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Holanda pode provocar o colapso do euro
13 de Maio de 2013, 21:00 - sem comentários aindaA Holanda começa a provar o amargo da austeridade que o seu ministro das Finanças quer aplicar em toda a Europa. Foto By Rijksoverheid.nl [CC0], via Wikimedia Commons |
A bolha imobiliária estourou, o país está em recessão, o desemprego sobe e a dívida dos consumidores é 250% do rendimento disponível. O grande aliado da Alemanha na imposição da austeridade por todo o continente começa a provar o amargo da sua própria receita. Por Matthew Lynn, El Economista*
Que país da zona euro está mais endividado? Os gregos esbanjadores, com as suas generosas pensões estatais? Os cipriotas e os seus bancos repletos de dinheiro sujo russo? Os espanhóis tocados pela recessão ou os irlandeses em falência? Pois curiosamente são os holandeses sóbrios e responsáveis. A dívida dos consumidores nos Países Baixos atingiu 250% do rendimento disponível e é uma das mais altas do mundo. Em comparação, a Espanha nunca superou os 125%.
A Holanda é um dos países mais endividados do mundo. Está mergulhada na recessão e demonstra poucos sinais de estar a sair dela. A crise do euro arrasta-se há três anos e até agora só tinha infetado os países periféricos da moeda única. A Holanda, no entanto, é um membro central tanto da UE quanto do euro. Se não puder sobreviver na zona euro, estará tudo acabado.
O país sempre foi um dos mais prósperos e estáveis de Europa, além de um dos maiores defensores da UE. Foi membro fundador da união e um dos partidários mais entusiastas do lançamento da moeda única. Com uma economia rica, orientada para as exportações e um grande número de multinacionais de sucesso, supunha-se que tinha tudo a ganhar com a criação da economia única que nasceria com a introdução satisfatória do euro. Em vez disso, começou a interpretar um guião tristemente conhecido. Está a estourar do mesmo modo que a Irlanda, a Grécia e Portugal, salvo que o rastilho é um pouco mais longo.
Bolha imobiliária
Os juros baixos, que antes do mais respondem aos interesses da economia alemã, e a existência de muito capital barato criaram uma bolha imobiliária e a explosão da dívida. Desde o lançamento da moeda única até o pico do mercado, o preço da habitação na Holanda duplicou, convertendo-se num dos mercados mais sobreaquecidos do mundo. Agora explodiu estrondosamente. Os preços da habitação caem com a mesma velocidade que os da Flórida quando murchou o auge imobiliário americano.
Atualmente, os preços estão 16,6% mais baixos do que estavam no ponto mais alto da bolha de 2008, e a associação nacional de agentes imobiliários prevê outra queda de 7% este ano. A não ser que tenha comprado a sua casa no século passado, agora valerá menos do que pagou e inclusive menos ainda do que pediu emprestado por ela.
Por tudo isso, os holandeses afundam-se num mar de dívidas. A dívida dos lares está acima dos 250%, é maior ainda que a da Irlanda, e 2,5 vezes o nível da da Grécia. O governo já teve de resgatar um banco e, com preços da moradia em queda contínua, o mais provável é que o sigam muitos mais. Os bancos holandeses têm 650 mil milhões de euros pendentes num sector imobiliário que perde valor a toda a velocidade. Se há um facto demonstrado sobre os mercados financeiros é que quando os mercados imobiliários se afundam, o sistema financeiro não se faz esperar.
Profunda recessão
As agências de rating (que não costumam ser as primeiras a estar a par dos últimos acontecimentos) já se começam a dar conta. Em fevereiro, a Fitch rebaixou a qualificação estável da dívida holandesa, que continua com o seu triplo A, ainda que só por um fio. A agência culpou a queda dos preços da moradia, o aumento da dívida estatal e a estabilidade do sistema bancário (a mesma mistura tóxica de outros países da eurozona afetados pela crise).
A economia afundou-se na recessão. O desemprego aumenta e atinge máximos de há duas décadas. O total de desempregados duplicou em apenas dois anos, e em março a taxa de desemprego passou de 7,7% para 8,1% (uma taxa de aumento ainda mais rápida que a do Chipre). O FMI prevê que a economia vai encolher 0,5% em 2013, mas os prognósticos têm o mau costume de ser otimistas. O governo não cumpre os seus défices orçamentais, apesar de ter imposto medidas severas de austeridade em outubro. Como outros países da eurozona, a Holanda parece encerrada num círculo vicioso de desemprego em aumento e rendimentos fiscais em queda, o que conduz a ainda mais austeridade e a mais cortes e perda de emprego. Quando um país entra nesse comboio, custa muito a sair dele (sobretudo dentro das fronteiras do euro).
Até agora, a Holanda tinha sido o grande aliado da Alemanha na imposição da austeridade por todo o continente, como resposta aos problemas da moeda. Agora que a recessão se agrava, o apoio holandês a uma receita sem fim de cortes e recessão (e inclusive ao euro) começará a esfumar-se.
Os colapsos da zona euro ocorreram sempre na periferia da divisa. Eram países marginais e os seus problemas eram apresentados como acidentes, não como prova das falhas sistémicas da forma como a moeda foi estruturada. Os gregos gastavam demasiado. Os irlandeses deixaram que o seu mercado imobiliário se descontrolasse. Os italianos sempre tiveram demasiada dívida. Para os holandeses não há nenhuma desculpa: eles obedeceram a todas as regras.
Desde o início ficou claro que a crise do euro chegaria à sua fase terminal quando atingisse o centro. Muitos analistas supunham que seria a França e, ainda que França não esteja exatamente isenta de problemas (o desemprego cresce e o governo faz o que pode, retirando competitividade à economia), não deixa de continuar a ser um país rico. As suas dívidas serão altas mas não estão fora de controlo nem começaram a ameaçar a estabilidade do sistema bancário. A Holanda está a chegar a esse ponto.
Talvez se tenha de esperar um ano mais, talvez dois, mas a queda ganha ritmo e o sistema financeiro perde estabilidade a cada dia. A Holanda será o primeiro país central a estourar e isso significará demasiada crise para o euro.
Matthew Lynn é diretor executivo da consultora londrina Strategy Economics.
Publicado originalmente em El Economista, republicado em Jaque al Neoliberalismo.
Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net
Direito de Resposta ou Direito de tentar
12 de Maio de 2013, 21:00 - sem comentários ainda Há certo exagero na recepção festiva ao projeto que regulamenta o direito de resposta. É verdade que a viabilização da medida já representa uma vitória, dadas as circunstâncias. Mas não vejo avanços espetaculares rumo ao objetivo professado, de combater os abusos cometidos pela mídia corporativa.A omissão habitual do Judiciário não aproveita apenas o vácuo legal existente. Esse argumento valeria se os nobres juízes tivessem o hábito de punir a difamação e a calúnia segundo os dispositivos previstos no Código Civil. O fato é que as cortes tendem a favorecer os veículos jornalísticos poderosos, independente dos meios punitivos disponíveis. Padecimentos como o de Luis Nassif nos processos contra a Veja continuarão possíveis através de justificativas e artimanhas processuais convenientes.
Mas o próprio texto em vias de aprovação no Congresso me parece demasiado vago e ameno. A exclusão da “crítica inspirada pelo interesse público e a exposição de doutrina ou idéia” dos casos puníveis isenta manifestações formalmente opinativas e, no limite, qualquer material de autoria determinada. Há também uma lacuna grave acerca da entrevista e do depoimento, que substituem facilmente a responsabilidade editorial em acusações infundadas (“Fulano é ladrão, afirma Sicrano”).
A proporcionalidade da resposta ao dano causado e não ao espaço ou ao tempo da matéria que o envolvem permite que simples frases de rodapé e breves murmúrios “corrijam” ofensas aludidas em páginas inteiras e longos minutos maliciosos. Além disso, quando se autoriza a suspensão da pena imediata, como estratégia recursal, a punição fica postergada aos confins mitológicos da eternidade judiciária.
Convenhamos, direito de resposta subjetivo, irrisório e caduco não é exatamente um ideal de reparação justa para delitos que podem arruinar carreiras, famílias e até eleições. Comas emendas e supressões impostas ao projeto original, os grandes veículos ganham chances de fugir às eventuais condenações e recebem um pretexto para potencializarem os danos imediatos aos seus desafetos.
(Publicado por Guilherme Scalzilli)
Literatura histérica: vídeos mostram mulheres lendo e atingindo orgasmos
9 de Maio de 2013, 21:00 - sem comentários aindaLiteratura histérica ou uma série de vídeos mostrando mulheres lendo e atingindo orgasmos |
A ideia é do fotógrafo Clayton Cubitt mas rapidamente se espalhou, dando origem a algumas réplicas. Hysterical Literature é uma série de vídeos de mulheres lendo textos, com passagens eróticas ou não, ao mesmo tempo que são estimuladas por um vibrador. Atingindo o clímax, elas mostram “o dualismo entre o corpo e a mente”.
O fotógrafo responsável pela ideia diz que a série também pretendeu mostrar o contraste entre cultura e sexualidade, já que o orgasmo feminino ainda é criminalizado em algumas sociedades e religiões.
Assista os vídeos e tire suas próprias conclusões:
O fotógrafo responsável pela ideia diz que a série também pretendeu mostrar o contraste entre cultura e sexualidade, já que o orgasmo feminino ainda é criminalizado em algumas sociedades e religiões.
Assista os vídeos e tire suas próprias conclusões:
Rubem Braga no centro do mundo
9 de Maio de 2013, 21:00 - sem comentários aindaRubem Braga no centro do mundo |
São essas as questões que atravessam boa parte das reportagens enviadas por Braga do estrangeiro: ele faz uma recapitulação do feroz debate entre os intelectuais franceses a respeito do antissemitismo de Louis-Ferdinand Céline, então em vias de ser julgado como colaboracionista. Ouve Thomas Mann, em uma palestra, lamentar a ocupação alemã de Paris, ocorrida uma década antes. Também escuta Jean-Paul Sartre vaticinar que a guerra entre capitalismo e comunismo talvez não fosse mais evitável e que, quando o conflito explodisse, seria “difícil de terminar a não ser depois de muitos e muitos anos, quando a maior parte do mundo estiver reduzida a tal estado de miséria que ninguém saberá o que foi que venceu”.
Com bons contatos na cidade, como o artista Cícero Dias, o escritor Gilberto Amado ou o jornalista Louis Wiznitzer, Braga tem acesso aos personagens que formam o centro do panorama artístico de seu tempo, e não apenas na literatura. Fala com o escritor Georges Duhamel, participa de um encontro no café em que se reúnem os remanescentes do surrealismo liderados por André Breton, mas também conversa com Pablo Picasso, Marie Laurencin e Marc Chagall, grandes nomes das artes plásticas, e com o mímico e ator Jean-Louis Barrault e o cineasta Henri-Georges Clouzot. Neste ponto, é possível fazer uma observação sobre o trabalho editorial do volume: falta ao livro um trabalho mais sólido de contextualização de alguns pontos levantados nas entrevistas. Clouzot, por exemplo, declara a Braga, entusiasmado, seu plano de ir ao Brasil para fazer um filme. O cineasta havia recém casado com Vera Amado, filha do já mencionado Gilberto Amado, e planejava levar uma equipe de filmagem ao Brasil para rodar lá um documentário sobre o país de sua mulher. Não seria mal uma nota ou algo semelhante dando conta dos acontecimentos posteriores – Clouzot de fato veio ao Brasil, mas teve problemas (que surpresa) com as tacanhas autoridades nacionais por estar muito interessado em filmar a pobreza do país em vez de suas belezas naturais. A produção do documentário se estendeu demais, os custos foram à Lua e o filme jamais foi finalizado, o que poderia ter sido informado no livro.
Outro ponto que chama a atenção é como estes textos de Braga, para além da qualidade estética que de fato apresentam, traem também o provincianismo autocentrado da vida cultural no Rio de Janeiro de então.Em uma das visitas que relata, Braga ouve Duhamel dizer que, mesmo com a produção ficcional intensa, faz questão de escrever artigos para imprensa como forma de ampliar seu público.“Fiz um cálculo: meus artigos atingem cerca de quatro milhões de pessoas. Espero que muitas dessas pessoas me leiam e pensem no que escrevo.” Pois Braga parece ter a noção oposta. Ao enviar artigos periódicos para dois grandes jornais da Capital Federal, com um suposto grande número de leitores, portanto, Braga se compraz em comparar seus entrevistados a artistas brasileiros de seu grupo mais próximo, como se escrevesse – e talvez o fizesse – para seus amigos. Jean Cocteau “parece um pouco com Sérgio Milliet” ou com “um Olegário Mariano desidratado”. Jacques Prévert lhe recorda “um irmão mais moço de Jayme Ovalle”. Sartre se apresenta a seus olhos como um Portinari “mais forte e mais rústico”.
Essa insistência na piada interna não deixa de ser a outra face do elemento de maior interesse do livro: o fato de que nestes textos Braga é menos um repórter ou correspondente jornalístico strictu sensu, e sim um escritor, o cronista que logo se tornaria o maior do Brasil narrando não “entrevistas”, mas “visitas” a seus pares. Não é um livro de entrevistas com personalidades. É, antes, uma visão pessoal de um mundo no qual Braga circulava com a segurança de quem a ele pertencia.
ELES POR ELE:
PABLO PICASSO
“Pede notícias do casal amigo, faz-me sentar, e quer saber se pinto ou desenho, quando cheguei etc. Está, como eu, de short e sapato - tênis e uma camisa esporte. É um pouco mais baixo do que eu esperava, retaco, musculoso e belo, com sua grande cabeça bronzeada. Sei que vai fazer neste verão 69 anos – e eu não lhe daria mais de 54. Conheço bem e tenho prazer em ver pessoalmente essa bela cabeça de homem à qual todas as marcas da passagem do tempo só fizeram ajuntar energia e firmeza...”
MARIE LAURENCIN
“Reparo em sua cabeça, sob os cabelos brancos. Deve ter tido certo encanto em moça, com esses olhos vivos, a pele rosada; hoje se parece com a minha concierge. Apesar de tudo é simpática, e quando o marchand Barreiros aparece e lhe pergunta se é verdade que ela vai se casar, tem um sorriso quase de jeune fille antes de dizer e explicar que não, mas é verdade que tempos atrás um grande cirurgião a pediu em casamento. Uma de suas amigas presentes conta a história.”
THOMAS MANN
“Todo vestido de preto, com gestos sóbrios, Thomas Mann começou a falar: ‘Sofri profundamente quando, há dez anos, a Alemanha celebrou sua miserável vitória sobre a França’. Mas advertiu, a certa altura, falando do seu livro: ‘A tendência pactuar com o demônio, da qual muito se falou a propósito de Fausto, não se limita à Alemanha.’ E depois: ‘Nunca fui e nunca serei um homem de partido. Cada homem que atiça o ódio deve sempre pensar que está apressando a catástrofe.’”
JEAN-PAUL SARTRE
“À primeira vista, o dono da casa lembra Portinari; um Portinari que fosse mais forte e mais rústico. Esse parisiense que deriva da Borgonha e da Alsácia tem alguma coisa de camponês do Norte. É vermelho, tem a pele grosseira e os cabelos cor de palha suja. Os pedaços de costeleta que passam sob os ganchos dos óculos já embranqueceram. É impossível saber se está falando com Roberto Assumpção ou comigo, pois cada olho verde fixa um de nós, formando um ângulo de 45 graus.”
(Publicado no Mundo Livro)
A desnacionalização das faculdades
9 de Maio de 2013, 21:00 - sem comentários ainda Um negócio de R$ 12 bilhões, com um milhão de “clientes” e um faturamento de mais de R$ 4 bilhões por ano. Os números surpreendentes são os resultados da fusão entre os grupos educacionais Kroton e Anhanguera, anunciada em 22 de abril.Juntas, elas serão a maior companhia do mundo no setor de educação em valor de mercado. Serão mais de 800 unidades de ensino superior e 810 escolas associadas em todos os estados, somando cerca de um milhão de alunos em educação superior, profissional e outras atividades associadas ao ensino.
A operação aguarda aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Apesar de tratada como fusão, a Kroton deverá predominar. Com um valor de mercado maior, a companhia terá 57,5% do controle, sete dos 13 assentos do conselho e a direção de Ricardo Galindo, atual presidente do grupo.
O mercado efervesceu com a notícia. No dia do anúncio da fusão, os papéis da Kroton fecharam em alta de 8,39% e os da Anhanguera, em 7,76%. Já se especula que outros conglomerados possam realizar operações semelhantes para enfrentar o “gigante da educação”, como vem sendo chamada a nova companhia.
“Cartelização”
A fusão, por outro lado, não foi bem recebida por entidades sindicais, estudantis e especialistas em educação. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) já anunciou que ingressará no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação direta de inconstitucionalidade contra a operação.
Além disso, acionará o Cade para impedir a realização do negócio que, segundo a entidade, promove uma “cartelização” no setor. Com a junção, Kroton e Anhanguera terão cerca de 15% do total de alunos de nível superior do país.
Para o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Romualdo Portela de Oliveira, a presença do novo grupo deverá resultar em um oligopólio no mercado. “É de se esperar que o efeito sistêmico se amplie, do tipo abalar as instituições mais frágeis e começar a acentuar um processo de oligopolização”, afirma.
A origem do capital também preocupa. A coordenadora-geral da Contee, Madalena Guasco Peixoto, lembra que os recursos que financiam essas negociações não são provenientes de instituições internacionais de ensino, e sim de agentes que esperam lucratividade. “Esse pessoal é do capital financeiro aberto, especulativo. Eles não têm o mínimo interesse com a qualidade da educação”, adverte.
Quem é quem
No setor de educação há mais de 40 anos, o Grupo Kroton atua em diferentes estados. Algumas de suas marcas mais conhecidas são a Faculdade Pitágoras e a Universidade Norte do Paraná (Unopar), especializada em ensino à distância.
Em 2007, a Kroton abriu seu capital na Bolsa de Valores, mas atraía pouca atenção dos investidores. A situação mudou em 2009, com a entrada da Advent, um fundo internacional de private equity (que compra participação em empresas) dos Estados Unidos. A partir daí, seu valor de mercado saltou de R$ 400 milhões para quase R$ 7 bilhões. No Brasil, a Advent também é acionista de empresas de alimentação e construção civil.
A Anhanguera Educacional é mais presente nos estados do Sul e em São Paulo. Em 2011, a empresa comprou a Universidade Bandeirante de São Paulo (Uniban) por R$ 510 milhões. Um dos controladores da Anhanguera é o Fundo de Educação Para O Brasil – Fundo de Investimento em Participações, administrado pelo Banco Pátria.
O perfil dos investidores é semelhante em outras grandes instituições. A Estácio de Sá, por exemplo, tem a GP Investments como principal acionista. Já a Anhembi Morumbi, de São Paulo, é 100% controlada pela rede estadunidense de ensino superior Laureate, que tem entre seus sócios o fundo de investimento KKR, também dos Estados Unidos.
“Há um processo de financeirização e, mais do que isso, uma desnacionalização do ensino”, aponta o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Daniel Illiescu.
Ele estima que, atualmente, metade dos estudantes de faculdades privadas do país esteja vinculada a uma escola controlada por grupos internacionais.
Mercantilização
O interesse do capital especulativo sobre as faculdades privadas, para o professor do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Gaudêncio Frigotto, é uma evidência de que a educação virou um bem de consumo. “A educação já não é tida como um direito, mas é tratada como um serviço e uma mercadoria sobre o qual se negocia”, diz.
O processo de mercantilização da educação no Brasil seguiu a corrente da lógica privatista neoliberal. Na década de 90, o governo federal concedeu incentivos para que as faculdades deixassem de ser geridas por fundações e se transformassem em empresas. A partir dos anos 2000, os grupos econômicos começaram a abrir seu capital na Bolsa, atraindo investimentos estrangeiros.
De acordo com o professor Romualdo Portela de Oliveira, alguns fatores contribuíram para aumentar o interesse dos especuladores sobre o país nesse período. Um deles foi o aumento das taxas de conclusão do Ensino Médio, que possibilita um número maior de matrículas no ensino superior.
Outros pontos foram o aumento da renda média das famílias e incentivos governamentais como o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Financiamento Estudantil, o Fies. “É um mercado muito promissor para o setor privado lucrativo”, explica.
Não por acaso, a Kroton e Anhanguera têm seu foco sobre as classes C e D, consideradas o grande filão do mercado. A mercantilização, porém, tem ido muito além das faculdades.
Gaudêncio Frigotto lembra que quase todas as editoras didáticas nacionais já foram compradas por grupos estrangeiros, e uma série de fundações de empresas privadas estabelece cada vez mais convênios com o poder público na área do ensino. “É o capital do mundo entrando no quintal do Brasil”, diz o professor.
Negócios à parte, quem fica prejudicada é a qualidade do ensino. Para a 1º vice- presidente regional do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) em São Paulo, Ana Maria Ramos Estevão, a ideologia mercantilista de ensino terá reflexos sobre a formação dos jovens. “Como a preocupação fundamental é com o lucro, e não com a produção de conhecimento, vão oferecer uma educação voltada para o mercado”, afirma.
Precariedade
As faculdades comandadas por grupos estrangeiros são alvo de uma série de denúncias de irregularidades. Ana Maria conta que o Andes-SN recebe, diariamente, notícias de professores que são demitidos depois de obterem sua titulação de mestrado ou doutorado, o que os qualificaria a receber um salário maior. Foi o que ocorreu quando a Anhanguera comprou a Uniban. Centenas de professores foram dispensados, causando revolta entre os alunos.
Também é comum que as instituições demitam os docentes depois de os cursos obterem reconhecimento junto ao Ministério da Educação (MEC). “Terminou o reconhecimento, mandam todo mundo embora e contratam gente que nem tem especialização, só graduação”, relata Ana Maria.
Existe ainda o chamado “rodízio” de profissionais – que ocorre quando um mesmo professor é enviado para trabalhar em várias unidades, às vezes em municípios diferentes. O objetivo da manobra é fazer com que todos os locais da instituição tenham, no papel, o número mínimo de docentes exigidos pelo MEC. A infra-estrutura também deixa a desejar, com falta de bibliotecas e laboratórios. Em vez disso, as faculdades se apoiam cada vez mais no Ensino á Distância (EaD).
De acordo com a Portaria 4.059/04 do Ministério da Educação, até 20% do curso presencial de graduação pode ser realizado por meio de atividades desse tipo. Segundo o presidente da Federação dos Professores do Estado de São Paulo (Fepesp), Celso Napolitano, é mais uma forma de as faculdades reduzirem custos. “A Anhanguera não tem aula nas sextas. Com isso economizam 20% da folha de pagamento. Isso acontece como um todo no ensino particular privado”, afirma.
O tratamento dispensado aos alunos é outro ponto problemático. Além de dificuldades em dialogar com as direções, o presidente da União Nacional dos Estudantes relata que as faculdades mantêm a prática de “catracar” os estudantes inadimplentes, impedindo-os de acessar as dependências da faculdade. “São medidas que colocam o lucro à frente do direito do estudante de entrar na faculdade”, pontua Daniel Illiescu.
Regulamentação
Com a concentração do setor, a tendência é de que as condições de estudantes e trabalhadores sejam ainda mais precarizadas. Segundo o deputado federal Ivan Valente (Psol-SP), a Comissão de Educação da Câmara promoverá uma audiência pública para debater a fusão entre a Kroton e a Anhanguera e a participação de capital internacional na educação brasileira.
Valente é autor do Projeto de Lei nº 2.138/2003, que proíbe a entrada de capital estrangeiro nas instituições educacionais brasileiras. A matéria, no entanto, encontra dificuldades para seguir adiante. “[O projeto] está tramitando na Casa sempre com parecer contrário, dado por deputados ligados ao lobby das empresas particulares que financiam as suas campanhas”, explica o deputado.
A falta de regulação no setor privado de ensino é apontada como uma facilidade para atuação dos grupos internacionais. O projeto de Reforma Universitária proposto pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva limitava em até 30% a participação de capital estrangeiro. No entanto, a proposta também esbarrou em interesses contrários.
Para Madalena Guasco Peixoto, da Contee, é preciso que o Estado assuma seu papel de fiscalizar e regular a atuação das faculdades privadas. Nesse sentido, a tarefa mais urgente é impedir a concretização do negócio entre a Kroton e a Anhanguera. “É da responsabilidade do Estado impedir isso porque, no dia em que não tiverem mais interesse em ganhar dinheiro com ações de instituições educacionais, vão deixar para o Estado brasileiro um milhão de estudantes sem instituição”, adverte.
(Publicado por Pátria Latina)