O já célebre vídeo da jovem aspirante a cineasta Carla Dauden contra a Copa do Mundo – uma espécie de manifesto de seis minutos em que existe muita revolta e pouco rigor jornalístico — incomoda por duas razões fundamentais.
A primeira é frívola: nós, brasileiros, nos sentimos feridos no orgulho ao ver uma sucessão de imagens de miséria.
Este sentimento é amplificado pelo inglês excelente no qual Carla se expressa – uma fluência adquirida nos Estados Unidos, onde ela vive já há alguns anos.
A segunda razão é muito mais profunda: a miséria que aparece no vídeo é real, e as questões que ela levanta são, quase todas, pertinentes, a despeito das imprecisões jornalísticas que têm sido notadas.
O vídeo despertou críticas principalmente entre os simpatizantes das administrações petistas – e isto é compreensível, em certa medida.
Repito: em certa medida.
Isso porque, por um lado, nunca houve tanta ação social por parte de Brasília como nos últimos dez anos, com a exceção da primeira gestão de Getúlio Vargas.
Mas, por outro lado, a velocidade das reformas sociais tem sido frustrante para quem quer ver um Brasil menos iníquo.
Pense nas pessoas removidas para as obras da Copa. Pense antes: no que aconteceu em Pinheirinho, há pouco mais de um ano. Pense nos índios. Pense nos favelados de Mané.
Que diferença fez, para todos estes brasileiros desvalidos, um governo de esquerda?
Alianças com o atraso do atraso – de Sarney a Maluf – travam enormemente o progresso social.
Sem elas não se governa, é a explicação mais frequente que se ouve.
Mas com elas o que se tem é insatisfatório, e uma hora as ruas mostrariam isso.
Daí a contribuição milionária da garotada do Movimento Passe Livre: por não ter vínculos com o PT, eles fizeram o que centrais sindicais e outros grupos sociais não fizeram.
Foram reclamar.
Depois a direita se aproveitou e tentou dar sua cara velhaca e oportunista aos protestos com a lengalenga da corrupção.
É um argumento ridículo quando você sabe que as grandes empresas de mídia sequer pagam os impostos devidos e abusam de marotagens como o expediente das Pessoas Jurídicas.
Mas ainda assim.
O MPL expôs o grande paradoxo nacional: uma administração popular que para obter governabilidade mantém quase que intocados os privilégios de uma casta que sempre usou o Estado como babá.
O que ficou claro, acima de tudo, é que se o ‘Acordão da Governabilidade’ serviu à velha elite política e econômica e ao PT, à sociedade ele acabou se tornando um fator irritante de lentidão em reformas sociais para as quais Lula e Dilma receberam dezenas de milhões de votos.
Uma hora o paradoxo daria no que deu.
Sob o calor das ruas, Dilma se mexeu.
Mas se das movimentações presidenciais não resultar uma nova estrutura política que diminua efetivamente as desigualdades sociais, as ruas brasileiras continuarão tomadas por protestos por muito tempo ainda.
E eles tenderão a ficar cada vez mais intensos.
(Publicado no DCM)
Artigo original do Comunica Tudo por M.A.D..
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