigar o assunto, porque até agora não tive retorno da Comissão Nacional da Verdade, onde me prontifiquei a depor”, afirmou ele.
Tiuré Potiguara ingressou nos quadros funcionais da Fundação Nacional do Índio (Funai) em 1970, com o sonho de se tornar um indigenista capaz de influir positivamente na melhoria das condições de vida dos índios brasileiros. Entretanto, ao tomar conhecimento da política de extermínio praticada pela ditadura, abandonou o órgão e passou a atuar na resistência indígena ao regime, em curso na região do Araguaia, palco de diversos conflitos.
Testemunha das mais diversas atrocidades cometidas contra os índios, Tiuré se tornou um dos muitos brasileiros perseguidos pela ditadura, conforme registrado nos arquivos do antigo Serviço Nacional de Inteligência (SNI), hoje aberto à consulta pública no Arquivo Nacional. Acabou conseguindo fugir para o Canadá, onde, após um longo processo investigatório, foi reconhecido como refugiado político.
Após 25 anos de exílio, voltou ao Brasil, em 2011, para lutar pelo seu reconhecimento como anistiado político e pelo reconhecimento de milhares de índios como vítimas da ditadura. Em especial o dos suruís, obrigados pelos militares a atuar no extermínio dos guerrilheiros do Araguaia.
Waimiri-atroari
O MPF vai contatar também o indigenista Porfírio Carvalho, com o objetivo de apurar as violações cometidas contra a etnia waimiri-atroari, denunciadas por Carta Maior na reportagem “Comissão Parlamentar da Verdade quer incluir índios na lista de vítimas da ditadura”, em 10/5. O ex-missionário e indigenista Egydio Schwade calcula que as investidas da ditadura contra o território waimiri-atroari, cobiçado para sediar grandes obras como hidrelétricas e estradas, tenham custado pelo menos duas mil vidas.
“A decisão do MPF é importantíssima porque se soma aos esforços que várias entidades vem fazendo para apurar esses crimes, até hoje desconhecidos da maioria dos brasileiros“, afirma Marcelo Zelic, coordenador da pesquisa “Povos indígenas e ditadura militar – subsídios para a CNV (1946-1988)”, que vem sendo feita em parceria pelo Tortura Nunca Mais de São Paulo, Juízes pela Democracia e Arquidiocese de São Paulo para embasar a Comissão Nacional da Verdade.
Segundo ele, a pesquisa, ainda em faze inicial, aponta para indícios da prática de crimes graves, como o extermínio de aldeias via fuzilamento, inoculação de doenças por roupa ou comida contaminada com doenças e lançamento de bananas de dinamite por aviões. Há também denúncias sobre existências de campos de concentração, centros de tortura e prisões ilegais.
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