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Parem de culpar gregos e portugueses
11 de Setembro de 2012, 21:00 - sem comentários aindaParem de culpar gregos e portugueses. Discurso curto, porém certeiro, da eurodeputada Maria Matias.Intervenção em Plenário
Estrasburgo, 12/09/2012.
"Disse que o problema é de democracia: não posso estar mais de acordo. Mas foram as instituições europeias que disseram aos cidadãos que a democracia não é necessária, que até se podem dispensar as eleições porque as soluções são mais tecnocráticas do que políticas.
Disse que o problema é político: não posso estar mais de acordo. A crise não aconteceu por obra e graça do Espírito Santo ou porque alguns banqueiros tiveram mais olhos do que barriga; a crise aconteceu porque há políticos que decidiram uma política que diz a esses banqueiros e especuladores que podem ter mais olhos do que barriga.
Disse que o que está em causa são soluções europeias: não posso estar mais de acordo. Mas isso é contraditório. Parem de dizer aos gregos e portugueses que a culpa é deles, que viveram acima das suas possibilidades.
Solidariedade não rima com austeridade assim como crescimento não rima com esta política absolutamente contrária a uma construção europeia. Não há democracia, não há política, não há europeísmo sem cidadãos e só com mercados".
Disse que o que está em causa são soluções europeias: não posso estar mais de acordo. Mas isso é contraditório. Parem de dizer aos gregos e portugueses que a culpa é deles, que viveram acima das suas possibilidades.
Solidariedade não rima com austeridade assim como crescimento não rima com esta política absolutamente contrária a uma construção europeia. Não há democracia, não há política, não há europeísmo sem cidadãos e só com mercados".
A mão do capital que escreve nos jornais
10 de Setembro de 2012, 21:00 - sem comentários aindaDesde o início da atual crise financeira que são evidentes as falhas de pluralismo nos órgãos de comunicação social, não apenas em Portugal, mas um pouco por todo o Mundo |
Desde o início da atual crise financeira que são evidentes as falhas de pluralismo nos órgãos de comunicação social, não apenas em Portugal, mas um pouco por todo o Mundo. Em Portugal, todos os órgãos de comunicação social detêm fortes ligações ao sector financeiro. Os sete grupos de comunicação social, que detêm 32 dos mais importantes órgãos de comunicação social do país são detidos por 17 grandes acionistas.
Desde o início da atual crise financeira que são evidentes as falhas de pluralismo nos órgãos de comunicação social, não apenas em Portugal, mas um pouco por todo o Mundo. Numa altura em que o debate e democrático deveria ser a base para a definição de políticas a nível nacional e comunitário, o espaço para a combate de argumentos é cada vez mais escasso.
Se por um lado os órgãos de comunicação social privilegiam na sua cobertura mediática personalidades ligadas ao poder, por outro lado são raras, para não dizer inexistentes, as ocasiões em que, por exemplo, os opositores às políticas de austeridade conseguem marcar a agenda mediática.
O estabelecimento de um pensamento único, ou de uma agenda de reflexão monocromática, é mais evidente do que nunca. Considero, por isso, importante descodificar todo esse processo.
Da agenda ao pensamento único
Todos os cidadãos estabelecem hierarquias de prioridades na sua vida quotidiana – políticas, sociais, económicas, etc – seja através dos media seja através das relações sociais que estabelece. No entanto, a grande maioria da informação que as pessoas recebem não resulta da sua experiência pessoal como actor principal. Tal como McCombs e Shaw observaram, grande parte daquilo que vamos conhecendo chega-nos, invariavelmente, em segunda ou terceira mão através dos media ou de outras pessoas.
Estes dois académicos foram, em 1972, responsáveis pelo modelo do agendamento ou a chamada agenda-setting. Esta teoria debruça-se sobre a seleção de temas feita pelos media como um fator-chave nas perceções do público sobre a importância desses mesmos temas (Marín, 2011). Temas que poderiam ser completamente estranhos às reflexões da população e de uma determinada sociedade são, assim, introduzidos no debate público, e desde logo na reflexão individual de cada cidadão, devido à agenda imposta pelos media. A teoria do agendamento, no entanto, não defende nenhuma ‘lavagem cerebral’ em massa: os media não dizem às pessoas o que devem pensar, mas sim sobre o que devem pensar.
Mais tarde, em 1988, Chomsky e Herman defenderam, através do modelo da propaganda, que o estabelecimento da agenda obedece a uma lógica muito clara cujo objetivo final consiste na defesa dos interesses dos indivíduos proprietários. Nesse contexto, os media são assim um instrumento ao serviço da burguesia na luta de classes.
O modelo da propaganda identifica cinco filtros através dos quais esta lógica é imposta: (1) a dimensão da empresa, a estrutura concentrada, a riqueza dos acionistas e a orientação para os lucros; (2) a publicidade é a principal fonte de receitas; (3) a confiança dos media e a credibilidade dada à informação transmitida pelos Governos, empresas e pelos chamados 'especialistas'; (4) formas de disciplinação dos media; e (5) ‘anti-comunismo’ como uma religião nacional e mecanismo de controlo. O anti-comunismo, muito presente no período da Guerra Fria, deu lugar a um novo mecanismo através do qual certas ideologias são consideradas anti-patrióticas.
As questões da propriedade na imposição do pensamento único
O primeiro filtro do modelo atrás referido, relacionado com a propriedade e estrutura accionistas dos órgãos de comunicação social, coloca a tónica no facto de os proprietários dos media terem interesses económicos em outros sectores de atividade e relações de proximidade com os restantes capitalistas da sociedade. É uma complexa mas consistente teia de interesses. Ora, esta ideia é bem evidente nos media em Portugal, onde os interesses dos detentores dos órgãos de comunicação social estendem-se por várias outras áreas, como o sector financeiro, a energia, as telecomunicações, a construção civil e até o futebol. Encontramos estes mesmos exemplos noutros países, em França (Bouygues) ou Alemanha (Bertelsmann), e ainda capitalistas que detêm vários órgãos de comunicação social em diferentes países (News Corporation, de Murdoch).
Segundo Adorno e Horkeimer, a estrutura acionista dos media funciona como uma ‘orquestra bem afinada’ para expressar o poder do capital. Os media expressam este poder ao cumprirem a sua função primordial – sobre esta ideia Lenine escreveu que “...a imprensa burguesa alimenta o domínio de uma classe, divertindo e distraindo em lugar de educar” – culto do ‘acontecimento’ e das ‘excitantes futilidades políticas’, ‘vulgarização primária’, 'localismo' e ‘chauvinismo’. Tais características são intrínsecas do próprio jornalismo, parte integrante do sistema capitalista.
Já Gramsci referia que “deveria recordar-se sempre, sempre, sempre, que o jornal burguês (qualquer que seja a sua cor) é um instrumento de luta movido por ideias e interesses que estão em contraste com os seus (dos operários). Tudo o que se publica é constantemente influenciado por uma ideia: servir à classe dominante, o que se traduz sem dúvida num facto, o de combater a classe trabalhadora. E, de facto, da primeira à última linha, o jornal burguês sente e revela esta preocupação”.
Os objetivos subjacentes às ideias defendidas por estes autores são alcançados através do estabelecimento do pensamento único na opinião pública. Os média, atualmente, deram um passo em frente, impondo aos cidadão não apenas aquilo sobre o que devem pensar mas também o que pensar, ao contrário do que defendiam teorias anteriores, como aqui já foi referido.
De seguida são identificados os diversos mecanismos, sinteticamente agrupados, através dos quais os media impõem um pensamento único:
a) A ligação ao sistema financeiro, direta através de participações acionistas nas empresas detentoras dos órgãos de comunicação social ou indireta através dos negócios em outras empresas onde os acionistas destes órgãos também participam. Os bancos são os maiores empregadores de economistas e são estes que nos media, na atual crise financeira, culpabilizam os Estados.
b) Naturalização da ordem económica vigente, onde se clamam as inevitabilidades. Tudo isto assente num dicotomia simplista avassaladora: tudo o que é contra é antiquado, fechado, defensor de interesses particulares.
c) Criação de rubricas nos media que permitem a entrada em cena da ideologia dominante. É um método subtil, nada coercivo, mas bem exemplificativo do agendamento efectuado por parte dos media. Por exemplo, as rubricas na imprensa e na televisão (várias vezes ao dia) dedicadas à evolução do mercado acionista, embora a esmagadora maioria da população portuguesa não detenha qualquer ação.
d) Colocar os ideólogos na pele de tecnocratas isentos: Opinion-markers, instituições neoliberais (Banco Mundial, OCDE; FMI), think-tanks e até jornalistas que ajudam a difundir a ideologia neoliberal.
e) Dependência da publicidade para financiar a empresa jornalística. A dependência das receitas publicitárias era, nos anos 90 do século passado, maior nos Estados Unidos (75% a 80%) do que na Europa (França 45% a 50%). Apesar disso, empresas como a LVMH, Alcatel-Alshtom e Prisma efetuaram pressões sobre os órgãos de comunicação social franceses. Em Portugal, é conhecido, por exemplo, o caso do abandono por parte do BCP da estrutura acionista do semanário SOL, após o jornal ter publicado notícias sobre o caso Freeport.
f) Popularização de um discurso que favorece a rentabilidade dos grupo de comunicação social, transformados em verdadeiros grupos económicos que pretendem alcançar o lucro. Em Portugal, Impresa, Media Capital e Cofina estão cotadas na bolsa, com responsabilidades claras de distribuírem dividendos aos seus acionistas.
g) Infantilização dos leitores, através da divulgação de informação gerida e digerida, que atravessa os cinco filtros enunciados no modelo da propaganda.
h) Alienação da população dos temas mais importantes que afetam a sua vida, através da introdução, na lógica dos valores prioritários, de temáticas redundantes, como a dissecação exaustiva da vida interna dos partidos políticos, do futebol e de situações de violência. Sobre esta última ideia, Joaquim Letria, jornalista bem conhecido do público, cerca de metade das transmissões de televisão dos canais do mundo ocidental ocupam uma boa parte do seu tempo de emissão com casos de agressões e histórias de violência.
i)Promoção de jornalistas coniventes com a lógica dos seus acionistas, de modo a legitimarem uma forma de funcionamento do jornalismo anti-democrática.
Simon Bolívar, o libertador da América do Sul, dizia que a primeira de todas as forças políticas é a opinião pública. Os mecanismos acima enunciados são a base do pensamento único, realidade que se contrapõe aos argumentos dos que defendem que a existência de vários órgãos de comunicação social garante a pluralidade num caos cultural diverso.
O papel dos jornalistas
Os jornalistas são, no meu entendimento, o ativo mais valioso dos órgãos de comunicação social. Tal como as fábricas não produzem sem operários, os jornais não publicam sem jornalistas. Não há nenhuma máquina que o possa substituir. Depois de tudo o que foi acima exposto impõe-se a seguinte questão: o que podem os jornalistas fazer para alterar a política das empresas onde trabalham? A resposta é, infelizmente, pouco ou nada. De facto, os jornalistas são proletários, operários, tais como aqueles que trabalham no sector industrial. Existe, contudo, uma tensão constante entre a lógica profissional e os condicionamentos impostos pelo sistema capitalista. Os jornalistas, ao não serem detentores dos meios de produção, são obrigados a venderem a sua força de trabalho para obterem um salário e, então, sobreviverem. Por esta razão há inúmeros jornalistas que abandonam a atividade jornalística para se dedicar à comunicação empresarial ou marketing.
Esta movimentação no mercado de trabalho entre os jornalistas vem esconder duas dimensões inquietantes: por um lado, o aumento exponencial da precariedade, devido à pressão sobre os salários e sobre os postos de trabalho – só entre 2006 e 2010 foram despedidos cerca de 500 jornalistas em Portugal – por outro, há uma relação próxima entre os jornalistas e o meio empresarial que leva a que sejam convidados a integrar empresas sobre as quais anteriormente escreveram notícias. No fundo, muitos jornalistas escondem a ambição de se transferirem para outras empresas, fora do sector do jornalismo. É o chamado nível de eficácia salarial: se o jornalista sabe que pode ganhar mais numa outra empresa, está disposto a ser seu parceiro num determinado período da sua atividade jornalística.
Contra a necessidade, a ética profissional pode pouco ou nada. Contudo, mesmo que assumamos que os jornalistas têm um espírito de sacrifício que lhes permite resistir às dificuldades económicas para continuarem na profissão e tentarem alterar o sistema por dentro, acreditamos que o seu poder, tal como descrito no início deste capítulo, é muito ténue. À força do profissionalismo jornalístico impõe-se uma lógica muitíssimo mais poderosa e interligada entre si: a força do capital. Tal como descrevemos atrás, estes mecanismos garantem o funcionamento de um sistema bem oleado e com poucas ou nenhumas falhas que permitam aos jornalistas se evadir.
Por outro lado, as próprias empresas de jornalismo promovem hierarquicamente e mediaticamente aquilo a que designarei de trabalhadores mais “soft”, que menos entraves colocam à direcção e à administração e que partilham a sua ideologia. As estruturas intermédias estão preenchidas de jornalistas que garantem o funcionamento tranquilo da lógica de mercado na empresa de jornalismo. Há mesmo editores de jornais que são promovidos a acionistas da empresa onde trabalham, tal como os próprios diretores. Tais mecanismos garantem uma lealdade absoluta das estruturas intermédias ao capitalista detentor do órgão de comunicação social.
O caso português
De modo a apurar se a comunicação social portuguesa está exposta a interesses económicos noutros sectores de atividade e, se sim, em que sectores detém interesses económicos, procedi à análise da estrutura acionista das sete principais empresas de comunicação social portuguesas: Ongoing, Impresa, Newshold, Media Capital, Controlivest, Cofina e Sonaecom. Apenas uma nota metodológica: devido à complexa teia de interesses cruzados, baseei a minha análise única e exclusivamente nos interesses económicos resultantes de participações acionistas diretas. Por exemplo, consideramos que a Caderno Azul, acionista da Cofina, detém interesses diretos no sector da indústria papeleira e da energia (através da participação na Altri) e nas áreas da logística, metalurgia e aço e imobiliário devido à participação na Ramada Investimentos. No entanto, ficaram de foram todos os interesses dos acionistas da Caderno Azul, que detêm indiretamente a Cofina. A análise peca, assim, por defeito. Aboli este critério apenas nas ligação do Grupo Prisa aos diferentes sectores de atividade, por uma questão de simplificação do esquema. Isto por considerar que o acionista principal da Media Capital não é o Grupo Prisa, mas sim os acionistas do próprio grupo espanhol. A Media Capital é apenas um dos muitos veículos internacionais utilizados pelos acionistas do Grupo Prisa para estender a sua atividade no sector da comunicação social, a nível internacional. Por falta de transparência, é impossível saber quais os interesses económicos da Newshold, pois o seu maior acionista e detentor de facto, a Pineview Overseas (95%), está sediado no offshoredo Panamá e a própria Newshold não tem sítio institucional.
Ver aqui o esquema de ligações
a) Todos os órgãos de comunicação social detêm fortes ligações ao sector financeiro. Os seus acionistas são ou detêm bancos comerciais, e/ou de investimento, e/ou fundos de investimento e/ou seguradoras. Considero este facto extremamente esclarecedor, numa altura em que diariamente se pedem sacrifícios à população para salvar o sistema financeiro. Esforços esses que passam pela implementação de uma política de austeridade que sacrifica os mais desfavorecidos.
b) Os sete grupos de comunicação social, que detêm 32 dos mais importantes órgãos de comunicação social do país – deixei de fora os mais redundantes, como jornais regionais ou de pouca expressão – são detidos por 17 grandes acionistas, com interesses em 16 sectores de atividade económica. Um sinal da concentração do sector e de uma cada vez menor garantia de pluralidade no sector:
c) Há três acionistas que detêm participações em mais do que um grupo: Crédit Suisse (Cofina e Impresa), Newshold (O Sol é Essencial, Cofina e Impresa) e Ongoing (detém o Diário Económico e a Económico TV e é acionista da Impresa)
d) Há nove acionistas com interesses no sector financeiro e 10 com interesses no ramo imobiliário.
e) É impossível saber ao certo quantas participações noutras empresas os acionistas dos órgãos de comunicação social têm. Tal dificuldade prende-se com a impossibilidade de tentar saber quais as participações acionistas dos fundos de investimento ou dos bancos. É, por exemplo, impossível apurar todas as participações acionistas da Crédit Suisse.
f) Forte ligação entre o mundo dos mercados financeiros e a estrutura accionista dos media. Os accionistas dos media portugueses detêm participações nas empresas cotadas portuguesas Altri, Cimpor, Zon, Portugal Telecom, Porto Sad, Sporting Sad, Benfica SAD, Reditus, Novabase, Espírito Santo Financial Group, Ramada Investimentos, num total de 11. Impresa, Cofina e Media Capital também são cotadas. BPI, Sonae e BCP são acionistas de meios de comunicação social, de forma direta e a PT detém o Portal SAPO.
Artigo de Frederico Pinheiro, membro da direcção da ATTAC Portugal, disponível emattacportugal.webnode.com
A pressão pela CPI da telefonia móvel
10 de Setembro de 2012, 21:00 - sem comentários aindaApós parlamentares pedirem a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para o setor da telefonia móvel, em agosto deste ano, foi a vez da campanha Banda Larga é um Direito Seu! se manifestar contra o poder abusivo exercido pelas empresas que detêm grande parte da infraestrutura de telecomunicações. O ofício, assinado por diversas entidades do movimento social e de defesa do consumidor, foi encaminhado ao presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia, na segunda-feira (3).
O documento apoia a instalação da CPI da Telefonia Móvel e critica a cobrança da tarifa de interconexão de redes, que vem sendo utilizada para eliminar a competição no setor. Entre os apontamentos feitos pelas entidades signatárias, também está a discriminação dos consumidores de baixa renda em relação aos serviços de telefonia (móvel e fixa) e banda larga, evidenciada por estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A íntegra do ofício está disponível aqui. O Centro de Estudos Barão de Itararé, uma das entidades signatárias do documento, também divulga a petição pública e online pela criação da CPI. Para assinar, basta acessar estelink.
Confira o texto do abaixo-assinado:
Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados Federais Marco Maia
Desde o dia 08 de agosto está pendente proposição que requereu a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as empresas de telefonia móvel quanto às altas tarifas cobradas e a má qualidade do serviço (Proposição 0013/2012). O objeto principal é a tarifa de interconexão, o preço que uma operadora paga para que suas chamadas sejam encaminhadas pela rede de outra. O que aparece como altos custos nas ligações entre operadoras diferentes é reflexo direto de uma gestão das redes de telecomunicações que privilegia os grandes prestadores com a conivência da Agência Nacional de Telecomunicações.
Se hoje o Brasil conta com mais de 240 milhões de linhas celulares habilitadas, o tráfego de voz do país na rede móvel ocupa uma das últimas posições no ranking mundial. Nossos minutos de ligação estão entre os mais caros do mundo, com impacto ainda maior aos cerca de 80% de acessos pré-pagos. Os mais pobres não conseguem ter acesso nem ao serviço móvel, nem ao serviço fixo. A massificação da telefonia móvel, tão celebrada, reproduz a desigualdade brasileira.
Os altos preços se devem em grande medida ao valor extorsivo da tarifa de interconexão, praticada de forma abusiva pelas empresas detentoras da maior parte da infraestrutura. Os grupos mais poderosos cobram dos concorrentes pelo uso de sua rede em média R$ 0,40 por minuto, ao contrário dos R$ 0,03 daqueles que são seus consumidores. Pior, o mesmo valor extorsivo é cobrado das ligações vindas de telefones fixos, enquanto as redes fixas são remuneradas por bem menos, levando à outra forma de subsídio cruzado em prejuízo do serviço fixo.
Ainda que o direito de propriedade sobre as redes esteja condicionado à sua função social e à obrigatoriedade da interconexão, o Conselho Diretor da Anatel faz muito pouco para reverter a situação, apesar de seus técnicos terem identificado a distorção e apontado soluções. O problema fica mais grave pelo fato de o governo focar no serviço móvel a ampliação do acesso à banda larga, que deveria ser tratada como serviço essencial e estratégico ao desenvolvimento econômico e social.
A evolução do acesso aos serviços de telecomunicações, desde as privatizações, despreza a centralidade do direito à comunicação e a correlata relevância destes serviços à inclusão social e ao desenvolvimento econômico. Assim, manifestamos nosso apoio à instalação da CPI da telefonia móvel, solicitando que o Congresso Nacional não se omita e cumpra seu papel de acompanhamento da Anatel e do setor de telecomunicações de forma participativa e transparente.
As rapidinhas do Sr Comunica - a aristodemocracia brasileira
9 de Setembro de 2012, 21:00 - sem comentários aindaEsse pequeno grupo de privilegiados soberanos, dentro da sociedade, lembra-me a aristocracia que, em tese, deveria ser a ideia oposta. A 'nobreza' que por hora nos governa, e por nobreza não entenda somente políticos, mas também investidores, ruralistas, empresários da comunicação, etc, não são nada democráticos ao exercerem a representação para a qual foram eleitos. Representação direta e eleita, no caso dos políticos, e representação indireta no caso dos empresários midiáticos, acionistas, militares, etc.
Exemplo simples disso é a eleição municipal do Rio de Janeiro. Assistir ao horário eleitoral na televisão é insuportável, exatamente por seu caráter nada democrático. Eduardo Paes, através das coligações inúmeras, é soberano na propaganda televisiva. Outros candidatos mal conseguem sorrir que o tempo acaba. Se a propaganda política deveria servir para mostrar propostas para o povo que concede sua soberania através das eleições, ela está falhando. E faço questão de deixar claro que não sou contra este ou aquele candidato carioca, mas é fato: é impossível ser democrático e fazer propostas profundas para a cidade em 30 segundos.
De modo geral, o sistema eleitoral brasileiro serve para manter os grupos soberanos que já estão no poder, com pequenas nuances partidárias através dos tempos. Latifundiários e ruralistas nunca deixaram o poder neste país. A elite financeira também não, bem como empresários midiáticos, etc. O voto, que foi uma conquista da sociedade, hoje é obrigatório e não é por acaso. É fruto de um Estado nada democrático que diz: quer votar? Então será obrigado. Não queria o direito de votar? Agora vote para todo o sempre. Amém. E se por acaso escolher não votar dentro de nossa democracia, sofrerá punições, restrições e pagamento de multa.
Na verdade, parece que o Estado brasileiro nos quer fazer entender que a participação popular na política se restringe ao voto, e o Brasil é um país tão democrático que nos obriga a participar. Digitando alguns números, de anos em anos, exercemos a nossa democracia representativa, que elege os soberanos que nos governam aristocraticamente e sustentam a quinta economia mundial como analfabeta funcional, desigual e altamente cara.
E vez em quando, muitos brasileiros ainda berram aos quatro ventos: "odeio política, pois todos são ladrões". Tenho dúvidas se todos os políticos realmente são ladrões, mas tenho certeza de que todos são criados, educados, crescidos e nutridos na mesma sociedade na qual vivemos (eu e você).
No mais, este texto não pretende encerrar o assunto, nem concluir nada com uma 'tiradinha genial'. A ideia é apenas te convidar a refletir nesta democracia na qual vivemos. Esta democracia que ainda mantém uma desigualdade social assustadora, que produz analfabetos funcionais de forma majoritária, que consegue ter os maiores custos para o povo e os maiores lucros para os empresários, que ainda elege o filho do filho do político (como se fosse um dom hereditário), que sustenta a preços absurdos hospitais públicos miseráveis, que ainda permite que 11 famílias dominem mais de 90% de toda a comunicação deste país e assim por diante. É esta 'democracia aristocrática' que devemos questionar.
Cadeia, o fetiche social do Brasil
9 de Setembro de 2012, 21:00 - sem comentários ainda
Hipócrita e moralista, uma parcela da sociedade finge acreditar que será possível construir pais melhor a golpes de punição e vingança
Por Marília Moschkovich, editora de Mulher Alternativa | Imagem: Fernando Botero, da série Família
Não sou advogada, não estudei Direito. Me espanta, mesmo assim, a ideia torta de justiça que vejo – e leio, e ouço – por aí. Essa noção bizarra de que quem comete qualquer crime “tem que pagar”, que atribui à Justiça a função quase exclusiva de punir, “dar o troco”, ou “vingar” as vítimas, me parece um tanto equivocada. Em geral é esse tipo de interpretação sobre o papel da Justiça na nossa sociedade que naturaliza a categoria “crime” e reproduz uma série de fantasias quase fetichistas sobre a figura de um “criminoso”.
Havia tempos eu não assistia A Grande Família, que andei achando os episódios meio bocós. Por acaso deixei pra desligar a TV mais tarde outro dia e tive o prazer de assistir a um episódio que trouxe várias destas questões à tona. No episódio, a pastelaria do Beiçola sofre um arrastão de um grupo de meninos chefiado por um estelionatário adulto (Luis Fernando Guimarães, hilário nesse papel como havia tempos eu não achava). No desespero, Lineu e o próprio Beiçola conseguem capturar um “bandido”: uma criança de pouco mais de dez anos de idade. Ele fica preso no banheiro, enquanto a família discute como proceder. No início, Dona Nenê é a única a questionar se ligar para a polícia é realmente o melhor a fazer. Ela lembra: “alguém já viu ladrão sair melhor da cadeia?”. Aos poucos a família se convence de que, realmente, não é para tanto. O menino só queria dinheiro pra comprar um game portátil.
Taí o “criminoso”
Isso me lembrou de outro episódio, desta vez da minha própria vida, sem roteirista global nem nada. Comecei com a mania de ler jornal diariamente quando tinha algo entre uns 11 ou 12 anos de idade. Eu estava decidida a ser jornalista e, claro, tinha que ler o jornal todo dia. Pois em certa ocasião – era 1998 ou 1999, já não me lembro – o jornal veio com uma foto de um menino negro chorando, estampando a capa. A manchete anunciava que ele havia sido condenado à morte em algum estado dos EUA, tampouco me lembro qual. O menino na foto chorava e eu, quase com a mesma idade, chorava a cada linha da notícia, que explicava que ele tinha uma deficiência mental e num surto havia matado uma outra criança, menor que ele.
Condenado à morte. Outro criminoso
Anos mais tarde assisti ao excelente Daniel, um filme de ficção baseado numa entrevista com o filho dos Rosenberg que sobreviveu à história toda com um pouco de lucidez (o que não foi o caso de sua irmã). Durante a guerra fria, o casal de origem judia foi condenado e executado na cadeira elétrica, acusado de espionagem (e não vou nem comentar que os judeus eram considerados criminosos na Alemanha nazista). Não havia, claro, prova alguma. Mesmo quando parece que há provas, porém, elas levam a erros cruéis. Um outro filme que assisti ainda depois de Daniel traz Kevin Spacey como um militante de direitos humanos que luta contra a pena de morte. Em A Vida de David Gale fica clara a possibilidade latente do erro.
Julius e Ethel Resenberg, assim como o ficcional David Gale, são todos criminosos
O “crime” não é um dado da natureza. É uma categoria inventada na nossa sociedade. Nem toda quebra de lei é crime. É a legislação que define o que é crime e o que não é. Essa legislação é feita inteirinha por pessoas, que têm interesses, posicionamentos políticos, moral religiosa, moral laica; que foram criadas nessa mesma sociedade que se estrutura por meio de classes sociais, categorias raciais, e de uma matriz heterossexual de comportamento que é bem opressiva. Decorre disso que existe sempre um embate pela definição das leis. Nesse embate, as ideias que propagamos, reproduzimos e defendemos sobre o que deve ser a justiça, qual deve ser seu papel, pra que serve o sistema prisional, etc. são essenciais. Elas forjam os termos mais práticos da lei.
A existência da pena de morte em qualquer país que utilize esse modelo de Estado moderno (o mesmo que nós utilizamos), está necessariamente apoiada pela crença de que o Estado, por meio da justiça, está “vingando” as vítimas de uma certa ação criminosa. Isso se aplica também nos casos em que a “vítima” não é uma pessoa, mas uma ideia, como a propriedade privada ou a moral sexual. Há uma série de países em que o simples ato de fazer sexo anal (não importa a sexualidade dos envolvidos) é punido com a morte. Nos EUA, país que muita gente julga um “modelo” de civilidade e cidadania, até bem recentemente havia estados em que a prática do sexo oral era proibida. Na Nicarágua, uma mulher que abortar um feto gerado por um estupro é uma criminosa.
No Brasil, o Conselho Nacional de justiça conta que mais de 40% da população carcerária é composta de gente que não foi considerada culpada, que não teve julgamento. Como socióloga, não sei explicar exatamente por que isto acontece, mas imagino que a mentalidade punitivista da população, em geral, tenha algo a ver com isto. As pessoas parecem sempre mais preocupadas em que se bote gente na cadeia do que em que de fato haja um processo justo. Os argumentos, circunstâncias e minúcias pouco importam: o que a população normalmente brada pelos quatro cantos (da internet, inclusive) é que o acusado tem que ir preso e pronto. Já compra-se imediatamente a ideia de que acusados são culpados, o que é deveras problemático.
O julgamento do mensalão é um prato cheio para observar a expressão deste tipo de pensamento. Pergunte às pessoas na rua: não lhes interessa quem é de fato culpado de algum crime, quem se enquadra na lei e quem não se enquadra. A população julgou, seguindo a mídia de massas, que se jogue todo mundo na cadeira e fim. A mesmíssima população que, enquanto posta cartazes “contra a corrupção” no Facebook, sonega seus impostos, transfere suas multas de trânsito por altíssima velocidade (e reclama de uma inexistente “indústria da multa”), entre outros pequenos atos de corrupção cotidianos. Colabora, ainda, para que a corrupção política no Estado continue. Como? Defendendo que o voto continue obrigatório, votando em qualquer candidato para vereador, ou “deixando a política para os políticos”. Pra ficar em exemplos corriqueiros. “Detesto política” ou “sou apolítico” vêm em geral das mesmas bocas que se dizem “contra a corrupção”. Assim fica difícil.
O episódio de “A Grande Família”,
Assim como o menino executado nos EUA,
Assim como o casal Rosenberg ou David Gale,
Assim como os praticantes de sexo anal em alguns países,
Assim como as mulheres nicaraguenses estupradas que se recusam a gerar tais fetos,
Assim como seu vizinho que sonega impostos na microempresa dele,
Assim como você ao transferir uma multa para o nome de outra pessoa,
São todos criminosos.
Você não é menos criminoso por ser branco e de classe média/alta. Só tem mais dinheiro e mais recursos pra não ser preso sem julgamento. Aproveite a oportunidade de ter o mensalão sendo julgado, o episódio de A Grande Família, e eleições municipais assim, no mesmo ano, uma coisa pertinho da outra, e pense no que é que significa, de fato, “justiça”. Assim, com “j” minúsculo.
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