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As rapidinhas do Sr Comunica - diferentes natais
25 de Dezembro de 2012, 22:00 - sem comentários ainda2 - Um presépio de Natal, com bonecos vestidos com roupas de frio, cachecol e gorro, em pleno solo carioca, deixou-me especialmente perplexo hoje.
3 - A onda de violência na Síria está próxima de completar dois anos, com dezenas de milhares de pessoas assassinadas. Nada pode explicar tanta brutalidade.
4 - Uma índia da capital fluminense foi estuprada neste período natalino. O estuprador? Um segurança. É muita violência contra um povo que ainda luta para manter em pé um prédio histórico, já que desejam derrubá-lo para transformar em um estacionamento para o estádio do Maracanã.
5 - Uma criança foi atingida por uma bala perdida no Rio de Janeiro. Passou mais de 8 horas aguardando atendimento num hospital municipal de nosso prefeito olímpico Eduardo Paes. Cariocas compreendem o significado da palavra 'maratona'.
6 - Neste fim de semana precisei sair duas vezes para mínimas compras. O que mais me assustou foi a reação das pessoas em pleno Natal, furando filas, brigando, empurrando e no trânsito todos dirigiam ensandecidos. Não desfilavam o menor respeito e ainda afrontavam quando olhados. Tudo para na noite natalina rezar um Pai Nosso, entupir a barriga, encher a cara e soltar muitos rojões (tradição carioca).
7 - Boas festas para todos.
O que podemos aprender com hippies e punks
25 de Dezembro de 2012, 22:00 - sem comentários ainda
Absorvidos aparentemente pelo mercado, eles retornaram pela atualidade de sua crítica radical ao consumismo e desejo de produzir com autonomia
Por Rafael Azzi
Atualmente há um determinado tipo de ideologia que conquistou grande parte da sociedade. Essa ideologia vem gerando consequências como prejuízo à saúde dos indivíduos, aumento da desigualdade social e degradação do meio ambiente. Trata-se de uma ideia sedutora e perigosa que hoje está mais difundida no mundo do que qualquer religião ou outra forma de pensamento. Essa ideologia é o consumismo.
Nenhuma sociedade sobrevive sem algum tipo de relação entre produção e consumo. O consumismo não é o mero incentivo ao consumo; é o pensamento de que uma vida boa e feliz depende inteiramente da quantidade de bens materiais que se pode consumir. Ao nível dos países, é a ideia de que o bem estar de uma nação deve ser medido apenas pelos números de produção e consumo de bens. Nesse contexto, o principal papel do Estado seria estimular a população para que consuma cada vez mais. Para o consumismo, o sucesso de uma sociedade ou de um indivíduo é medido simplesmente pela quantidade de produtos consumidos.
Essas noções estão de tal forma naturalizadas no imaginário coletivo que causa estranhamento demonstrar que elas representam uma ideologia cuja origem pode ser investigada à luz da história recente da sociedade ocidental.
No campo das ideias, o primeiro estímulo para o desenvolvimento da economia de consumo foi dado pelo escocês Adam Smith. Em 1776, o economista publicou o texto A riqueza das nações, no qual defendia que o verdadeiro progresso econômico ocorre quando os indivíduos são livres para buscar os próprios interesses. Assim, quando todos agem de forma egoísta, a sociedade como um todo se beneficia. Cabe ao Estado interferir o menos possível nessa dinâmica e apenas deixar que as pessoas invistam livremente em seus interesses individuais. Surge então a teoria que sustenta, até hoje, a essência do capitalismo.
Logo, as inovações técnicas da Revolução Industrial permitiram que um grande número de pessoas tivesse acesso a bens materiais que estavam nas mãos da elite. O princípio de democratização do consumo foi levado adiante por Henry Ford que, ao criar sua companhia, em 1901, tinha como objetivo que todas as classes pudessem adquirir um carro, até então um artigo de luxo. Ford realizou seu desejo em 1908, com o lançamento do primeiro Modelo T, um automóvel resistente, barato, simples de dirigir e fácil de consertar.
O industrial pretendia que seu carro popular fosse feito para durar e se preocupava em não fazer melhorias que tornassem o modelo anterior obsoleto. Graças ao desenvolvimento da linha de montagem e da escala de produção, Ford conseguiu baratear cada vez mais o preço de seu Modelo T, que passou de US$950, em 1909, para US$290, em 1924.
Devido ao desenvolvimento da linha de montagem, produtos industrializados mais complexos como os carros e os eletrodomésticos deixaram de ser privilégio e se tornaram acessíveis para muitos. As famílias médias norte-americanas logo possuíam bens materiais em abundância, destinados às mais diversas ações. As empresas, movidas por questões econômicas, mudariam radicalmente a visão e o papel do consumo na sociedade.
Durante a década de 1920, percebendo que logo poderiam ter um excesso de produção, as empresas resolveram investir no aumento da demanda. A solução seria fazer com que as pessoas quisessem comprar coisas novas mesmo que as coisas antigas ainda estivessem funcionando. Acabava a era do consumo que servia para suprir as necessidades. A criação e o constante estímulo à aquisição de bens materiais se tornariam ações centrais no desenvolvimento da sociedade. A chave para a prosperidade econômica era a criação organizada da insatisfação, pois se todos estivessem satisfeitos ninguém teria interesse em comprar coisas novas. A insatisfação social seria organizada de duas maneiras: a obsolescência dos produtos e a propaganda.
A obsolescência dos produtos faz parte de uma estratégia de mercado que pretende manter o consumo constante fazendo com que os produtos parem de funcionar (obsolescência programada) ou tornem-se obsoletos em pouco tempo (obsolescência percebida), tendo que ser substituídos.
A obsolescência programada consiste em simplesmente reduzir a vida útil do produto, fazendo com que ele funcione cada vez menos tempo. Esse tipo de obsolescência teve início com as lâmpadas elétricas. Em 1924, as lâmpadas duravam cerca de 2.500 horas, enquanto que em 1940 o padrão já havia sido reduzido para 1.000 horas.
No que se refere à obsolescência percebida, trata-se da essência da política das empresas contemporâneas: lançamentos no mercado de novos modelos com mínimas atualizações, apenas com o objetivo de tornar obsoletos os produtos anteriores. Assim, os consumidores sentiriam a necessidade de se manter sempre atualizados com bens de última geração, descartando produtos antigos, ainda que estejam em funcionamento.
Hoje, tais estratégias comerciais, iniciadas na primeira metade do século 20, chegaram ao extremo, sobretudo em relação aos bens tecnológicos. Aparelhos de telefonia móvel são produzidos para serem trocados, em média, a cada ano. Um exemplo tradicional de obsolescência percebida é o Ipod: lançado em 2001, o aparelhinho já havia passado por seis “gerações” em 2009, levando-se em conta apenas o modelo “clássico”. Se incluirmos as variações do mesmo produto, como o Shuffle, o Nano, o Mini e o Touch, são impressionantes 24 modelos de um mesmo produto, tudo isso em apenas 11 anos. Além disso, a bateria do primeiro modelo deIpod era produzida para durar apenas um ano; depois desse período, o consumidor seria obrigado a comprar um novo produto, pois o aparelho era produzido de uma forma que praticamente impossibilitava a reposição de bateria.
De forma ampla, essas práticas comerciais aumentaram de forma drástica a demanda por recursos naturais e aceleraram a produção de lixo. Cada vez mais computadores, celulares e eletrodomésticos, ainda em pleno funcionamento, são descartados. A obsolescência dos produtos aumentou a demanda; mas isso ainda não era suficiente para as empresas, pois o consumidor não possuía a autonomia de escolher quando se atualizar. A solução seria encontrar uma forma de aumentar a insatisfação e estimular os desejos de consumo. Surgem então as técnicas de controle e de manipulação das massas desenvolvidas a partir das teorias psicanalíticas de Freud sobre o ser humano.
Eleito pela revista Time um dos norte-americanos mais influentes do século 20, Edward Bernays foi o criador da propaganda moderna. Ele utilizou as ideias de seu tio, Sigmund Freud, para manipular as emoções e os desejos das massas. Bernays acreditava que ao conhecer as motivações das pessoas, seria possível influenciar seu comportamento sem que elas se dessem conta disso. Ao vincular bens materiais a desejos inconscientes, Bernays ensinou às indústrias como fazer as pessoas desejarem algo de que não precisam de fato. A propaganda não se limitaria mais a apresentar o produto e a informar sobre suas qualidades. Agora, a publicidade teria o objetivo de influenciar a audiência, produzindo respostas emocionais e não racionais aos produtos. Nesse momento, surge a noção de consumismo como é compreendida atualmente, tornando-se uma forma de explorar mentes, emoções e identidades das pessoas.Medos e inseguranças são manipulados de modo a serem traduzidos em desejos de produtos materiais, e a sociedade é então condicionada a desejar sempre além.
Para aumentar o desejo das pessoas, o consumismo instiga as inseguranças e as carências emocionais, gerando cada vez mais ansiedade e depressão nos indivíduos. Tal fato ocorre pois a propaganda na cultura consumista é baseada em uma falsa promessa de felicidade. Os bens materiais são vendidos como uma forma de suprir carências que não são do âmbito material. Estimula-se a busca da solução de problemas emocionais através da aquisição de produtos comerciais. A propaganda vende a ideia de que mais produtos nos farão mais amados, mais estimados, mais felizes e mais valorizados. A verdade é que, quanto mais tempo o indivíduo gasta focado na aquisição dos bens, menos tempo ele possui para cultivar vínculos afetivos com a família, os amigos e a comunidade.
A dinâmica “mais produtos = menos vínculos” não foi pensada ao acaso. Bernays acreditava que as massas eram irracionais e perigosas e que deveriam ser controladas. Para ele, a democracia sem o controle da população configurava um fator de risco para a estabilidade social. Nesse sentido, seu método de propaganda buscava manter as massas ocupadas em busca da felicidade através de bens materiais. Quanto mais o consumismo é estimulado, menos as pessoas se interessam pela participação ativa na política. Na cultura consumista, as pessoas são induzidas a acreditar que a felicidade não depende do Estado ou da sociedade, mas dos produtos criados pelas empresas. O cidadão que busca a realização pessoal através da participação política transforma-se no consumidor que passivamente aguarda as empresas realizarem seus desejos. A liberdade política torna-se então a liberdade de consumir. Dessa forma, a combinação de democracia e consumismo é a fórmula perfeita para manter o povo longe do poder e preservar o status quo.
Além da apatia política, a cultura consumista estimula o egoísmo, a inveja e promove a desagregação social. Em uma sociedade baseada no consumismo, não basta ter o suficiente para viver bem; o consumismo é comparativo. Assim, manipula-se o desejo a fim de possuir mais do que o outro: mais do que o vizinho, mais do que o colega de trabalho, mais do que as pessoas que aparecem nas mídias sociais e tradicionais. Isso gera uma infinita insatisfação e um ciclo de consumo cada vez em proporções maiores. As pessoas tornam-se isoladas, centradas nos próprios desejos; e, por sua vez, a sociedade é construída de forma mais fragmentada.
O consumo tem se consolidado como o objetivo central da vida pessoal, arregimentando as esferas do lazer, da cultura, da vida social e familiar. Os shoppings estabeleceram-se como novos templos de dedicados súditos, espaços nos quais as pessoas reúnem-se, consomem e passam seu tempo livre. Entretanto, deve-se observar que, ao contrário dos antigos templos e das praças públicas, nos shoppings a vida social se empobrece e é reduzida ao simples ato solitário de comprar.
Porém, o consumismo nem sempre triunfou sem oposição. Algumas vozes dissonantes surgiram no decorrer do século 20. Dentre elas, as mais expressivas estão ligadas à cultura hippie nos anos 60, e do movimento punk, nos anos 70.
A cultura hippie floresceu nos anos 1960 nos EUA, epicentro do consumismo. Os hippies rejeitavam as hierarquias e as instituições estabelecidas, contestavam os valores da classe média, opunham-se às armas nucleares e à guerra e eram comumente vegetarianos. Eles utilizavam-se de artes alternativas como o teatro de rua e o rock psicodélico para expressar suas ideias e valores. Opondo-se à política tradicional, cultivavam ideias não doutrinárias e libertárias em favor da paz, do amor e da vida em comunidade.
Desiludidos pela sociedade moderna extremante individualista, egoísta e competitiva, decidiram viver em comunidades próprias e independentes, adotando um estilo de vida coletivo que estimulava a cooperação e a comunhão com a natureza. Nessas comunidades, as decisões são consideradas coletivamente, não havendo hierarquias, e todos os participantes exercem alguma função. Adota-se como prática o cultivo dos próprios alimentos e o comércio ocorre entre os moradores através da troca ou da permuta.
Já a cultura punk surgiu nos anos 70 nos EUA e na Inglaterra. Ela se caracteriza por ser um movimento extremamente urbano que, de forma ampla, defende uma visão anarquista centrada na autonomia do indivíduo, opondo-se à mídia tradicional, ao Estado, às instituições religiosas e às grandes corporações capitalistas.
A primeira manifestação cultural do punk foi no âmbito musical. O punk rock surge como a retomada de um estilo autêntico, no qual o mais importante é a expressão individual, pois os membros estavam profundamente decepcionados com a cena do rock que, na época, se mostrava vinculada à grande indústria da música. Oshowbizz americano e inglês tinha como preocupação produzir estrelas e divulgá-las em grandes shows, criando artistas que, na visão dos punks, careciam de autenticidade. Assim, a cultura punk começou a produzir músicas curtas e bastante simples, tocadas com pouco mais do que três acordes, sendo facilmente reproduzidas por qualquer pessoa sem formação musical. Essa concepção musical tinha como objetivo instigar outros jovens a criar suas próprias bandas. Surgia então uma grande expressão do anticonsumismo: a cultura do “faça você mesmo” (do inglês do it yourself – DIY).
O princípio do “faça você mesmo” relaciona-se ao questionamento tanto da necessidade de comprar coisas quanto dos processos existentes que impulsionam a dependência do indivíduo às estruturas sociais vigentes. De acordo com a cultura punk, os indivíduos podem se expressar e produzir trabalhos sérios, ainda que com recursos limitados. As bandas punks gravavam suas próprias músicas, produziam e distribuíam os álbuns, e se apresentavam em garagens ou em porões, evitando o controle das grandes corporações e assegurando a liberdade de suas performances. Suas ideias circulavam através de fanzines, isto é, publicações caseiras realizadas, editadas e distribuídas por fãs.
Aparentemente, esses dois movimentos culturais perderam a força inicial após alguns anos, tendo sido, de certa forma, assimilados pela moda e pela sociedade consumista, ainda que isso soe paradoxal. Entretanto, pode-se afirmar que suas ideias demonstravam força suficiente para, cinquenta anos depois, ressurgirem como uma possibilidade alternativa à atual cultura de consumo.
Na verdade, longe de estarem esquecidos, muitos desses valores permanecem na nossa cultura em áreas inusitadas. É possível afirmar que a contracultura dos anos 60 promoveu o desenvolvimento do computador pessoal e a organização da internet. A concepção de uma grande rede mundial sem fronteiras, sem qualquer autoridade central, na qual indivíduos são livres para compartilhar informações, deve-se à influência hippie da cultura americana. Os valores hippies baseados nas ideias de comunhão e de colaboração mostram-se cada vez mais presentes no mundo virtual e tecnológico. Exemplo disso são os sites de construção coletiva estilowiki; bem como os softwares livres e de código aberto, nos quais todos podem contribuir livremente e de forma espontânea para o desenvolvimento, o compartilhamento, a edição e a difusão de ideias e de conhecimento.
Na sociedade contemporânea, a internet permite o compartilhamento de ideias, tornando-se um instrumento capaz de estimular novas formas de consumo e de conexão entre as pessoas. A noção de consumo colaborativo vem crescendo em meio à troca de ideias, pondo em cena práticas alternativas que envolvem trocar, emprestar, reusar e revender objetos. Torna-se cada vez mais comum grupos que se organizam e se reúnem a fim de trocar roupas, brinquedos e livros; planejando caronas; compartilhando carros e aparelhos eletrônicos; praticando a permuta de serviços; fazendo uso do sistema de book crossing ou couchsurfing. As atividades são realizadas e negociadas diretamente entre as pessoas, estimulando os laços de comunidade e permitindo viver bem com menos dinheiro. Em tais práticas, o indivíduo é valorizado pelo modo como interage com a comunidade, marcando o surgimento de um novo tipo de capital: o capital social.
O movimento do “faça você mesmo” hoje é mais presente do que nunca. Através de vídeos e aulas pela internet, na rede é possível ter acesso a possibilidades infinitas de aprender a produzir e a divulgar suas próprias realizações, fugindo da cultura passiva consumista e buscando a realização pessoal de forma ativa. Hoje pode-se plantar vegetais em casa, fazer cerveja caseira, costurar as próprias roupas e até mesmo produzir objetos manufaturados. A produção pode ser individual ou coletiva, e os objetos podem ser feitos para o próprio consumo ou para a venda, pois o século 21 aumentou a produtividade da produção de pequena escala. Pode-se exercitar a criatividade, desenvolver novas habilidades e talentos e a criatividade em novas formas de produzir bens de consumo. A ética do “faça você mesmo” dá poder aos indivíduos e às comunidades, encorajando o emprego de abordagens alternativas para a solução de problemas.
Assim, observa-se que a sociedade consumista enfraquece os laços sociais, estimula o individualismo, e retira a autonomia dos indivíduos, que se tornam consumidores passivos, cujo único poder é a escolha entre a marca A ou a marca B. Em contrapartida, a cultura hippie e seus ideais fortalecem a ideia de coletividade e de colaboração. O princípio do “faça você mesmo” estimula a autonomia, dá poder e liberdade aos indivíduos.
Um novo modelo cultural pode entrar em cena, criado à luz de ações que priorizam a partilha de produtos e de conhecimentos, a produção de bens de consumo, e o comprometimento crítico por seu modo de vida, a fim de consolidar conexões sociais e comunitárias. Meio século depois do surgimento dos hippies, eles e os punks são mais atuais que nunca: já temos todas as ferramentas que possibilitam promover de uma sociedade mais feliz, socialmente mais justa e ecologicamente sustentável, bem como o desenvolvimento de uma economia de abordagem essencialmente humana, e não simplesmente monetária. Teremos coragem para usá-los?
Brasil dobra número de prisões em 2012
25 de Dezembro de 2012, 22:00 - sem comentários ainda
País mandou para a cadeia, somente no primeiro semestre deste ano, o dobro das pessoas encarceradas em todo o ano de 2011. Situação pode levar o sistema penitenciário ao colapso
POR MARIANA HAUBERT
Extremamente saturado, o sistema penitenciário brasileiro caminha para o colapso. Apenas no primeiro semestre de 2012, a elevação do número de presos foi de 35 mil em relação a todo o ano de 2011, o que representa o dobro do aumento registrado em todo o ano passado. A elevação fez com que a população carcerária do Brasil chegasse a 550 mil pessoas. Os dados foram divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O alto número de prisões pode não estar necessariamente ligado a um aumento da criminalidade, mas a uma “cultura do encarceramento”. “É perceptível que houve um aumento da criminalidade violenta, principalmente nos grandes centros urbanos. Mas o que causa essa superlotação dos presídios está ligado a uma cultura de prisão que existe no país. A regra não é a da liberdade. Infelizmente, a prisão deveria ser a exceção. E essa cultura é da sociedade e também dos operadores do Direito de um modo geral. Promotores, advogados, enfim, todo mundo que lida com a área”, analisa Luciano Losekann, juiz auxiliar da presidência do CNJ, responsável pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário Nacional.
Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça, em 20 anos a população carcerária do Brasil aumentou 450%. Para Luciano Losekann, o índice está ligado principalmente à política de repressão contra as drogas. Dados do próprio Depen corroboram a indicação feita por Luciano. Em 2010, 21% de todos os presos, o correspondente a 106,4 mil pessoas, foram detidos por crimes de tráfico.
A reincidência no crime de tráfico ambém é uma das causas da superlotação carcerária. “Basicamente, o que tem aumentado o número de presos é a reincidência decorrente do tráfico de drogas. Por isso, construir mais presídios ou aumentar a vaga nos que já existem é uma medida paliativa que não tem nenhuma eficácia”, diz Luciano.
Mudança cultural
A superlotação anda lado a lado com outro problema dos presídios brasileiro, que é a condição degradante a que são submetidos muitos presos, como mostrou em setembro o Congresso em Foco ao mostrar a dimensão do problema das prisões na Paraíba. Para enfrentar o problema, o juiz defende uma mudança cultural da sociedade, sobretudo dos operadores do Direito.
Na opinião de Luciano, apenas colocar alguém que cometeu um crime dentro da cadeia sem tratamento, contribuirá para formar uma pessoa mais violenta e com grandes chances de voltar a cometer os mesmos crimes. “É preciso investir no sistema penitenciário, tornando-o mais humanizado. Hoje, os presos são largados e jogados dentro das celas sem nenhum tipo de tratamento. Quem entra em um presídio hoje é obrigado a se aliar a uma facção por questão de sobrevivência lá. Se ele não faz isso, não sobrevive”, explica.
Segundo o juiz, esse tratamento humanizado passa, preponderantemente, pela abertura de concursos para novos técnicos, psicólogos e assistentes sociais habilitados a desenvolver trabalhos junto com os presos e executar atividades de qualificação profissional dentro dos presídios. “Hoje, as penitenciárias são apenas espaços de ócio. E a gente não pode nem falar em ressocialização. Temos que falar em socialização e inclusão. Por isso é importante dar um tratamento adequado, oferecendo educação, treinamento técnico. O perfil da maioria dos detentos é de pessoas que viveram à margem das políticas públicas e da sociedade. Quando esse público sai dos presídios, ele precisa de chances necessárias, e é papel do Estado ressocializá-lo, mas o Estado não tem cumprido com esse papel”, afirma o assessor do Conselho Nacional de Justiça.
Como forma de auxiliar na inserção social dos presos, o CNJ propôs ao Ministério das Cidades, em dezembro, a possibilidade de empregar a mão de obra de ex-detentos brasileiros e de condenados estrangeiros na construção de casas populares. O objetivo é prevenir a reincidência criminal, dando aos ex-detentos a oportunidade de inserção social. A iniciativa faz parte do programa Começar de Novo do CNJ.
Luciano acredita ainda que a discussão sobre a descriminalização do uso de drogas, principalmente da maconha, é urgente e essencial na tentativa de resolver o problema carcerário do país, já que o tráfico de drogas é a principal causa de condenações. “Eu acho que a gente tem que começar a pensar em mecanismos de descriminalização. Porque a repressão não tem funcionado. Hoje a gente frequenta qualquer estádio de futebol e vê os jovens consumindo livremente. Ou seja, a repressão não deu certo. Não sei se a descriminalização é a solução, mas temos que começar a pensar sobre isso. É uma questão muito difícil que envolve vários fatores”, pondera o juiz.
Uma sátira ao Natal dos banqueiros
20 de Dezembro de 2012, 22:00 - sem comentários ainda Por Gabriel BonisEm meio à decoração natalina e corais de ursinhos de pelúcia na Avenida Paulista, centro de São Paulo, uma manifestação de funcionários do banco HSBC aproveitou os clichês da festa cristã para protestar contra as condições de trabalho. De longe, as versões satíricas de tradiconais jingles de Natal atraíam a atenção dos pedestres na movimentada calçada: “Bom Natal, um Feliz Natal, se eu pratico assédio moral, com você” e “É Natal, é Natal, passa no RH, tá prontinha a rescisão, pode se mandar”, são apenas dois dos trechos mais repetidos.
O cenário de crítica aos lucros obtidos pelos banqueiros é completado com teatro. Ao lado do cartaz “Natal dos Desiludidos”, personagens do setor bancário e econômico ganham ares natalinos. Ao som dos jingles, dançam em frente ao banco o “Jurosalém”, com sua fantasia de Rei Mago, e o “Satã-der”, com sua capa vermelha e uma foice. Há espaço ainda para o “Papel Noel Magro” – sem o saco de presentes, claro.
Organizado pelo Sindicato dos Bancários de Curitiba, onde fica a sede do HSBC, a ação se espalhou pelo Brasil. Usando o humor, os funcionários denunciam supostos abusos cometidos pela instituição, como demissões, metas abusivas e terceirizações.
Em São Paulo, o protesto quer lembrar a demissão cerca de 40 pessoas nas últimas semanas. “É muita gente com desempenho ruim para mandar embora na mesma época”, ironiza Liliane Fiuza, diretora do sindicato e funcionária do banco.
Por causa das demissões, a manifestação em clima natalino já havia ocorrido em outras agências da capital paulista, mas os funcionários guardaram para a avenida mais famosa da cidade o encerramento da ação. Isso para destacar, segundo Fiuza, que os protestos também ocorreram devido à proibição pelo banco de enfeites natalinos dentro das agências para não desrespeitar religiões não-cristãs. “O banco tem como símbolo o coral de crianças no Natal, no Palácio Avenida, em Curitiba. Proibir os enfeites é meio contraditório. Por isso, resolvemos fazer a ação com o Papai Noel magrinho.”
O sarcasmo e o simbolismo da manisfestação veio, justamente, da matriz curitibana, que compôs as músicas e as distribuiu pela País. “A ação constrange o banco e as pessoas se identificam com o lúdico, prestam mais atenção”, diz Fiuza. O protesto também tem outras motivações, explica Luciano Ramos, diretor do sindicato e funcionário do HSBC. “Temos que mesclar as atividades para dialogar com a população. Quem passa na rua e não tem conta no banco vai acreditar apenas na propaganda.”
Vestidos a carater, os três personagens animadores da “festa” são funcionários do sindicato, aliados da ideia. Entre eles, o Papai Noel Magro, fantasia de Jose Américo, um sindicalista esquelético de barba branca fina, que lembra vagamente a figura do “bom velhinho”. “O que mais me comove na categoria é a forma como são cobradas as metas, que forçam o trabalho além do limite humano”, diz. Mas concorda que o humor é a melhor maneira de denunciar a situação: “Chegar aqui e apontar a realidade com violência não toca as pessoas.”
Por meio de sua assessoria de imprensa, o HSBC informou respeitar “o direito democrático de manifestação dos sindicatos, mas não comenta publicamente as reivindicações, pois há comitês permanentes para a discussão destas questões”.
Ouça algumas das sátiras abaixo:
O povo é débil mental?
18 de Dezembro de 2012, 22:00 - sem comentários ainda Por Cynara MenezesNeste 2012 que já está no fim completaram-se 45 anos que foi apresentado ao mundo Terra em Transe, a obra-prima de Glauber Rocha que revolucionou o cinema com sua inovação estética e de linguagem. Quase meio século se passou e o Brasil que se desnuda nas imagens em preto e branco permanece atual: políticos populistas ou assumidamente de direita às voltas com um jornalista supostamente “idealista”, mas que na hora agá é capaz de chamar o povo de imbecil.
De todo o filme, foi esta a cena que marcou Nelson Rodrigues em sua faceta mais reacionária: “Fiquei maravilhado com uma das cenas finais de Terra em Transe. Refiro-me ao momento que dão a palavra ao povo. Mandam o povo falar, e este faz uma pausa ensurdecedora. E, de repente, o filme esfrega na cara da platéia esta verdade mansa, translúcida, eterna: o povo é débil mental. Eu e o filme dizemos isso sem nenhuma crueldade. Foi sempre assim e será assim eternamente. O povo pare os gênios, e só. Depois de os parir volta a babar na gravata”, escreveu o dramaturgo.
Na cena a que Nelson se refere, o jornalista vivido por Jardel Filho tapa a boca de Jerônimo, um líder sindical, e berra: “Estão vendo o que é o povo? Um imbecil, um analfabeto, um despolitizado. Já pensaram Jerônimo no poder?” Que visionário era Glauber… O sindicalista chegou, sim, ao poder. E estas frases de Terra em Transeme chacoalham agora, diante dos resultados da última pesquisa Datafolha sobre a confiança da população nas instituições: em três meses, o número de pessoas que confiam muito na imprensa caiu de 31% para 22%. Ao mesmo tempo, os que não confiam nada subiram de 18% para 28%. Mantiveram-se estáveis os que confiam “um pouco” na imprensa: oscilaram de 50% para 51%.
(o jornalista tapa a boca do povo: “imbecil”)
Por que isso se deu? Porque o povo é imbecil, como defendia o jornalista de Terra em Transe? Ou será que os jornalistas, como o do filme de Glauber, é que subestimam o povo? O que terá acontecido para que o povo, tão ingênuo, tão naïf, adquirisse esta desconfiança toda da imprensa? Sendo, ora, “débil mental”, como pôde enxergar no noticiário algo digno de desconfiança? Será a parcialidade jornalística, travestida de imparcialidade, tão visível que até um idiota –o povo– consegue perceber? Ou será que o povo, este imbecil, não está reconhecendo a si mesmo na imprensa? Como confiar em um “espelho da sociedade” que parece refletir seu oposto?
A imprensa brasileira esteve junto e refletiu os anseios do povo na campanha das Diretas, em 1984 –à exceção da rede Globo. Em 1991, novamente ao lado da população, jornais e tevês apoiaram o movimento que culminou no impeachment de Collor, em 1992. Mas, desde que Lula se tornou presidente, em 2002, começou um processo de distanciamento, de divórcio da chamada “grande imprensa” da população em geral (não é à toa que, neste período, tenham avançado os jornais “populares”: no ano passado, os jornais com preço de capa inferior a 1 real cresceram 10,3%).
Quanto mais o brasileiro se identificava com a presença de “um deles” na presidência, mais os grandes jornais se desidentificavam do povo ao atacar Lula sem trégua e, muitas vezes, sem razão. Faz dois anos já que Lula deixou a presidência, mas o processo continua. O ex-presidente se tornou uma obsessão para a imprensa, cujo objetivo parece ser destruí-lo. A pesquisa Datafolha também mostra que as críticas não atingem o eleitorado de Lula, que seria eleito no primeiro turno se fosse candidato à presidência novamente, com 56% dos votos. Imagino qual deve ter sido a reação à pesquisa dentro das redações: “Mesmo após o ‘mensalão’ eles ainda votariam em Lula? Ô povinho débil mental”.
Longe das paixões políticas, falta a jornais e jornalistas algumas reflexões. Talvez, ao tentar atingir Lula desmedidamente, forçando a mão nas denúncias, os jornais estejam atingindo o povo que ele representa e talvez o povo não esteja gostando disso. Talvez o povo esteja irritado também com a crítica contínua dos jornais a seu próprio comportamento, inclusive nas urnas. O olhar da mídia para com as escolhas do povo é no mínimo condescendente e, na maioria das vezes, de franca desaprovação –até porque a escolha, aberta ou velada, dos donos da imprensa recai no candidato oposto. “O povo não sabe votar” sempre foi o discurso adotado pela grande mídia e pela elite que ela representa. “O povo vota nessa gente porque eles dão esmola” é a nova versão da mesma frase. Ignora a realidade mais chã, de que talvez o povo vote “nessa gente” porque: 1. se identifica; 2. sua vida melhorou; 3. gosta.
A outra hipótese para esta falta de confiança do povo na imprensa talvez esteja na agenda negativa que ela adotou nos últimos dez anos. É a exata inversão da máxima do ministro Rubens Ricúpero durante o governo Itamar Franco: “O que é ruim a gente fatura, o que é bom a gente esconde”. Vasculhem as capas dos jornais na última década à cata de boas notícias. Não tem nada lá, e houve boas notícias de sobra. Se um extraterrestre descesse aqui hoje e julgasse o País apenas pelo que lê e assiste na imprensa, pensaria que estamos à beira do colapso. E vai ver o povo, mesmo sendo débil mental, não gosta de ficar lendo má notícia o tempo todo. Já trabalha duro o dia inteiro, não quer saber de tanta chateação.
Há ainda a possibilidade de que a internet tenha se consolidado como a “má influência” que os donos dos jornais, no fundo, tanto temiam. Não se pode descartar que os “blogs sujos”, que vêm martelando ao longo destes anos as manipulações e o mau jornalismo praticado por setores da mídia, tenham logrado plantar uma sementinha de desconfiança na cabeça do povo. O brasileiro, sem acesso aos jornais impressos, passou a se informar pela rede e a ter diferentes visões do noticiário, antes dominado pelo poderoso (e tendencioso) telejornal da maior emissora do país e por meia dúzia de veículos impressos. Com o acesso livre à informação, talvez o povo já não seja mais tão débil mental assim. Será que o foi algum dia?