Ultimamente tenho visto alguns interlocutores das “novas redes abertas” decretando o “fim do jornalismo” e o fortalecimento de “novas narrativas”, que teriam decretado o fim da mídia tal como a conhecemos.
Como muitos sabem, eu sou um dos maiores entusiastas das tecnologias de informação e comunicação abertas e horizontais — mas vamos tentar entender melhor isso.
O jornalismo é uma técnica de organização da informação que tem, no barato, na forma que o conhecemos, uns 300 anos. Sempre se renovando.
Para quem não lembra, o jornalismo é hoje uma das formas mais efetivas que conhecemos de receber informações precisas e relevantes: política, economia, cultura, sociedade em geral. Tente parar de consumir mídia, por um tempo, para entender melhor (não vale “Eu leio Internet”, onde grande parte das informações passaram pelo crivo de um produtor de informação).
Por ser a forma predominante, está também no centro do poder e é, portanto, uma narrativa disputada diariamente por quem deseja ter poder, dinheiro etc. Parte da imprensa comercial, por exemplo, fala sobre qualquer coisa, exceto sobre interesses contrários aos 6 ou 7 maiores anunciantes daquele meio, ou contra algum político que mantenha este mesmo meio politicamente.
No entanto, que eu saiba, o jornalismo — principalmente o tradicional, o comunitário, o alternativo e o independente — ainda é a nossa grande referência.
Por exemplo: quem cobra do poder público e privado denúncias de corrupção é quem trabalha sistematicamente com esse tema. Eu só fico sabendo dessas informações porque há profissionais chatos o suficientes para ficar na cola de políticos e empresários corruptos e nos informar sobre os desvios. Tenho amigos assim em todos os tipos de jornalismo, incluindo — pasmem — na mídia comercial. E não são poucos não.
Outro exemplo: Onde está o Amarildo e quem o matou? No barato, 80% da checagem sobre o caso vem de fontes tradicionais do jornalismo — vem de jornalistas profissionais e cidadãos-comunicadores! Porque são eles, no final das contas, que sistematicamente trabalham com a informação. Repórteres especiais, blogueiros, ativistas etc. E eles sempre fizeram isso, historicamente. Basta estudar a História da mídia (ou das mídias, ou da comunicação etc).
As novas narrativas são narrativas — dão evidências, inovam, são ótimas, porém não substituem o jornalismo.
Quantos meios de comunicação estão efetivamente na linha de frente das informações no campo da comunicação popular, por exemplo? Eu conheço de cabeça quatro: Brasil de Fato, Vírus Planetário, Jornal A Nova Democracia e Núcleo Piratininga NPC. Estes meios possuem profissionais e cidadãos que trabalham com informação e fazem disso sua vida.
Tem mais, claro. São dezenas de meios que, a seu modo, contribuem com etapas do processo de jornalismo. Mas é preciso deixar claro algo, mesmo que seja muito duro para muitos que não são da área: jornalismo é caro. Custa dinheiro. Tem que ter profissional/cidadão dedicado, estrutura pra trabalhar, equipamento, tempo para checar fontes e informações. Não é tanto assim, mas custa. Hoje em dia um empresário de um site de vendas pode comprar um jornal da grande mídia, por exemplo. A crise tá foda, mas ainda assim tem gente e estrutura aí.
É no mínimo curioso ver pessoas extremamente bem pagas, com seus contracheques garantidos pela estrutura de uma empresa ou do Estado, defender a precariedade de um setor que já sufoca em uma profunda crise, com dezenas de jornais sendo fechados anualmente em todo o mundo. Por que? Socialismo no dos outros é refresco, não é mesmo? A disputa política e social, no entanto, ocorre num ambiente que existe, a vida real, onde as pessoas têm que morar e criar filhos.
O fim do jornalismo — que eu não vejo como “constatação”, e sim como desejo mesmo — será o fim de toda uma organização social que busca promover maior transparência pública e, portanto, contribuir para a democracia. É por isso que os povos lutaram — e em parte conseguiram — por liberdade de expressão.
Uma organização como o Wikileaks só pôde sobreviver por tanto tempo porque existem países como a Suécia ou a Islândia, onde os servidores livres são intocáveis, conforme rezam as respectivas Constituições locais. A legislação sobre o tema tem mais de 200 anos na Suécia, por exemplo.
As novas narrativas em nada anulam o passado. É uma forma convivendo com a outra, como nos ensina a História.
Decretar o “Fim da História” a partir de uma ideologia liberal não é — espero eu — o desejo daqueles que, nas ruas, pedem por uma mídia mais democrática e cidadã. Esta fórmula já foi testada, e deu merda.
Dito isto, as novas narrativas estão aí para nos ensinar que um outro jornalismo pode ser possível, é desejável e em grande parte já está acontecendo. Jornalista que não vê isso tende a perder o bonde da História. De outro lado, novas narrativas sempre existiram e não representam necessariamente o novo (ou seja, o meio NÃO é a mensagem). O telégrafo, o rádio, a TV ou o email, por exemplo, não promoveram nenhuma revolução por si só, porém certamente tiveram influência nos processos sociais — tanto nos “conservadores” quanto nos “progressistas”.
Sem um olhar atento para o legado que as tecnologias nos deixou — incluindo as tecnologias sociais –, estamos fadados a repetidamente cometer novos velhos erros.
(Por Gustavo Barreto)
Artigo original do Comunica Tudo por M.A.D..
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