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Lula, Dilma e um projeto que pode se esgotar
13 de Agosto de 2012, 21:00 - sem comentários ainda
Programa neodesenvolvimentista dos dois últimos presidentes mudou a face do país, mas chegou a encruzilhada: ou se aprofunda, ou estagnará
Por Felipe Amin Filomeno | Imagem: Yayoi Kusama
Hoje vivemos um impasse (com risco de esgotamento) na estratégia de desenvolvimento nacional iniciada por Lula e continuada por Dilma. Neste ensaio, faço uma análise do neodesenvolvimentismo brasileiro, combinando minha perspectiva com críticas oferecidas pela intelligentsia que se expressa na nova mídia (Outras Palavras,Carta Capital, Carta Maior, etc.). Sem deixar de reconhecer os avanços proporcionados pelo neodesenvolvimentismo Lula-Dilmista, destaco como seus aspectos problemáticos: (1) os benefícios extraordinários ao capital transnacional, (2) os benefícios extraordinários ao capital primário-exportador, (3) o “industrialismo subdesenvolvido”, (4) a dispersão e parcialidade das políticas públicas, (5) a marginalidade da desconcentração de riqueza na agenda política, e (6) a baixa sustentabilidade ambiental.
Nos anos 1930, a Grande Depressão criou condições no Brasil (e em outros países latino-americanos) para novas estratégias de desenvolvimento, baseadas na industrialização por substituição de importações, na expansão do mercado doméstico e na intervenção do Estado na economia. De 1930 até a meados da década de 1970, a economia no Brasil cresceu sob o que ficou conhecido como “nacional-desenvolvimentismo”. Seus atores principais foram o Estado, o capital transnacional (principalmente estadunidense), a burguesia industrial e o proletariado urbano crescente. Sob Vargas e Jango, o desenvolvimentismo brasileiro contemplou uma agenda de transformação social mais ampla, incluindo a expansão dos direitos trabalhistas e planos de distribuição de riqueza. Sob JK e, principalmente, nos governo militares, o desenvolvimentismo assumiu uma forma mais conservadora, em que a transformação da economia não era acompanhada de desconcentração da riqueza e democratização do poder político. Ao final dos anos 1970, o Brasil era um país industrializado, mas sua população ainda não desfrutava padrões de vida equivalentes aos dos países centrais. A nação estava sob uma ditadura e tinha (como ainda tem) uma das mais altas concentrações de riqueza no mundo. Eram os limites do desenvolvimentismo, os problemas que este não foi capaz de solucionar.
Em seguida, nas décadas de 1980 e 1990, houve um refluxo na posição do Brasil e da América Latina no mundo. Relativamente aos países centrais e a alguns países asiáticos, a região se subdesenvolveu. As políticas neoliberais e reformas de mercado implementadas sob a égide das elites financeiras, principalmente nos anos 1990, trouxeram estabilidade monetária, mas sua performance na promoção do crescimento econômico e na redução da desigualdade social foi ruim. Em decorrência, na passagem para o século XXI, as nações latino-americanas – então sob regimes democráticos – elegeram governantes ligados a partidos de esquerda com programas anti-neoliberais. Nos países andinos, isto assumiu a forma de “socialismo bolivariano”, enquanto em países como o Brasil, o Chile, o Uruguai e a Argentina, formas mais ou menos radicais de “desenvolvimentismo” reapareceram. Como elementos comuns, tais projetos tem a ampliação das políticas sociais e de distribuição de renda, a maior abertura do Estado aos movimentos populares, a maior assertividade na política externa frente às grandes potências, e o estímulo ao crescimento econômico. No Brasil, uma versão de “social democracia globalizada” combinou crescimento econômico com inclusão social.
A crise mundial inaugurada em 2007/8 intensificou esse movimento ao revelar os problemas causados pela desregulamentação excessiva dos mercados financeiros, a promiscuidade entre o Estado e as elites empresariais, e a inviabilidade política e econômica da austeridade econômica como solução única. Países como o Brasil, em posse de excedentes financeiros (graças à acumulação de reservas internacionais), tiveram condições e oportunidade para aplicar políticas anti-cíclicas, as quais implicaram maior intervenção do Estado na economia. Com o agravamento do contexto mundial (crise na Europa e desaceleração econômica na China), o governo brasileiro – já sob a presidência de Dilma Rousseff – adotou uma série de medidas tributárias, monetárias e cambiais para estimular a atividade econômica no país e, principalmente, proteger a indústria no Brasil da competição e recessão globais. A expansão do programa de renda mínima (Brasil Sem Miséria), a promoção da competição no setor bancário (pelo Banco do Brasil e Caixa Econômica) e a redução dos juros são parte importante e positiva deste programa.
Porém, assim como aconteceu com o nacional-desenvolvimentismo nos anos 1970, o neodesenvolvimentismo brasileiro, em sua variante Lula-Dilmista, começa a mostrar sinais de esgotamento, circunscrito que está em certas configurações locais e globais de poder. Abaixo, discuto aqueles que considero os principais problemas a serem atacados:
(1) Benefícios extraordinários ao capital transnacional: Quando o BNDES sinalizou apoio a uma proposta de fusão entre o Pão de Açúcar e o Carrefour, em meados de 2011, critiquei, em minha coluna no Outras Palavras (01/08/2011), a tendência do Estado brasileiro de favorecer a constituição e reprodução de oligopólios, especialmente quando isto resulta em lucros extraordinários em detrimento do consumo das famílias brasileiras. No mesmo mês, Vladimir Safatle, na Carta Capital(25/08/2011), apontou a emergência de um “capitalismo monopolista de Estado” no Brasil. Na mesma direção, Luís Nassif tem criticado o BNDES por apoiar a oligopolização em indústrias consolidadas ao invés de “estimular o mercado de capital ajudando a reduzir o risco de investimentos em novas empresas” (Carta Capital, 09/07/2012). Anteriormente, Nassif já havia criticado o governo por conceder auxílio “a empresas estrangeiras em dificuldades, à custa do consumidor brasileiro”, tornando o Brasil um “hospital de multinacionais cambaleantes” (Carta Capital, 21/11/2011).
Isto é particularmente visível na indústria automobilística, conforme apontado por Valter Pomar. Dominada pelo capital transnacional, é beneficiária de reduções no IPI e de tarifas alfandegárias contra importações chinesas, mas não reduz seus lucros (posto que os preços diminuem pouco, especialmente se comparados aos praticados no México e na Argentina) e ainda reluta em garantir empregos no país (veja o caso recente da GM). Como mostrou Gabriel Bonis, em reportagem para a Carta Capital(17/07/2012), “desde 2008 [o Estado] concedeu ao setor medidas para renúncia fiscal de cerca de 11,3 bilhões de reais. As empresas parecem, porém, ter aproveitado os incentivos para ajudar as matrizes em dificuldades. [...] no mesmo período, [suas] remessas ao exterior somaram 38,1 bilhões de reais [...]”. O neodesenvolvimentismo brasileiro precisa ser mais seletivo; suas políticas precisam favorecer a geração e retenção de excedente econômico em mãos brasileiras, principalmente as dos trabalhadores e populações carentes.
(2) Benefícios extraordinários ao capital primário-exportador: Na última década, países em desenvolvimento ricos em recursos naturais passaram a desfrutar de oportunidade historicamente extraordinária: um aumento no preço relativo dascommodities primárias comparativamente a manufaturas industriais. Fenômeno conhecido como commodity boom, tem sido impulsionado principalmente pela demanda chinesa por produtos primários. No Brasil, soja e minério de ferro despontaram como indústrias beneficiadas por esta conjuntura. O lado ruim disto é o risco de uma resource curse (literalmente, “a maldição dos recursos naturais”). Países que se especializam na exportação de recursos naturais apreciados tendem a ficar com câmbio sobrevalorizado (o que prejudica sua industrialização), ficam vulneráveis a oscilações no mercado mundial, à concentração e à má gestão de receitas extraordinárias de exportação. Ulteriormente, isto poder causar instabilidade política. No Brasil, o capital primário-exportador é beneficiário da Lei Kandir (que isenta produtos primários e semi-elaborados de ICMS), é intensivo em capital (gerando, por isso, poucos empregos), e tem fortes externalidades ambientais negativas. Além disso, no caso da soja, por exemplo, a moagem e exportação estão altamente concentradas nas mãos de empresas transnacionais estrangeiras. Por isto, em artigo publicado no Outras Palavras (13/04/2011), defendi “estratégias intermediárias de regulação de mercados [de exportação de commodities] [...para a...] garantia da socialização e da sustentabilidade dos benefícios das riquezas naturais”. Há tempo, também o Professor Bresser Pereira tem defendido medidas para evitar a resource curse, como a taxação de exportações primárias, que ajudaria a socializar as rendas extraordinárias destes setores.
(3) Industrialismo subdesenvolvido: No círculo de policy-makers e analistas do desenvolvimento brasileiro é majoritária a preocupação com a “desindustrialização” do Brasil. Embora esta seja uma preocupação com razões legítimas (como a manutenção dos empregos gerados pela indústria), ela precisa ser qualificada. Em artigo publicado na Carta Capital (03/01/2012), critiquei a intenção do governo brasileiro de mudar “a tributação da importação de produtos do vestuário, com a finalidade de proteger a indústria têxtil nacional da competição estrangeira (chinesa, especialmente)”. Medidas protecionistas são justificáveis para indústrias infantes (especialmente as em fronteira tecnológica), que, por seu grau incipiente de desenvolvimento, precisam ser protegidas da competição estrangeira para prosperarem. Porém, a produção de manufaturas leves (vestuário, calçados, brinquedos, móveis) não é indústria de fronteira tecnológica, é indústria tradicional já difundida para vários países em desenvolvimento, com competição acirrada e, portanto, com rentabilidade reduzida.
Uma vez que países altamente populosos com renda per capita consideravelmente mais baixa que a brasileira (China, Índia) tenham ingressado como competidores globais nestes setores, sua rentabilidade, no Brasil, nunca mais será o que foi até 1990. Pode-se reduzir ainda mais os juros, desvalorizar o câmbio, reduzir os tributos e, ainda assim, a concorrência chinesa, indiana, vietnamita será acirrada. O empresário que produz têxteis, confecções, calçados simples, etc. não pode esperar mais que sua empresa tenha a mesma rentabilidade que tinha há vinte anos atrás. Proteger tais indústrias da concorrência estrangeira sem estímulos à conversão do capital nelas aplicado para setores mais intensivos em inovação e diferenciação é uma forma de industrialização subdesenvolvida. O BNDES, por exemplo, poderia desconcentrar sua carteira de investimentos, atualmente muito voltada a grandes empresas (muitas de capital estrangeiro), para apoiar empreendimentos em indústrias nascentes intensivas em conhecimento e, portanto, mais arriscados do ponto de vista do empresário individual.
(4) Dispersão e parcialidade das políticas públicas: O neoliberalismo oferecia receitas simples para os problemas econômicos, fórmulas do tipo one size fits all (“um mesmo tamanho serve para todos”): liberalize os mercados, reduza a intervenção estatal, austeridade fiscal e monetária, e os problemas serão resolvidos. O neodesenvolvimentismo é mais complexo e implica um pragmatismo oposto à ortodoxia econômica. Num cenário de crise mundial, as política públicas adquirem mais ainda um caráter de “experimentação”. O problema, conforme afirmou Gilberto Maringoni na Carta Maior (07/04/2012), é que políticas como a desoneração tributária e medidas tópicas para desvalorizar o câmbio podem acabar sendo “enxugar gelo”, sem tocarem em questões mais fundamentais como os juros altos ou a oligopolização (sob liderança estrangeira) da economia. Ademais, quando políticas são formuladas ad hoce privilegiam setores específicos, seus níveis de transparência, democratização e sistematização caem.
(5) Marginalidade da desconcentração de riqueza na agenda política: No último decênio, o Brasil e a América Latina vivenciaram uma redução na desigualdade de renda. Uma das razões foi a expansão dos programas de renda mínima (como o Bolsa Família) na região. Isto é feito extraordinário, mas estes países ainda ostentam os índices mais cruéis de desigualdade social no mundo. Ademais, a emergência de uma “nova classe média” no Brasil precisa ser relativizada. Conforme mostrou Márcio Pochman no livro Nova Classe Média? (Boitempo, 2012), “O resgate da condição de pobreza e o aumento do padrão de consumo [...] não tiram a maioria da população emergente da classe trabalhadora. [...] é preciso a politização classista do fenômeno para aprofundar a transformação da estrutura social, sem a qual a massa popular em emergência ganha um caráter predominantemente mercadológico, individualista e conformista [...]”. De maneira perspicaz, Vladimir Safatle afirmou, na Carta Capital e em outros veículos, que Lula percebeu que “era possível desconcentrar renda e criar um processo de ascensão social sem acirrar de maneira radical conflitos de classe. O tempo mostrou que ele não estava errado. Mas o preço foi alto: imobilizou pautas de transformação social”.
De fato, relativamente ao gasto do Estado com juros da dívida pública, o orçamento do Bolsa Família é pequeno. Conforme apontei em artigo no Outras Palavras (27/06/2011), hoje, o Brasil Sem Miséria esbarra em uma política de juros altos (ainda que em redução), num regime tributário regressivo (que onera proporcionalmente mais as classes baixas), e em cartéis que exploram o consumidor brasileiro. É preciso solucionar esta contradição trazendo a desconcentração de riqueza para o centro da agenda política, como prioridade inclusive em relação ao crescimento econômico.
(6) Baixa sustentabilidade ambiental: Delfim Netto, conforme citado por Luís Nassif, afirmou que a economia no Brasil hoje não precisa crescer às taxas altas que caracterizaram as três décadas anteriores à crise dos anos 1970 (e que vigoram hoje na China e na Índia). Isso porque, naquela época, o crescimento populacional era muito maior (como são maiores também as populações daqueles países asiáticos). Vindo de um dos artífices do “milagre econômico” brasileiro ocorrido sob o regime militar, esta observação é importante e vai ao encontro da crítica que apresentei na Carta Capital(04/12/2011) à obsessão com o crescimento econômico. Numa forma de “keynesianismo vulgar”, ela coloca a desconcentração de riqueza (entre classes e países) e a sustentabilidade ambiental em segundo plano.
No pós-neoliberalismo latino-americano, a esquerda se dividiu em duas matizes contraditórias. Segundo Immanuel Wallerstein, há uma esquerda do Buen Vivir e uma esquerda neodesenvolvimentista. A primeira, concentrada nos Andes, defende uma sociedade alternativa e sustentável, baseada no equilíbrio entre economia e natureza. A segunda, que predomina no Brasil, tem o crescimento econômico como objetivo primordial. Mesmo nos Andes, há conflitos intensos entre as duas vertentes (especialmente na indústria extrativista). Ficar estimulando o investimento das empresas e o consumo das famílias sem assegurar sua sustentabilidade ambiental e distribuição justa de benefícios é dar um empurrão num carro momentaneamente afogado sem questionar se esse veículo consome gasolina demais ou porque nele há tanta gente sentada apertada no banco de trás e só duas pessoas confortavelmente sentadas na frente. A crise é o momento ideal para se fazer tais questionamentos.
Finalmente, é preciso pensar em que atores políticos estarão mais propensos e serão mais capazes para responder positivamente a tais desafios. Não é difícil concluir que não se trata dos partidos conservadores (PSDB, DEM, PMDB, PSD), pois são herdeiros da tradição neoliberal e históricos instrumentos políticos do status quo. O PT, por outro lado, precisaria reforçar seus laços com os movimentos sociais (trabalhista, ambientalista, etc.), superando o “presidencialismo de coalizão” (mencionado por Vladimir Safatle) e sua total incorporação ao establishment brasileiro, os quais reduziriam o PT a mais uma força reprodutora do subdesenvolvimento nacional.
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Felipe Amin Filomeno é Economista e Doutor em Sociologia pela Johns Hopkins University. Mantém um blog.
TV Globo tenta salvar Policarpo e Veja
13 de Agosto de 2012, 21:00 - sem comentários ainda Por Leandro Fortes, na CartaCapitalDesde sábado, depois que começou a circular fortemente pelas redes sociais a capa de CartaCapital sobre o consórcio Veja & Cachoeira, a TV Globo desencavou uma notícia velha, dada em primeira mão…também por CartaCapital, sobre a suspeita de um sequestro levado a cabo pelo bicheiro Carlinhos Cachoeira.
O plágio tardio foi uma maneira desesperada de tentar neutralizar a única notícia que realmente ainda interessa sobre o tema, desde a cassação de Demóstenes Torres: as ligações de Policarpo Jr., diretor da Veja em Brasília, com o bicheiro, a quem pediu para grampear um deputado federal.
Botaram a matéria velha no Fantástico e obrigaram O Globo, cada vez mais o primo pobre das Organizações, a repercutir a história. Miserável sina, esta, do velho diário carioca, obrigado a repercutir notícia sequestrada de páginas alheias.
Na edição 698, de 18 de maio passado, CartaCapital trouxe a capa “No mundo de Cachoeira”, uma reportagem de Cynara Menezes sobre os múltiplos esquemas criminosos do bicheiro. Na matéria interna, intitulada “Senhor do submundo”, um dos pontos tratados pela repórter foi, exatamente, o sequestro que a Globo passou o fim de semana apresentando como novidade.
Leiam o texto de Cynara, escrito e publicado há três meses (leia mais clicando AQUI):
“Na quarta-feira 9, o também delegado da PF Raul Alexandre Souza, titular da Operação Vegas, havia relatado à CPI uma “ampla sorte de crimes de natureza grave” cometidos pelo grupo de Cachoeira. Segundo o federal, em determinado momento chegou a temer pela integridade física de um dos membros da quadrilha. Em abril de 2009, narrou o delegado, um funcionário “foi sequestrado e mantido em cárcere privado” pelo fato de Cachoeira desconfiar que o assecla estivesse envolvido no roubo de dinheiro apurado nas máquinas caça-níqueis. Os autores do sequestro teriam sido Jairo Martins e Idalberto Martins de Araújo, o Dada, os arapongas que aparecem nas escutas como fontes constantes do jornalista Policarpo Jr., diretor da sucursal de Brasília da revista Veja.”
Ou seja, vivem num fantástico mundo de bobos e cegos, certos, entre outras alucinações, de que as pessoas só entram na internet para rever os capítulos da novela da Carminha e as gracinhas do Globo Esporte.
Amanhã, terça-feira, dia 14 de agosto, o deputado Dr. Rosinha (PT-PR) vai ao plenário da CPI do Cachoeira pedir a convocação de Policarpo Jr. e dar início à única investigação que realmente precisa ser feita na comissão, já que todo o resto já foi apurado pela Polícia Federal.
Veja sustentava o esquema criminoso de Cachoeira, e vice-versa.
O único sequestro dessa história é o sequestro da verdade, da ética e do jornalismo.
Silêncio cúmplice da mídia acoberta crime de diretor da Veja
13 de Agosto de 2012, 21:00 - sem comentários aindaNa reportagem, Leandro Fortes publica trecho de um diálogo gravado pela Polícia Federal em que o diretor de Veja Policarpo Junior (o Poli, ou PJ, ou Caneta, para a Organização criminosa de Carlinhos Cachoeira) pede a Cachoeira que consiga áudios do deputado Jovair Arantes. Ou seja, encomenda uma escuta ilegal de um parlamentar.
Veja abaixo a transcrição do trecho com o pedido do diretor de Veja:
Um escândalo sem tamanho, que mostra que Veja usa aqui métodos semelhantes ao do jornal de Murdoch fechado na Inglaterra por esse motivo.
Pois até o momento só a Rede Record repercutiu o assunto. Globo, Folha, Estadão e até a Veja estão num silêncio cúmplice. Mesmo o falastrão Chacrinha do esgoto, que costuma ser o ponta de lança dos ataques da revista, guarda silêncio sobre o episódio.
Até quando? O que temem? Por que protegem a atitude ilegal de Policarpo? Medo do efeito dominó?
(Publicado no Blog do Mello)
Denunciou torturas, tornou-se guerrilheiro e desapareceu nos Andes
12 de Agosto de 2012, 21:00 - sem comentários aindaA história do estudante gaúcho que denunciou torturas da ditadura, tornou-se guerrilheiro na Bolívia e desapareceu nas montanhas andinas
Os guerrilheiros do Exército de Libertação Nacional estão quase completando a travessia do rio Chimate, ao norte da Bolívia. Acossados pelos militares, precisam ser rápidos. A vanguarda já atravessou o rio e a coluna do centro avança, observada por Raúl e Dippy, soldados da retaguarda destacados para indicar aos companheiros o caminho seguido pelas duas colunas da frente. No relógio, “expropriado” pela guerrilha, Dippy vê que são seis horas da tarde do dia 1º de setembro de 1970.
Uma patrulha militar ataca e a guerrilha se parte em duas. A retaguarda não consegue atravessar o rio. Raúl e Dippy correm mato adentro para escapar dos tiros. Esperam até a noite, talvez sejam encontrados pelos companheiros. Escutam disparos de morteiros e percebem que será impossível atravessar o rio.
A retaguarda nunca mais iria se reencontrar com o resto da tropa. Raúl e Dippy, estrangeiros em solo boliviano, ficariam sós.
Raúl é o nome de guerra do peruano Antero Callapiña Hurtado, estudante de engenharia civil na Polônia, recrutado para a guerrilha, assim como dezenas de jovens latino-americanos que estudavam em países socialistas. O outro, Dippy, era o único brasileiro entre os 67 combatentes que subiram as montanhas de Teoponte, a cerca de 200 quilômetros ao norte de La Paz, para retomar a guerrilha em Ñancahuazú, abortada três anos antes com a morte de seu comandante, Ernesto Che Guevara.
Dippy entrou com o codinome Eugenio, mas todos os chamavam pelo apelido adquirido no treinamento em Cuba, por abrasileirar a expressão “de pinga” – “di pinga”, ele dizia - popularmente usada para se referir a algo formidável. Daí, virou Dippy.
Apartados do grupo, peruano e brasileiro passam quase 30 dias lutando pela sobrevivência na selva boliviana. Comem palmito e mascam folhas de coca para não morrer de inanição. Tentam chegar a algum povoado sem serem capturados pelo Exército. No último registro de seu diário, o brasileiro escreve:
- Hoje é uma data que não posso deixar de lembrar: dia 25. Faz quatro meses que me casei com Susana e hoje lembro dela mais do que nunca. Sinto falta dela e quero encontrá-la. Espero fazer isso antes do dia 1º de novembro e não pretendo me separar dela nunca mais.
O reencontro com a esposa, que àquela altura esperava um filho, nunca aconteceria.
Gaúcho de Formigueiro
Luiz Renato Pires Almeida é um dos 13 desaparecidos políticos brasileiros em território estrangeiro. As circunstâncias de sua execução nunca foram esclarecidas, tampouco seu corpo foi encontrado. O caminho que o levou de Formigueiro, no interior do Rio Grande do Sul, onde nasceu em 18 de novembro de 1943, até as montanhas bolivianas, onde morreu no começo de outubro de 1970, é o que se conta a seguir.
Caçula de 11 irmãos, filho de um agricultor, Lucrécio, e de dona Doca, apelido de Maria Conceição, o menino de Formigueiro foi morar na cidade aos 7 anos, quando o pai comprou uma “venda” em São Sepé, então sede do distrito. Em março de 1951, a família se instalou numa casa localizada no número 747 da rua 7 de Setembro.
Era um guri “medonho”, lembra a irmã Deni, e gostava de jogar futebol. Cursou metade do ginásio no Colégio Madre Júlia, de freiras, e concluiu o ensino fundamental no Colégio Estadual Tiaraju, onde fazia parte da chapa eleita para o Grêmio Estudantil em 1960. Ainda assim, contam os amigos, o garoto gostava mais das festas do que da política.
No Rio Grande do Sul, vivia-se a efervescência da Campanha da Legalidade, liderada em 1961 pelo governador Leonel Brizola, do Partido Trabalhista Brasileiro, para garantir a posse do presidente João Goulart, depois da renúncia de Jânio Quadros. A família comandada pelo pai, simpatizante da União Democrática Nacional (UDN), era politicamente conservadora.
A primeira influência mais à esquerda viria do professor Gerôncio Vaz, adepto dos ideais trabalhistas, que se tornaria um grande amigo de Renato. Mas ele só descobriria a política para valer ao se mudar em 1962 para Santa Maria, maior cidade da região, para cursar o Clássico no Colégio Estadual Manuel Ribas, o tradicional Maneco, e cumprir o serviço militar no 7º Regimento de Infantaria. Ali, voltou a ter contato com armas, das quais aprendera a gostar nas caçadas com os irmãos.
Na cintura, uma pistola de três canos
Em fevereiro de 1963, Renato ingressou na primeira turma do Colégio Agrotécnico da recém fundada Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Eleito para a diretoria do Centro de Estudantes do Colégio Agrotécnico, entrou de cabeça no movimento estudantil, mobilizado na defesa das reformas de base propostas pelo presidente João Goulart.
Ao 20 anos de idade, mais velho que a maioria da turma do ensino técnico, Renato impressionava. “Como era o mais velho da turma, era o líder da gurizada. Gostava de trago, fumava, andava armado. A gurizada achava o máximo”, recorda o colega Beto Vargas, hoje médico na cidade de Bagé. A pistola de três canos que carregava na cintura é uma lembrança dos amigos da época. “Foi a única vez que vi uma pistola daquelas”, recorda Rogério Vargas, irmão de Beto.
Rogério e Beto dividiam um quarto com Renato em uma pensão de Santa Maria. Renato tinha o costume de tomar chimarrão com Rogério pela manhã, para escutarem um programa da Rádio Nacional de Moscou transmitido em português.
Para a família, era visível a transformação do filho mais novo. “Nas primeiras férias que voltou de Santa Maria, era outra pessoa”, diz Zeca, um dos irmãos. “O Renato conversava um pouco com a gente e já vinha com a pregação do Mao Tsé-Tung”, lembra, achando graça. “Não seja tapado, tem que abrir os olhos”, dizia a Zeca. Chamava o pai de “tubarão” por estar politicamente ao lado dos ricos. Mas não deixava de abraçá-lo e chorar quando se despedia da família para retornar a Santa Maria. O apego à casa o faria escrever cartas aos irmãos de todos os lugares onde viveria depois.
Liderança estudantil
Em janeiro de 1964, Luiz Renato retornou de um congresso na Paraíba eleito presidente da União Nacional dos Estudantes Agrotécnicos (UNEA). Quase por acaso assumiu o cargo que o levaria à clandestinidade.
O candidato natural à presidência pela delegação gaúcha era o atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, na época com 16 anos – eleição que seria realizada no congresso em Bananeiras (PB), entre 5 e 13 de janeiro daquele ano. Mas Tarso desistiu da indicação em troca de seis passagens áreas para que a delegação gaúcha viajasse à Paraíba, como ele conta hoje:
“Quando nós montamos a nossa delegação, conseguimos passagens com o presidente João Goulart através do meu pai, que era amigo do João Goulart”, relembra Tarso. “Mas aí o meu pai, naquela boa chantagem paterna, disse o seguinte: eu consigo as passagens para vocês, mas tu tens que prometer que não vais ser candidato a presidente da UNEA, tens que voltar para Santa Maria para continuar os estudos. E de fato cumpri a promessa. Chegamos lá, substituímos o meu nome e apresentamos o nome do Luizinho, que foi eleito presidente da UNEA”, conta o governador.
Até os amigos mais próximos ficaram surpresos com a eleição de Luiz Renato, como lembra o colega Eros Marion Mussoi, hoje professor na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Ele era um cara cheio de vida e ideias, como boa parte da nossa geração. No início não era propriamente um ‘revolucionário’, mas tinha ideias sociais e humanistas muito claras. Um sujeito de um grande coração e preocupado com os outros”, diz.
Para Tarso Genro, de “Luizinho” ficou a lembrança do colega corajoso e do grande amigo. E da pistola de três canos, que ganharia novo significado à medida que a esquerda se inclinava à luta armada para enfrentar a ditadura. “Ele era muito ligado a essa questão da ação militar e achava que a derrubada do regime militar poderia ser feita imediatamente através de ações armadas. Eu até menciono, num poema que eu fiz depois da morte dele, a pistola de três canos, um em cima do outro, que ele usava e era uma memória muito intensa que a gente consolidou, porque aquela pistola era uma identidade que ele tinha, em função da visão que iria percorrer posteriormente”, diz.
Como presidente da entidade, Renato transferiu-se para a Universidade Rural do Brasil (URB) e desembarcou no Rio de Janeiro no dia 2 de março de 1964. Menos de um mês depois, viria o golpe militar.
Memórias esparsas
As lembranças da família são cortadas, esparsas. Após o golpe militar, as notícias de Luiz Renato escassearam. E hoje em dia, remexer nessas histórias é reavivar a dor da perda do irmão caçula.
Deni diz ter ouvido Renato discursando contra o golpe na rádio carioca Mayrink Veiga no dia 1º de abril de 1964. Em um programa da própria UNEA, segundo outra irmã, a Ladi. Luiz Renato e alguns colegas teriam escapado da emissora antes de serem presos pelos militares.
Após o golpe, Luiz Renato fazia aparições esporádicas na casa dos pais, sem dizer exatamente o que fazia nem por onde andava. Em depoimento prestado no Inquérito Policial Militar (IPM), depois da prisão, em março de 1966, disse que “temeroso de ser preso” abandonou a Escola Agrotécnica nos primeiros dias de abril de 1964 e voltou ao Rio Grande do Sul. Passou por São Sepé, reviu a família e teria partido para o Uruguai, assim como fizeram centenas de militantes com alguma ligação com o PTB de Leonel Brizola e João Goulart.
José Wilson da Silva, o “Tenente Vermelho”, hoje capitão do Exército reformado, diz ter conhecido Luiz Renato em Montevidéu, embora não tenha convivido com ele. “Era calmo, muito consciente politicamente, sonhador como todos nós éramos. Tanto que saiu de lá para ir adiante. Enquanto estávamos tentando fazer alguma coisa, estava demorando, foi procurar outras guerras”, conta.
Luiz Renato não era o único a se impacientar com a demora da esperada reação brizolista contra a ditadura, a partir do Uruguai. Em março de 1965, o coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório comandou uma tentativa frustrada de guerrilha em Três Passos, desencadeando uma onda de prisões contra militantes ligados a Brizola.
Havia muitos brasileiros no Uruguai. A pedido de Brizola, o desembargador aposentado Eliseu Gomes Torres montou uma comissão para analisar os casos de quem poderia retornar ao Brasil. Torres não se lembra de Luiz Renato, mas é possível afirmar que o estudante tenha voltado em circunstância semelhante. O depoimento dado ao IPM fala que Renato “foi instado por outros a regressar, já que não pesava nenhuma acusação contra si” entre o final de janeiro e o começo de fevereiro de 1965.
Não se sabe exatamente o que fez Luiz Renato em 1965. Eventualmente, aparecia em São Sepé – Deni lembra de ir até a estrada para encontrar o irmão, de madrugada, que estava indo para algum lugar.
No IPM, consta ainda que, em fevereiro de 1966, Luiz Renato foi a Porto Alegre para tentar se matricular no Colégio São Judas Tadeu. Nesta ocasião, teria encontrado o ex-coronel Pedro Alvarez, expulso do Exército após o golpe, “a quem já conhecera em Santa Maria e em cuja residência já estivera hospedado cerca de duas vezes”.
Em 2003, Alvarez, que ainda mora na mesma casa onde hospedou Luiz Renato em 1966, a pedido do também militar José Pires Cerveira, contou: “Ele [Cerveira] me disse: ‘estou com um rapaz, um estudante que veio do Rio, e tenho impressão que já viram que ele está na minha casa. Tu não sabes onde podemos colocá-lo?’. Eu disse: ‘Faz o seguinte, numa noite dessas, em que não haja ninguém por perto, traz ele aqui pra minha casa’. Realmente ele trouxe e ficou aqui bastante tempo, mais ou menos um mês”, relatou Alvarez.
Em nova entrevista realizada em 2012, a memória já não ajuda Alvarez, hoje com 94 anos. Ele ainda lembra do “rapaz muito educado, e bem preparado. Tinha conhecimento da situação, fazia uma análise certa daquele momento, dava a solução”. O irmão Zeca lembra de ter visitado o caçula na casa de Alvarez, acompanhado por Ary, o mais velhos dos irmãos. O código era passar assoviando “Aquarela do Brasil” na calçada. A irmã Ladi conta que estava saindo de um jogo do Internacional no Beira-Rio, ao lado do marido, quando foi surpreendida por um abraço do irmão em meio ao mar de colorados. O Beira-Rio fica próximo à casa de Pedro Alvarez. Foram até uma padaria, o marido de Ladi comprou mantimentos, conversaram até a noite e se despediram.
Um dia, Alvarez teve de viajar para Santa Maria. “Eu disse: ‘Renato, faz o seguinte, não sai pra rua. Se já te viram ali na outra casa, eles podem te localizar aqui’”, contou. “Pois não é que um dia ele saiu e foi na padaria? Prenderam ele e eu não sabia onde ele estava. Até que eu consegui saber que ele estava preso no DOPS.”
O Caso das Mãos Amarradas
Preso por “ligações com o esquema subversivo de Leonel Brizola” no dia 25 de fevereiro de 1966, Renato foi recolhido ao Departamento de Ordem Política e Social. Data deste período o depoimento prestado no dia 10 de março daquele ano. Ficaria 59 dias detido, entre o DOPS e a Ilha do Presídio, pequena ilha no meio do lago Guaíba que funcionou como depósito de pólvora do Exército, laboratório para o desenvolvimento de vacinas, depois prisão de segurança máxima até finalmente ser convertida em cárcere político na ditadura militar. No dia 7 de março, o irmão mais velho de Renato levou objetos de higiene e vestuário até lá.
O próprio Ary ajudaria o irmão a sair da prisão, possivelmente lançando mão das ligações do pai com a UDN para solicitar ajuda junto à Secretaria de Segurança.
Após sair da prisão, já no Rio de Janeiro, Renato escreve uma carta a Deni, provavelmente de setembro de 1966. Conta que está fazendo um curso para trabalhar como jornalista, trata do envio de dinheiro pela família e avisa que, naquele dia, não estava com vontade de fazer mais nada porque estava abalado com uma notícia que havia recebido.
“Os filhos da puta desses traidores da Pátria mataram, afogado e com as mãos amarradas atrás, o sargento Soares, que tanto tempo esteve preso comigo, e ao qual deixei roupas, aparelho de barba e outras coisas. O assassinato foi aí em Porto Alegre e mais ou menos sei quem deu esta ordem. Esses são os homens bons que estão no governo, que vão à missa aos domingos e que durante as madrugadas torturam seus semelhantes como se fossem animais, para depois matar da maneira mais covarde possível. Quanto mais sacrifício passarem os companheiros, mais disposição nós temos para enfrentar os traidores fascistas”, escreve.
O corpo do sargento Manoel Raimundo Soares, sargento do Exército com ideias nacionalistas e militância na organização dos suboficiais, foi encontrado boiando, com mãos e pés atados, nas águas do rio Jacuí no dia 24 de agosto de 1966. O episódio ficou conhecido como o “Caso das Mãos Amarradas”. Foi um dos primeiros casos de tortura e morte por parte dos órgãos de repressão sobre o qual se teve notícia na época.
Luiz Renato dividiu a cela com Raimundo Soares duas vezes. Depois de liberado, enviou uma carta ao jornal Última Hora relatando as idas e vindas do sargento das sessões de torturas e apontando como responsáveis os delegados José Morsch e Itamar Fernandes de Souza, carta esta que seria lida em sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa gaúcha que investigou o caso, no dia 12 de abril de 1967. O estudante também seria entrevistado pelo jornal, depois da publicação da carta.
O primeiro encontro entre Luiz Renato e Raimundo Soares aconteceu no dia 14 de março, em uma cela do DOPS, na rua Santa Luzia, três dias depois da prisão do sargento. Na véspera, Renato havia retornado da Ilha Presídio, onde ficou 19 dias sem ver a luz, sem tomar banho nem comer direito. Às 22 horas do dia 14 de março, conheceu o companheiro de cela. Os policiais deixaram uns trapos velhos na cela, que serviriam de cama, e logo em seguida o preso, só de cuecas, “rosto de nortista”, bigode preto e sinais de tortura no corpo, que se apresentou:
- Sou o Sargento Soares. Para minha honra, fui expurgado do Exército.
Levados à Ilha Presídio, os dois presos ficaram juntos por mais sete dias. Para aplacar o frio, já que não tinham cobertas, dividiam a mesma cama. Quando deixou a prisão, no dia 30 de março, Luiz Renato ouviu do companheiro: “No fim de tudo, nós vamos nos encontrar. Não somos os primeiros a sofrer torturas nem seremos os últimos. Se morrermos não seremos os primeiros nem os últimos. Isso faz parte da nossa luta”.
“A morte pouco importa”
De volta ao Rio de Janeiro, onde ficou pouco mais de um ano, Luiz Renato tentou retomar os estudos e arranjar trabalho. Comunicava-se por cartas com a família, algumas assinadas por “Rodrigo”.
“O que não quero é ficar parado sem fazer nada, sem trabalho e ainda sem estudar”, escreve à irmã em junho de 1966. Também dá explicações à família sobre sua opção de vida: “Sei que o pessoal não admite isto, pensam que sou irresponsável, mas o que vale é minha consciência, é fazer o que penso estar certo e é muito cedo para dar satisfações do que faço”.
Em setembro de 1966, na carta em que revela a decisão de denunciar as torturas do sargento, reafirma a decisão de seguir enfrentando a ditadura. “Este governo não é eterno, ele muda e com ele mudarão os homens, então se fará justiça, se punirá com dignidade os covardes de hoje, aos que tem coragem com as armas na mão e se tornam covardes quando se defrontam com elas. (…) Estas coisas não desanimam ninguém, pelo contrário, dão mais força e razão para se lutar, a morte pouco importa, interessa-nos é a vitória e tarde ou cedo será conseguida”.
No dia 13 de julho de 1967, informa à família que viajaria a Moscou para prosseguir os estudos. Como milhares de jovens de todo o mundo, Luiz Renato estava de partida para a Universidade da Amizade dos Povos Patrice Lumumba, batizada em homenagem ao líder anticolonialista e primeiro ministro do Congo, morto em 1961. Luiz Renato cursou o ciclo básico da instituição que recebia estudantes de todo o mundo, com a intenção de ingressar na Faculdade de Agronomia, o que acabaria não acontecendo.
Estudando na URSS
O gaúcho chegou a Moscou em setembro de 1967, prestes a completar 24 anos, e se adaptou rapidamente. Nas cartas, relata as atividades em que se envolvia, com destaque para o futebol e a pequena escola de samba que fazia apresentações em datas festivas da URSS e da universidade. “Estou muito satisfeito aqui, mesmo antes de vir para cá, já sabia mais ou menos que ia gostar. Aqui tenho estudado muito, além dos estudos da Universidade muitas outras coisas interessam-me”, escreve em 27 de novembro de 1967.
O economista Rafael Alves da Cunha, hoje vice-presidente da Sociedade de Economia do Rio Grande do Sul, também estudou na Patrice Lumumba e foi presidente da União dos Estudantes Brasileiros na União Soviética. A afinidade entre os dois gáuchos foi imediata: Rafael é natural de Caçapava do Sul, vizinha a São Sepé, e os moradores das duas cidades têm sempre na ponta da língua alguma brincadeira sobre os vizinhos.
Luiz Renato era um jovem agitado, brincalhão, festeiro, recorda Rafael. Não chegou a integrar a direção da União dos Estudantes, mas era um militante ativo a quem Rafael recorria sempre que precisava tomar alguma decisão importante. Também estava sempre disposto a participar das atividades promovidas pela entidade, como os concorridos carnavais dos estudantes brasileiros. “Podia contar com ele. Se encarregava de uma coisa, ou da cozinha, ou da bebida, pegava uma coisa, estava sempre pronto”, diz Rafael.
A disposição do colega também tinha grande valia nos jogos de futebol. “Ele era ruim de bola. Mas era gozadérrimo”, conta Rafael. “Entrava dando trombada em todo mundo. Quando botavam para marcar um cara, aquele cara não fazia nada. Ele ficava ao lado, derrubava, fazia qualquer negócio”, diz. No verso de uma foto que enviou a família, Renato contou de uma ocasião em que os brasileiros ganharam “no jogo e no pau” dos campeonatos improvisados entre os colegas de diversas nacionalidades.
Politicamente, Renato demonstrava o mesmo temperamento: não apresentava grandes formulações teóricas, mas tinha disposição para as tarefas políticas e ansiedade pelas ações, lembra Rafael: “Não dava demonstração de muito conteúdo filosófico, político. Mas tinha um entusiasmo fora do comum e uma positividade enorme. Era um guerrilheiro, tinha um espirito de guerrilha. Se eu fosse fazer qualquer coisa numa revolução, gostaria de ter um batalhão de Luiz Renato”, completa.
Com o aumento da influência cubana entre os estudantes, a universidade passou a pressionar aqueles que divergiam da linha soviética, como Renato. Um exemplo foi a tentativa de vetar a realização de um ato em memória de Ernesto Che Guevara, morto em outubro de 1967, conta Rafael. Os alunos reagiam: um dia, as janelas amanheceram tomadas por imagens do Che, reproduzidas pelos estudantes ao longo da noite, contrariando a direção. O ato finalmente aconteceu no pequeno auditório da Faculdade de Economia, transbordando de gente para fora.
As contradições entre os estudantes e a direção soviética tornaram-se ainda mais agudas com as primaveras de Paris e Praga. Em 1968, durante o Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, em Sófia, capital da Bulgária, Luiz Renato estava entre os que participavam dos debates acalorados sobre os rumos da revolução.
“Quando voltou a delegação de Moscou [do festival], ele já estava muito marcado pelo pessoal do partidão. Aí ficou marcado dentro do sistema de vigilância soviético”, diz Rafael.
O chefe da delegação brasileira era o atual vice-prefeito de São Carlos (SP), Emerson Leal, à época vice-presidente da entidade presidida por Rafael. “Ele [Luiz Renato] era um dos defensores mais ferrenhos e combativos da luta armada. Por isso era grande sua sintonia com os estudantes da Bolívia e do Peru, muitos dos quais defendiam essa linha. Principalmente com os bolivianos – afinal, o Che Guevara tinha morrido na Bolívia e os guerrilheiros bolivianos preparavam a segunda fase da guerrilha”, lembra.
“Ele queria ver as coisas acontecerem rapidamente. O Luiz Renato, literalmente, ‘quebrava o pau’, porque achava que nossos países latino-americanos eram governados por ditadores ou por pessoas subservientes aos interesses do imperialismo. E, como dizia, a única linguagem que este ‘pessoal’ entendia, era a da luta armada, como aconteceu em Cuba”, prossegue Leal.
Um dia, Luiz Renato sumiu. “Qual não foi minha surpresa quando vi, em um jornal boliviano mostrado por colegas da Patrice Lumumba, uma foto do Luiz posando junto com outros militantes armados na Bolívia. O jornal noticiava sua morte”, recorda Leal. Tal era o entusiasmo e a radicalidade demonstradas por Renato que militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) chegavam a cogitar que ele fosse um agente infiltrado, fazendo-se passar como revolucionário para conquistar a confiança dos companheiros. De um colega do PCB, ouviu: “Imagine, e eu que pensava que o Luiz fosse um agente da direita”.
Volveremos a las montañas
O boliviano Osvaldo “Chato” Peredo estudava Medicina na Universidade Patrice Lumumba, em 1966, quando recebeu dos irmãos mais velhos, Inti e Coco, a missão de recrutar estudantes dispostos a engrossar as fileiras do Exército de Libertação Nacional, que sob a liderança de Ernesto Che Guevara iniciava sua campanha na Bolívia. Chato recorda bem o encontro com os irmãos no aeroporto de Moscou no dia 7 de novembro de 1966, um dia depois de a guerrilha do Che começar. “Eu queria ir com eles, mas me dão a tarefa de recrutar os estudantes de países socialistas”, diz.
Em setembro de 1967, quando Luiz Renato chegava a Moscou para estudar na Patrice Lumumba, Chato Peredo já havia se graduado médico e andava pelo mundo a recrutar jovens para a guerrilha. Coco morreria no mesmo mês, em combate, e Guevara, em outubro. Inti Peredo seria o principal líder do ELN e um dos cinco sobreviventes da guerrilha do Che a deixar a Bolívia rumo a Cuba, de onde no ano seguinte redigiria o manifesto, publicado em julho de 1968, no qual proclamava: “A guerrilha boliviana não morreu. Voltaremos às montanhas”.
Foi por esse período que Luiz Renato se engajou na “outra guerrilha guevarista” na Bolívia, sequência do movimento iniciado por Che. Chato não sabe precisar se conheceu Luiz Renato em Moscou. “Eu me reunia com as pessoas, e possivelmente assim foi o contato com Renato, porque não recordo o momento em que ele se incorpora”, diz.
A entrada na Bolívia, depois de um período de treinamento em Cuba e de preparação no Chile, se deu em meados de 1969. Futuros guerrilheiros e apoiadores urbanos viviam em pequenos grupos, em casas espalhadas por La Paz. Em setembro daquele ano, antes mesmo de entrar em ação, a guerrilha sofreria um duro golpe com a morte de Inti Peredo, emboscado pela polícia em uma casa onde vivia clandestinamente.
Com a morte de Inti, o dirigente estudantil e mineiro Rodolfo Saldaña assumiu a chefia do ELN, defendendo o retorno ao Chile, para reorganização do grupo. Chato passou a liderar um grupo contrário à decisão do novo comandante. O ELN sofreu novo golpe com a notícia de que os cubanos Pombo, Urbano e Benigno, sobreviventes da campanha do Che, tinham decidido ficar em Cuba em vez de participar da nova empreitada guerrilheira. Em dezembro de 1969 apenas 12 combatentes do grupo original que treinou em Cuba decidiu ficar, lembra Chato. Luiz Renato estava entre os que decidiram continuar.
“Sabíamos que não viriam nem Pombo, nem Benigno, nem Urbano, em quem nós depositamos toda nossa confiança, porque não tínhamos nenhuma experiência guerrilheira. Éramos pessoas inexperientes. Não temos armas, não temos nada, não temos recursos econômicos. Eu afirmo: o dinheiro está nos bancos. Façamos uma ação”, relata Chato.
No dia 30 de dezembro, o ELN assalta um carro forte do Bank of América, que recolhia dinheiro de algumas empresas e terminava o recorrido, naquele sábado, na Cervejaria Nacional. Luiz Renato não participou diretamente da ação. O dinheiro obtido foi utilizado na compra de armamentos e na reorganização da guerrilha, reforçada com a adesão de jovens católicos de esquerda sem nenhuma experiência em combate, o que acabaria contribuindo para a rápida derrota da guerrilha.
Mesmo na Bolívia, prestes a pegar definitivamente em armas, Renato continuou escrevendo para a família. Deni guarda duas cartas. “Na situação em que encontro-me, não é possível mandar notícias seguido”, diz o jovem, então com 26 anos, no dia 27 de junho de 1970. Respondendo à irmã, reafirma sua convicção em pegar em armas. “Como tu disseste, todos temos um ideal e por este temos que lutar, assim entendo também e lutarei até as últimas consequências”, escreve, informando ter se casado, ainda que a companheira soubesse “que poderá ficará viúva mais ou menos rápido”.
Luiz Renato se casou com Susana, militante do ELN que atuava no apoio urbano à guerrilha. Na carta de 15 de julho de 1970 (leia abaixo), pede que lhe mandem a certidão de nascimento, “para que minha mulher possa registrar o filho que deverá, dentro de uns meses, nascer”. Na mesma mensagem, anuncia, escrevendo em portunhol: “Esta possivelmente é a última vez que te escrevo. Amanhã partirei definitivamente para las montanhas, começará la guerra breve e aspiramos expandir por toda América”.
Disposto a qualquer trabalho
No dia 18 de julho de 1970, um grupo de 67 guerrilheiros partiu, em dois caminhões, para a localidade de Teoponte, situada a pouco mais de 200 quilômetros ao norte de La Paz. Bandeiras brancas com um grande “A” azul sinalizavam que aquele seria um grupo de estudantes voluntários da Campanha de Alfabetização promovida pelo governo do general Alfredo Ovando Candia. Dias antes, o próprio ditador havia entregado cartilhas e credenciais a Horácio Rueda Peña, dirigente da Confederação Universitária Boliviana (CUB) e combatente do ELN. Nos caminhões, sob as cartilhas, iam armamentos escondidos.
Luiz Renato estava na retaguarda da guerrilha comandada pelo estudante boliviano, de origem camponesa, Estanislao Vilca. Chato Peredo afirma que chegou a cogitar nomear Luiz Renato como comissário político da guerrilha, mas acabou decidido pelo boliviano Nestor Paz Amora. Renato, inclusive, teria achado melhor não ter essa incumbência, posto que era estrangeiro e não falava bem o espanhol. Ademais, não tinha pretensões de comando.
Luiz Renato é descrito como exímio atirador pelo historiador Gustavo Rodríguez, autor do livro “Teoponte – Sin tiempo para las palabras”. Já Osvaldo Peredo, que foi seu chefe na guerrilha, lembra mais de Luiz Renato como um companheiro disposto a qualquer tarefa. “Do Renato, o que posso dizer é que era um companheiro muito íntegro, disposto a qualquer trabalho e nenhuma pretensão de comando”, lembra Chato.
Chato faria um gesto de reconhecimento ao valor do combatente brasileiro na primeira ação da guerrilha. No dia 19 de julho, o ELN tomou a localidade de Teoponte, assaltou a companhia South American Places e fez reféns dois engenheiros alemães. O rolex de um deles foi dado por Chato a Luiz Renato. “Quando lhe dou o relógio, foi simbólico, como dizer ‘você está por trás de tudo isso’, porque era decidido e disciplinado”, diz Chato.
A guerrilha seria dizimada em cerca de 100 dias. O general Candia havia prometido uma guerra sem feridos nem prisioneiros, e foi mais ou menos o que ocorreu. Inexperientes, os guerrilheiros sucumbiram diante de um Exército muito mais preparado do que na época do Che. Não contavam, além disso, com o apoio da totalidade da esquerda boliviana, que discordava de uma ação guerrilheira contra um governo militar de corte nacionalista. Após o dia 7 de outubro, quando o general Juan José Torres derrubou Candia e assumiu o poder, mandou manter vivos os nove sobreviventes da guerrilha de Teoponte, entre eles Chato Peredo. Luiz Renato, no entanto, já teria sido executado.
Execução
Uma versão falsa sobre as circunstâncias da morte de Luiz Renato há mais de dez anos e é uma das últimas referências ao brasileiro nos jornais. No dia 9 de junho de 1999, o Jornal do Brasil noticiou: “O gaúcho na verdade foi justiçado, junto com outro guerrilheiro, pelos próprios companheiros cubanos e bolivianos. Os dois foram punidos com a morte porque tomaram a lata de leite condensado tirado das provisões”. Até hoje a família de Luiz Renato se incomoda com essa versão, publicada pelo jornal a partir de um equívoco.
Segundo o texto, essa revelação havia sido feita por Cláudio Gutiérrez, ex-preso político gaúcho que chegou a participar de treinamento do ELN no Chile, sem ingressar na Bolívia. Gutiérrez estava lançando o livro “A Guerrilha Brancaleone”, no qual narra sua trajetória no movimento estudantil e na clandestinidade. O episódio teria sido relatado a partir do livro “Memórias de um soldado cubano”, publicado em 1996, em que Dariel Alarcón Ramírez, o Benigno, contou que dois guerrilheiros, um deles brasileiro, haviam sido executados pela guerrilha em razão de um furto de latas de leite condensado. “Luiz Renato era o único brasileiro naquele grupo”, afirmou Gutiérrez ao Jornal do Brasil, que transformou a suposição em fato.
As circunstâncias exatas da morte de Luiz Renato nunca foram esclarecidas – não há registros oficiais -, mas a versão de que o brasileiro teria sido executado pela própria guerrilha é falsa. Em seu diário de campanha, Chato Peredo revela os nomes de guerra dos dois executados pelo próprio ELN: Ferte e Peruchín (Federico Argote Zuñiga, boliviano, e Carlos Brain Pizarro, chileno). O fato aconteceu no dia 26 de setembro, quando Luiz Renato já havia se perdido do restante da guerrilha.
“Foi o exército que o fuzilou. Foram dois companheiros que foram justiçados, porque roubaram a reserva estratégica, roubaram dinheiro e abandonaram os companheiros que haviam ficado ali, esperando o que nós, que estávamos na vanguarda, podíamos conseguir”, disse Chato Peredo em entrevista realizada em 2007. Na entrevista do dia 24 de maio deste ano, em sua clínica médica também em Santa Cruz, reforçou que considera a tese fantasiosa.
No dia 1º de agosto de 1971, cerca de dez meses após o fim da guerrilha, o jornal boliviano El Diário publicou uma reportagem intitulada “Los caídos y verdugos de Teoponte”, difundido pela agência cubana Prensa Latina e assinado por um certo Ariel Rojo, provavelmente um pseudônimo. Trata-se de um relato de como ocorreram as execuções de vários guerrilheiros, entre eles Luiz Renato. Para Gustavo Ostría, entrevistado para esta reportagem em Santa Cruz de la Sierra, uma das hipóteses é que a informação tenha saído de dentro do próprio Exército, durante governo de Juan José Torres, e escrita por algum membro do ELN.
Embora nunca tenha sido comprovado, é um relato plausível e rico em detalhes, do que teria acontecido no dia 26 de setembro de 1970, um dia depois, portanto, do último registro no diário de Luiz Renato. Um camponês do povoado de Yaycurá teria revelado que dois guerrilheiros – nomes de guerra Eugenio e Raúl – estavam no povoado de Masapa, “em muito más condições”. A dupla de combatentes do ELN teria sido traída por “boteros” (barqueiros), aos quais haviam dado dinheiro e seus relógios em troca de serem levados para algum povoado não patrulhado pelos militares. “Mas depois de terem recebido o pagamento, os deixaram em Masapa, povoado que estava a 20 quilômetros de nosso acampamento”, diz o relato.
Antero e Luiz Renato teriam sido presos e levados para o acampamento militar, em Yaycurá, no dia 2 de outubro. No dia seguinte, chegou “um helicóptero para trasladar os prisioneiros à sua última morada, que seria em San Jorge, povoado próximo a Mapiri”, na região de Teoponte.
Às 11h25 da manhã de 2 de outubro de 1971, segundo o relato, Raúl tentou fugir e foi ferido por um soldado. “Eugenio, que estava no chão, sem forças para nada, grita desesperadamente que não o matem, mas o mesmo soldado abre fogo contra ele”, diz o texto. “Raúl e Eugenio caem no chão, queixando-se de dor. Os soldados disparam até acabar com suas vidas”.
Assinando como Carla, Susana escreve uma carta para Deni no dia 25 de janeiro de 1971. “Francamente, não sei como começar esta carta inacreditável”, começa. “Há quatro dias, me asseguraram que Luiz Renato morreu, possivelmente fuzilado pelo Exército”, diz Susana, que conta ainda que o filho deles nasceria “dentro de dois meses”.
Ausência de informações
Não se sabe onde foram enterrados os restos mortais de Luiz Renato, assim como os de vários outros guerrilheiros. Em fevereiro de 2010, o governo Evo Morales entregou aos familiares os restos mortais de quatro guerrilheiros. O trabalho foi realizado pela Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF), com ajuda de pesquisadores bolivianos, entre eles Gustavo Rodríguez Ostría, mas não prosseguiu.
Os arquivos militares do período na Bolívia são fechados. O historiador Gustavo Rodríguez Ostría, que chegou a ser vice-ministro de Educação da Bolívia, conseguiu manusear alguns documentos relacionados à guerrilha durante a pesquisa para seu livro. Entre eles, algumas folhas datilografadas com a transcrição do que seria uma parte do diário de Luiz Renato – com registros esporádicos que, pelo que estava escrito, eram mesmo do brasileiro.
A Associação de Familiares de Detidos, Desaparecidos e Mártires da Libertação Nacional (ASOFAMD) tentou levar adiante um projeto de lei para a abertura dos arquivos militares, mas nunca obteve uma sinalização positiva do governo. “Neste momento, não convém ao governo se indispor com as Forças Armadas”, lamentou Luis Alberto Aparício, presidente da Asofamd, durante conversa em maio na sede da entidade, em La Paz.
Chato Peredo disse ter enviado duas cartas para o presidente Evo Morales, solicitando a abertura dos arquivos militares. “Mas se vê que no Exército há uma resistência grande, porque significa ratificar a imagem de um Exército de fuziladores. Seguramente muitos documentos estão aí, ou estão desaparecendo. E creio que nisso não tem a decisão o presidente Evo Morales de dizer, bueno, descodifiquem. Não me respondeu”, afirmou Chato.
O Ministério da Defesa e o gabinete de Evo Morales não responderam as solicitações de informações para esta reportagem.
O contato com Susana, companheira de Renato na Bolívia e mãe de Mabel, aconteceu já quase no encerramento da reportagem. Na manhã do dia 24 de julho de 2012, Susana atendeu o telefone na Inglaterra, onde vive. Foi solícita, mas não quis dar entrevistas. Limitou-se a dizer: “Prefiro não tocar neste assunto, que dói muito em meu coração. A família de Luiz Renato tem todas as informações e creio que eu não teria mais a acrescentar. Não gostaria que meus sentimentos fossem publicados. É um tema muito doloroso para mim”.
* Daniel Cassol (dbcassol@gmail.com) é jornalista free-lancer. Formado pela UFRGS em 2003, mora em Porto Alegre. Esta reportagem foi realizada através do Concurso de Microbolsas de Reportagem da Pública.
Ridículo do Brasil: US$ 80.000 por um Jeep Grand Cherokee
12 de Agosto de 2012, 21:00 - sem comentários aindaBrasileiro paga mais que o dobro por um carro norte-americano popular, crendo que está adquirindo status de elite financeira e riqueza |
No ano passado, Marco Bahé falou aqui no Acerto de Contas sobre o altíssimo preço cobrado pelos automóveis no Brasil. O texto tratava da alta lucratividade das montadoras no Brasil, que inflacionava o preço dos automóveis.
Na verdade o alto preço cobrado também reflete a pouca exigência coletiva do consumidor na negociação por preços, já que carro é considerado status no Brasil.
Esse fato, somado à boa vontade excessiva de Brasilia com a incompetência da indústria nacional, oferece esta situação surreal de mercado. Quando falo em boa vontade excessiva, basta lembrar da retaliação à Jac Motos no Brasil, que já foi assunto de discussão no Acerto de Contas.
Hoje a Forbes trouxe um artigo falando sobre o fato dos brasileiros pagarem 80 mil dólares por um carro considerado simples nos EUA, que até (esse foi o termo) um professor primário do Bronx tem condições de comprar, porque lá é muito barato.
O artigo ainda ironiza o fato de que as pessoas pagam isso no Brasil porque supostamente dá status.
Segue o texto, que retrata bem esta situação.
Brazil’s Ridiculous $80,000 Jeep Grand Cherokee
Na Forbes (Artigo original em inglês livremente traduzido pelo Sr Comunica)O Jeep Grand Cherokee 2012 é visto no chão do New York International Auto Show. Os brasileiros adoram este carro tanto que estão dispostos a pagar mais de 80 mil dólares por ele |
Os Jeep Grande Cherokee 2013 brasileiros têm o custo estelar de R$ 179.000, ou cerca de 89.500 dólares. Os direitos de importação e outros impostos fazem com que a compra brasileira de um musculoso Jeep Cherokee custe três Jeeps deles, se eles estivessem vivendo em Miami como seus amigos. Nos EUA, o Jeep Grand Cherokee 2013 irá correr com você por cerca de US$ 28.000. Isso é quase metade da renda média americana, mas US$ 89.500 está a anos luz de distância da renda média brasileira.
Para não ficar atrás, o Grupo Chrysler vai lançar seu Dodge Durango SUV 2013 por mais do que o preço de etiqueta do Jeep. O Durango será apresentado no Salão do Automóvel de São Paulo, em outubro, por módicos R$ 190 mil (US$ 95.000). Nos EUA, é vendido por cerca de US$ 28.500. Um professor do ensino fundamental no sistema escolar público do Bronx pode comprar um. Tudo bem, talvez não um novo, mas com um ou dois anos de uso, certamente.
Não há outra razão para que a tributação pesada de mais de 50% e a ingenuidade do consumidor pensar que pagando o preço de um BMW X5 é o mesmo que comprar um Cherokee. Desculpe, Brazukas ... não há status em um Toyota Corolla, Honda Civic, Jeep Grand ou Dodge Durango. Não se deixe enganar pelo preço. Você está definitivamente sendo roubado.
Pense desta forma, se o seu amigo americano lhe disse que apenas comprou um par de Havaianas por US$ 150. Você diria a ele que pagou demais. Claro que o chinelo é sexy, elegante e chique, mas ele não vale US$ 150 dólares. Quando se trata de carros para status no Brasil, as classes mais altas estão servindo Pitu e Pinga 51 em suas caipirinhas e pensando em seu licor da prateleira de cima.
Para aqueles que sabem ler Português, confira Noticias Automóveis, um blog sobre carros no Brasil. Eles têm um artigo explicando em detalhes onde a maioria do dinheiro vai para o preço de mercado dos carros no Brasil.