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O Mundo Amanhã: a guerra virtual
24 de Novembro de 2012, 22:00 - sem comentários ainda “Uma guerra invisível e frenética pelo futuro da sociedade está em andamento. De um lado, uma rede de governos e corporações vasculham tudo o que fazemos. Do outro lado, os Criptopunks, desenvolvedores que também moldam políticas públicas dedicadas a manter a privacidade de seus dados pessoais na web. É esse o movimento que gerou o WikiLeaks”, diz Julian Assange, na introdução da oitava entrevista da série World Tomorrow.Dividida em duas partes, a entrevista traz Assange reunido com seus companheiros Andy Muller Maguhn, Jeremie Zimmerman e Jacob Appelbaum, cyberativistas que lutam pela liberdade na internet.
“É só olhar o Google. O Google sabe, se você é um usuário padrão do Google, o Google sabe com quem você se comunica, quem você conhece, do que você pesquisa, potencialmente sua orientação sexual, sua religião e pensamento filosófico mais que sua mãe e talvez mais que você mesmo”, fala Jeremie.
No bate-papo, eles conversam sobre os desafios técnicos colocados pelo furto do governo a dados pessoais, a importância do ativismo na web e a democratização da tecnologia de criptografia.
“A força da autoridade é derivada da violência. As pessoas deveriam conhecer criptografia. Nenhuma quantidade de violência resolverá um problema matemático. E esta é a chave-mestra. Não significa que você não pode ser torturado, não significa que eles não podem tentar grampear sua casa ou te sabotar de alguma forma, mas se eles acharem alguma mensagem criptografada, não importa se eles têm força de autoridade. Por trás de tudo que eles fazem, eles não podem resolver um problema matemático”, sentencia Jacob.
Na entrevista, os criptopunks avisam: para se ter paz na internet, é preciso haver liberdade. Ou a guerra vai continuar.
Assista a entrevista a seguir, ou clique aqui para baixar o texto na íntegra.
Popout
(Publicado em Agência Pública)
Jornalistas de Pernambuco realizam ato pela valorização profissional
23 de Novembro de 2012, 22:00 - sem comentários aindaEnquanto aumenta a receita dos empresários da mídia, os trabalhadores do setor recebem menos que categorias como a dos motoristas e da construção civil |
Convocado pela Intersindical da Comunicação, que envolve jornalistas, gráficos, publicitários e jornalistas, o ato de protesto contou com grande adesão e denunciou à população a difícil realidade dos jornalistas e a superexploração a que são submetidos pelas empresas de comunicação, que negam-se a instituir um piso salarial unificado. Faixas e panfletos expunham os salários pagos os jornalistas por alguns dos veículos: sistema Folha de Pernambuco - R$ 930; Rádio Jornal, do Grupo JCPM - R$ 1.200; TV Jornal/SBT - R$ 1.300. No Interior do Estado a situação é ainda mais drástica. Em Petrolina, na TV Grande Rio/Rede Globo um repórter em início de carreira recebe 835 reais mensais.
Em material divulgado pela internet, o Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco denunciou, também, que os baixos salários colocam em risco a qualidade da informação prestada pelas empresas, "que cobram caro pelo anúncio mas não querem pagar o preço da qualidade de profissionais com formação superior".
A situação da campanha salarial dos jornalistas pernambucanos foi exposta no 35º Congresso Nacional dos Jornalistas, realizado de 7 a 10 de novembro, em Rio Branco, quando foi aprovada moção de apoio ao movimento.
Em Fortaleza redação de O Estado pára por aumento salarial digno
A redação do jornal O Estado parou no fim da tarde de terça-feira (20) durante manifestação realizada pelo Sindicato dos Jornalistas do Ceará na porta da empresa para exigir reajuste decente aos jornalistas empregados em veículos impressos do Ceará. Portanto faixas e bandeiras, os jornalistas promoveram um apitaço para que os jornais “enrolem menos e negociem mais”. A categoria reivindica um reajuste de 11%, mas os jornais só oferecem 6% para salários acima do piso e 6,39% para pisos salariais. Nesta sexta-feira (23/11), completaram-se quatro meses que a categoria entregou a pauta de reivindicações ao Sindicato das Empresas Proprietárias de Jornais e Revistas do Estado (Sindjornais). O Sindicato dos Jornalistas promete prosseguir com as manifestações nas empresas até os patrões voltarem às negociações.
Para jornalistas do RN proposta patronal de reajuste de 5% é esmola
O Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Norte voltou a se reunir com os patrões na tarde desta sexta-feira (23/11) para discutir o reajuste da categoria. Até esta terceira rodada de negociações os donos dos veículos de comunicação ofereceram apenas 5%, índice que sequer cobre a inflação do período (5,40%). Na próxima segunda-feira (26/11) haverá audiência pública na Assembleia Legislativa, a partir das 19h30, para debater o piso dos jornalistas. A convocação foi feita pelo deputado estadual Fernando Mineiro (PT).
Como Psy me ensinou o “Gangnam Style”
21 de Novembro de 2012, 22:00 - sem comentários ainda Por Jay RaynerAprender a dançar como um cavalo é realmente difícil, mesmo que você tenha um bom professor — e o meu é o melhor do mundo. Ele é um coreano robusto e baixo, de rosto liso, 34 anos, usa um blazer brilhante, sapatos combinando sem meias e maquiagem suficiente para fazer Katie Price parecer uma embaixadora do visual natural. Psy, abreviatura de Psycho ["Louco"] — o nome verdadeiro é Park Jae-sang –, também é hoje o maior astro pop do planeta. Ele leva crédito por demolir barreiras culturais enquanto faz o mundo dançar. Devo estar em boas mãos. O clipe de sua canção “Gangnam Style”, lançada em julho, é oficialmente o mais “curtido” na história do YouTube — 5 milhões de vezes, e vai aumentando. É o segundo mais assistido depois de “Baby” de Justin Bieber, com mais de 700 milhões de acessos (também aumentando. Nesta história tudo avança rapidamente). Ele chegou ao primeiro lugar em 28 países. E é inteiramente em coreano.
A faixa, que zomba impiedosamente das pretensões das pessoas que se associam falsamente às modas e estilos do vistoso bairro de Gangnam, em Seul — uma espécie de Beverly Hills sul-coreana –, foi chamada de “uma força pela paz mundial” pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. Não é mau para uma série de passos de dança que envolvem um trote com as pernas abertas como se você estivesse andando a cavalo, as mãos cruzadas nos punhos como se segurassem as rédeas, seguidos de um gesto de chicotear. Grupos relâmpagos de até 30 mil pessoas dançaram o Gangnam style. Boris Johnson, o prefeito de Londres, afirmou ter dançado oGangnam style com David Cameron em Chequers (a casa de campo do primeiro-ministro) em um fim de semana. Barack Obama prometeu dançar o Gangnam style para Michelle na Casa Branca. É assim que se mantém um relacionamento vivo.
Em consequência, Psy foi chamado para ensinar sua dança a outras pessoas. Ele ensinou Britney Spears, ensinou Justin Bieber. E agora o pobre rapaz tem de ensinar a mim, um homem que, quando estavam distribuindo os pés, certamente ficou na fila marcada “peixes”. Estamos no meio de um salão de bailes no Hotel Dorchester, em Londres, observados por sua equipe, um fotógrafo e equipe de vídeo para registrar este momento para uma posteridade que não nos agradecerá pelo esforço. Ele me mostra o salto duplo de um pé para o outro, um movimento rítmico que deve ser controlado antes que você possa pôr em ação os pulsos cruzados. Eu levanto o pé direito para imitá-lo e…
Mas vamos parar um pouco por aqui, no meio de um salão vazio, eu com um pé de pombo levantado, Psy olhando para mim como se temesse que eu caísse (algo bem possível). Algumas horas antes, estamos na sede da BBC Radio 1 e a turnê de Psy acaba de chegar à cidade. Na noite anterior ele falou para os estudantes na Sociedade Oxford Union, no inglês que ele aprendeu durante quatro anos estudando nos Estados Unidos. Agora ele tem uma limusine brilhante, um rebanho de paparazzi carregados de lentes e uma multidão de fãs que o esperam.
Ele deixou a Coreia do Sul há um mês, em uma turnê internacional que, confessa, o pegou de surpresa. Publicou o vídeo no YouTube em 15 de julho. Poucos dias depois era comentado no Twitter por pessoas como Robbie Williams, Katy Perry e Tom Cruise. Isso lhe garantiu um contrato de representação com Scooter Braun, que também é o agente de Justin Bieber, e provocou inúmeras paródias no YouTube. Entre elas está um “Eton Style” de casaca, com os alunos da escola, outro de um bando de Klingons, um “Estilo Judeu” e, quase inevitavelmente, um que mistura Gangnam style com a cena de Hitler em seu bunker do filme A Queda.
Psy durante show em 17 de outubro em Sydney, na Austrália. Foto: Greg Wood / AFP
Eu escutei Psy ser entrevistado para o rádio e a televisão no tempo que passamos juntos, e não é de surpreender que haja várias frases padronizadas às quais ele recorre, que não se tornam menos verdadeiras devido à repetição. “Eu não chamo isto de sucesso”, ele diz ao DJ Scott Mills, a um repórter do Newsbeatda Radio 1, para Jonathan Ross e finalmente para mim. “Isso é um fenômeno. Isso não foi feito por mim. Foi feito pelas pessoas.”
Ele sabe a diferença. O fato é que enquanto Psy pode ser novo para muitos de nós, o sucesso não é novo para ele. Gangnam style é uma faixa de seu sexto álbum. Ele está no topo das paradas na Coreia do Sul há mais de dez anos, o que significa que o personagem que foi revelado ao mundo — e é um personagem — está plenamente maduro. O que importa é compreender esse personagem, o modo como ele zomba de pessoas que afirmam ter classe no modo como elas são vistas em Gangnam, onde o próprio Psy cresceu.
“Eu não sou muito bonito”, ele diz, e não adianta discutir esse assunto. Apesar de todo o seu carisma, ele não é excepcional. Mas o que ele tem é um timing cômico brilhante; uma maneira de usar uma caricatura da implacabilidade asiática que é simplesmente devastadora. “É por isso que Gangnam style funciona”, ele me diz. “Se alguém bonito usar essa frase, é apenas estranho. Mas se uma pessoa como eu a usa é engraçado.”
O sucesso de sua última canção foi anunciado por muitos como um avanço do K-pop, uma espécie particular de música enfeitada e muito fabricada que domina as paradas asiáticas. Mas o K-pop surgiu há muito tempo. Impelido pela força da mídia social, números de K-pop como Rain, The Wonder Girls e SM Town têm lotado grandes estádios nos Estados Unidos desde 2006. Pelo mesmo padrão, embora Psy seja coreano e sua música definitivamente pop, ele não é a corrente dominante do K-pop. Em uma sociedade altamente conservadora, a maioria dos artistas K-pop é treinada em um sistema de escola da fama para o estrelato — aulas de dança, aulas de canto, como lidar com a mídia –, antes de ser liberados para o público com um produto altamente inócuo, calibrado para ofender o menor número possível de pessoas.
Psy é completamente autoinventado. Filho de um empresário rico, ele tomou bomba no colégio. Enviado para estudar administração de empresas em Boston no final dos anos 1990, ele preferiu cursos de música contemporânea no prestigioso Berklee College of Music (também não concluídos). Ele nunca evitou causar ofensas. Seu primeiro álbum, “Psy from the Psycho World”, lançado em 2001, lhe deu uma multa por “conteúdo inadequado”. O segundo provocou queixas de que o conteúdo poderia ter um impacto negativo nas crianças e foi proibido para venda a menores de 19 anos.
Houve uma detenção por posse de maconha e uma pendência com as autoridades por não demonstrar dedicação suficiente a seus deveres no serviço militar (uma questão séria em um país que ainda está oficialmente em guerra com a Coreia do Norte). Como ele diz hoje: “Antes de Gangnam style, eu não era um artista com boa atitude. Eu era um mau elemento. Eles não têm uma expectativa de mim no lado moral”. Não importa. Ele ainda recebeu uma honraria do Estado por “aumentar o interesse do mundo pela Coreia”. Não que esteja especialmente feliz. “Essa é uma enorme responsabilidade. Eu não a quero. Não sou responsável peloGangnam style. E agora tenho de ser bom.”
Invadimos o estúdio do DJ Scott Mills na Radio 1 para uma entrevista pré-gravada. Mills leva crédito por trazer a faixa para a Inglaterra e ajudá-la a chegar ao primeiro lugar. Em um golpe de mestre, sua equipe de produção pediu que a locutora Kathy Clugston, da Rádio 4, lesse a letra de Gangnam style com sua voz de BBC, fria como vidro: “Eu sou um cara, um cara que tem ideias proeminentes em vez de músculos proeminentes; um cara que enlouquece completamente quando chega a hora certa”. Isso apenas enfatizou a comédia.
Mills lhe pergunta quais são seus próximos planos. Psy diz que fará outro álbum, mas só a metade em inglês. O resto ainda será em coreano. A verdade é que inúmeras bandas de K-pop tentaram entrar nos mercados globais cantando em inglês e simplesmente não funcionou. “Eu não fiz o menor esforço para que isso acontecesse”, ele diz. “Na próxima vez terei de fazer de propósito. Se pegar, tudo bem. Não me sinto pressionado.”
Ele recebe um certificado do Livro dos Recordes Guinness pelo vídeo mais apreciado no YouTube. Psy diz que é o primeiro certificado que já recebeu, e sentimos que não está brincando totalmente.
Psy, que se tornou estrela mundial com o Gangnam Style. Foto: Philippe Lopez / AFP
Então vem o pedido inevitável de Mills para que lhe ensine a dançar, algo que Psy admite que já fez mais de mil vezes. Assistindo ao processo, a atração fica evidente. Primeiro, a dança é absurda, ridícula no verdadeiro sentido da palavra, de modo que mesmo que você não faça direito é engraçada. E se você fizer errado — ou pelo menos não errado demais — realmente não importa. Além disso, há o simples fato de que você pode aprender tudo. Gangnam stylenão foi simplesmente um sucesso a ser consumido; foi algo para se participar. Daí as paródias e o culto.
No Hotel Dorchester, Psy e eu retardamos um pouco nosso momento aula de dança. Na noite anterior, enquanto falava para a Oxford Union, ele pediu desculpas pela qualidade de seu inglês e disse que se pudesse falar em coreano os teria feito rolar pelos corredores. Eu lhe pergunto se a barreira da língua é frustrante. Ele concorda. “Em coreano minhas letras são inteligentes, têm jogos de palavras. Mas traduzido para o inglês não chega lá. Eu tentei escrever em inglês só para mim, mas não funciona. Eu precisaria saber tudo sobre uma cultura, e não sei.” Ainda assim, ele diz, a faixa foi o primeiro lugar em todo o mundo, sem a inteligência. “Acho que isso quer dizer que ainda tenho algumas armas.”
Psy é um personagem, ele diz. “É um produto fabricado por mim. É a minha parte mais dinâmica. Eu gosto da palavra ‘artista’, mas não gosto da palavra ‘artista’ dentro da minha casa.” Ele é casado e tem dois filhos. “Quando os shows terminam, eu apenas quero ir para casa e ser eu mesmo.” Ele admite que lamenta o modo como é retratado hoje e o compara a sua estreia há 12 anos na Coreia do Sul. “Na época eu era apenas um cara engraçado com uma dancinha. Eles não falavam sobre a composição ou a presença no palco, e hoje sou o mesmo. Suponho que seja apenas uma questão de tempo.”
Dito isso, ele confessa ter aplicado um esforço que ele mesmo considera ridículo nos movimentos de dança que se tornaram o Gangnam style, suando durante um mês com seu coreógrafo para encontrar algo que desse certo. “Passamos por muitos animais. Fizemos a cobra, o canguru…” Como dança um canguru? Ele olha para mim, com o rosto tranquilo. “Ele pula.” Eu merecia isso. Está claro que ele acha enervantes as consequências desses 30 dias de deliberação. “Apenas uma canção fez isso. É demais. É grande demais. Eles nem sequer querem outra história. As pessoas precisam de tempo para me entender, e eu preciso de tempo para me mostrar a elas.”
Quase me sinto culpado por ter-lhe pedido para me ensinar a dança, mas Psy não reclama. Dito isso, enquanto subimos as escadas ele solta um suspiro.
Eu digo: “Você suspirou”. Ele dá um pequeno sorriso. “Psy suspirou.”
Mas quando as câmeras são ligadas ele faz a coisa, nem sequer pisca quando temos de recomeçar porque o microfone estava desligado. Ele me mostra os passos e eu tento o melhor possível fazer meus vários membros se moverem na direção certa. Sinto-me como um móvel da Ikea em embalagem para transporte. Sinto exatamente como deve ser, mas chegar lá será uma luta. É uma marca do gênio e da persistência de Psy que, de algum modo, ele me faz dançar. Eu sou o Gangnam style.
No dia seguinte ele faz uma participação no Jonathan Ross Show. Depois seguiu para Frankfurt para os prêmios da MTV. De lá voltará para Los Angeles para o American Music Awards, depois o Canadá e de volta à Europa. A Turnê Psy tem um longo caminho pela frente. Ele tem muito mais pessoas que precisam aprender os passos. O homenzinho de Gangnam está conquistando o mundo, um pulo do cavalo de cada vez.
Leia mais em Guardian.co.uk
Publicado na Carta Capital
Novo ativismo: distraídos venceremos?
20 de Novembro de 2012, 22:00 - sem comentários aindaSegundo encontro da série Primaveras debate significado e potência de ocupações festivas do espaço público, como a da Praça Roosevelt em São Paulo |
Por Amanda Safatle
Quando uma multidão de cerca de 10 mil pessoas ocupa a recém-reformada Praça Roosevelt em um movimento apartidário, advogando que Existe Amor em São Paulo, a gente se põe a perguntar: isso faz parte de um novo ativismo? Será esta uma outra forma, soft e informal, de fazer política?
Nossa hipótese é de que festa, a arte e a distração fazem parte desse caldo que passa recados fortes de insatisfação com o que está aí: uma sociedade desigual, imersa em crises civilizatórias e prova viva de que o atual sistema não está dando conta de fazer a economia funcionar em prol do bem-estar humano. E ainda por cima avança sobre os próprios limites físicos do ambiente.
Se no primeiro encontro do ciclo “Primaveras – diálogos sobre ativismo, democracia e sustentabilidade” Ricardo Abramovay e Ladislau Dowbor nos ajudaram a mapear essas crises, no segundo evento avançamos na discussão sobre como usar o ativismo e a mobilização social para enfrentá-las.
A pergunta norteadora do diálogo foi: será que assim, às vezes de forma tão distraída, venceremos? A multidão que participou do “Existe Amor em SP” ou do evento “Amor sim, Russomano não”, terá sido meramente atraída pelos shows de Criolo, Emicida e Gaby Amarantos, ou estava lá movida também por alguma indignação e motivação política, no sentido de buscar transformações? Até que ponto esse ativismo difuso, que parece episódico, festivo e sem continuidade, é efetivamente transformador?
Pablo Capilé, um dos criadores do coletivo Fora do Eixo, que esteve por trás do Existe Amor em SP, vivenciou os movimentos de indignação na Espanha e foi um dos convidados do ciclo Primaveras. Traçou um comparativo que coloca o Brasil como um ator de destaque no ativismo mundial. Para ele, enquanto na Europa primeiro se aglutinaram bandeiras para depois buscar formas de criação e articulação de territórios, aqui se dá o contrário: existe uma estruturação permanente de pequenos territórios que aos poucos vão se articulando em rede. Eventos como o Existe Amor ajudam a amarrar esses laços entre grupos que antes não tinham diálogo, mas giram em torno de causas e pautas muito similares entre si. São os bikers, os grafiteiros, os ambientalistas, o pessoal do hip hop, oshackers. São 20 a 30 coletivos que, segundo Capilé, continuam debatendo dentro e fora dos shows.
A soma dessas forças é poderosa: “A cada 1 real captado, esse movimento é capaz de transformar em 100”, diz Capilé. “Por exemplo: para fazer o Existe Amor em SP, o movimento gastou R$20 mil. Se cada um fosse fazer por fora, um evento como esse custaria R$ 500 mil. Só o cachê do Criolo custa R$ 70 mil. O do Emicida é R$ 40 mil. Mais segurança etc.”
“Quem sempre viveu em gambiarra, em época de crise, surfa”, diz Capilé, comparando o Brasil de sempre com a Europa recentemente afundada em crise econômica. Para ele, tem muita gente lá fora querendo saber como a gente faz, qual é nossa tecnologia. “Não tem nenhum continente fazendo o enfrentamento como a América do Sul. E a África está pronta para se conectar com a América Latina, querendo saber como parir este novo mundo possível, que está grávido. Esses grupos continuam discutindo criando observatórios constantes, fazendo pressão social o tempo inteiro”, disse Capilé.
O contraponto ficou por conta de Pablo Ortellado, professor de Gestão de Políticas Públicas na USP, coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai) e também convidado pelo Primaveras. Para ele, a geração de ativistas de hoje, dos “occupies” não é pragmática e está completamente despreparada para converter essa energia potencial em mudança efetiva.
Não sabe, por exemplo, lidar com a mídia, com as ONGs, com os partidos. Tem dificuldade em trabalhar com aspectos práticos do ativismo político, como captação e gestão de recursos financeiros. “Essas coisas são difíceis, tem que saber como se alinhar, como conseguir dinheiro, doação. São coisas básicas, mas que não são feitas porque esta geração não tem experiência política – não sabe fazer política”, critica.
Ele ainda aponta que é um erro atribuir aos modos de comunicação o florescer de movimentos como a Primavera Árabe e os “ocupas”. Na verdade é o contrário: foi a geração política anterior, nos anos 1990, que desenhou os meios difundidos hoje, como YouTube, Flickr e Twitter para dar suporte aos movimentos que já estavam em curso. O Twitter tem poucos caracteres porque foi inventado justamente para servir como instrumento de mobilização política.
Nesse momento, Ortellado convidou a uma reflexão: vitória ou derrota? Pois o que havia sido inventado como uma forma de fazer frente ao meios de comunicação dominantes e ao sistema econômico viraram as novas grandes corporações da comunicação, estrelas do mundo capitalista.
“A gente desenvolveu um monte de tecnologias nos anos 90: primeiro, a comunicação ponto a ponto, aí tinha listas de emails, depois os sites de publicação aberta, depois os blogs coletivos. São as mesmas pessoas, nossos amigos, que foram desenvolvendo tudo isso. Fundaram empresa, hoje são milionários e estão profundamente integrados ao sistema. Temos agora 2 bilhões de usuários de internet. Vitória ou derrota?
Capilé discorda da afirmação de que falta pragmatismo à atual geração de ativistas. “O problema são as plataformas atuais [sindicatos, partidos, movimento estudantil, conselhos municipais]. São analógicas e não dão conta de ativar os desejos do século XXI. Essa geração atual é pragmática quando se olha o processo, e não o produto final”, disse.
Se as plataformas vigentes são inadequadas, quais seriam as adequadas? Estão para ser criadas? Como afirmou uma participante, ao mesmo tempo em que os partidos políticos podem trazer opressão, também trazem proteção – não é indivíduo sozinho defendendo uma ideia. “Ainda é interessante manter instituições e se combinar com elas?”, questionou.
Outro participante deu seu depoimento: “Tentei me ligar a movimento estudantil, mas as estruturas de reunião, até esteticamente, não condizem com o desejo da galera. Os jovens estão negando tudo isso, mas sem propor coisas no lugar. Como criar novas estruturas de participação política que dialoguem com os centros de decisão?”
“Conversar sobre política é muito difícil em qualquer sala de aula do Brasil. Vamos hackear as escolas porque aí fazem delas o local do debate das novas gerações”, propôs outra participante. “O movimento da mídia livre está crescendo, enquanto a TV Globo perde audiência. Embora eu tenha votado no Haddad, não me filiei ao PT, e sim aos vários coletivos dos quais faço parte. Então existe um novo movimento acontecendo em torno de uma pauta em comum que é a de viver bem”.
“A juventude não entra no partido porque lá não sabe o que pode falar. Já nos coletivos, entra numa roda, senta no chão e fala o que quiser”, comentou-se.
“Fazer memes, fazer arte, fazer festa é muito importante porque assim se consegue falar o que as palavras não dizem”, disse um rapaz. “A gente está muito mais empoderado e isso é uma forma de ativismo. Não dá mais para ser super pragmático, bibliográfico, sistematizado. É importante abrir um pouco mão do pragmatismo.”
Capilé pontuou que é um mito o senso comum de que juventude atual não tem foco. “Ela tem, sim, um multifoco. Está preparada para lidar com várias coisas ao mesmo tempo”. Mas, em vez de trabalhar isso, receita-se Ritalina às crianças e aos adolescentes.
E quando a discussão enveredou para a questão do centro de poder versus periferia, ele a taxou de contraproducente. “Não vale a pena ficarmos aqui discutindo o que é periferia e o que é a periferia da periferia do Brasil. Eu venho de Cuiabá – a capital mais longe do mar de todos os lados [onde o Fora do Eixo foi criado]. O Amapá não tem banda larga – quando o pessoal sai de lá, descobre que o GTalk é instantâneo! Ninguém sabe que Roraima é Brasil. E o ativismo nesses lugares é muito ativo. O Brasil não se define mais por São Paulo e Rio. Isso pra mim é revolucionário”. E assim Capilé fechou sua metralhadora.
O Primaveras é uma iniciativa coletiva de Página22, Matilha Cultural, Escola de Ativismo, Outras Palavras, IDS e Crisantempo. O segundo encontro reuniu cerca de 100 pessoas no espaço Matilha Cultural, em São Paulo, e foi assistido on-line por 350 espectadores. Assista à íntegra do evento em www.ustream.tv/recorded/26971348.
Igualdade, fraternidade, liberdade
13 de Novembro de 2012, 22:00 - sem comentários ainda
Um libertário de esquerda não fica feliz por ser livre sozinho, mas apenas se os outros também o forem
Fraternidade quer dizer algo mais do que se pensa. Ela significa que estamos todos no mesmo barco e que algo nos une que vai para além da doutrinas e dos laços políticos e jurídicos. Há quem entenda a fraternidade estritamente como sendo apenas relativa ao que é de irmãos, ou seja, homens. Não é assim; a fraternidade diz respeito a um sentido de irmandade com o que está fora de nós; estende-se naturalmente aos nossos próximos e aos forasteiros, aos que existem e aos que virão. É por esse sentimento de pertença comum, também com aqueles que hão de vir, que devemos zelar pelo planeta, não por uma espécie de racionalidade egoísta mas porque gostaríamos que eles chegassem a conhecer isto. O conceito de fraternidade encontra-se em particular nos movimentos ecologistas. A fraternidade não é a mesma coisa que justiça (os animais não nos tratam com justiça, nem nós a eles) pois transcende a mera equidade. A fraternidade é o menos entendido conceito da trilogia da esquerda, mas ele é a moldura que integra os outros dois conceitos e de certa forma os segura e impede (ou deveria impedir) de serem totalitários: ninguém pode ter tanta razão, na ideologia, na doutrina, ou na luta política, que esteja dispensado da fraternidade.
Finalmente, porque é o essencial, a Liberdade, que é mais do que individualmente podermos fazer coisas sem restrições exteriores. Um libertário de esquerda não fica feliz por ser livre sozinho, mas apenas se os outros também o forem. A liberdade é, desde logo, uma cultura de liberdade: um espaço onde se pesquisa, descobre e aprende a liberdade, um espaço comum onde se cuida da liberdade. Liberdade é liberdade de expressão, consciência e associação; mas também libertação do medo, dos preconceitos, da dependência e da exploração. Se a fraternidade é o menos falado e menos entendido dos conceitos da esquerda, a liberdade é o mais falado, mas o mais difícil de explicar. Liberdade era, para os republicanos clássicos, a capacidade de viver sem estar na dependência de alguém poderoso, ou seja: uma vida sem dominação. Para os românticos, um instinto de liberdade animava cada um de nós. Para os pós-modernos, liberdade é também capacidade de autorrealização. Uma entidade política humana deve poder acomodar estas e outras concepções de liberdade. Numa frase: a liberdade sem a qual os laços entre humanos perdem significado.
(Crônica publicada no jornal Público, de Portugal, em 7 de Novembro de 2012, de autoria de Rui Tavares)