Na Folha
Em 2016, com o impeachment e o resultado das eleições municipais, o país vive uma reorganização ideológica, com a "nova direita" no debate político.
Professor na Fundação Getulio Vargas e no Ibmec no Rio, Jorge Chaloub vê "na construção de um clima contrário às esquerdas" e na "articulação entre 'think tanks', empresários e mídias" uma das explicações para a ascensão da "nova direita", cujo discurso "se vende como novo".
Leia trechos da entrevista.
Folha - A direita "envergonhada" pós-ditadura se renovou?
Jorge Chaloub - O grupo heterogêneo da "nova direita" reúne tradições de pensamento distintas, que atuam conjuntamente, como versões extremas do liberalismo e novas feições do conservadorismo. Esses novos grupos e atores possuem continuidades com grandes líderes da direita brasileira, como Carlos Lacerda, mas também revelam descontinuidades.
Quais as características dessa nova direita?
Como escrevi em texto com Fernando Perlatto, apesar das diferenças entre grupos e atores, é possível apontar pontos em comum. Um primeiro é a clareza em se afirmar como pertencente à direita, algo que não se fazia.
Outro é a centralidade de um discurso moral, dividindo o mundo entre bem e mal. Por isso, todas as posições que se assemelhem à esquerda são retratadas como patologias, como exposto pelo termo "esquerdopata".
Por fim, o conservadorismo moral é combinado com adesão ao liberalismo econômico, permitindo a aliança entre certos grupos neoconservadores e neoliberais.
Por que a adesão é aparentemente crescente?
Entre as causas, merece destaque a articulação político-institucional dos grupos, em parte organizada em torno de "think tanks" [organizações que produzem conhecimento] com vínculos com o empresariado e a mídia. Também contribui sua capacidade de renovar a linguagem e aproximar-se de um público desconfortável com a cena política tradicional, organizada em torno do centro. Há uma preocupação em construir um discurso esteticamente mais atraente, que se vende como novo.
Que consequências podemos observar com essa reorganização ideológica?
O cenário político atual testemunha a crise de uma esquerda influente desde a redemocratização, que se vê abalada após o golpe parlamentar sofrido por Dilma Rousseff. A nova direita contribuiu para a ruptura institucional, ao mesmo tempo que tem protagonismo na construção de um clima contrário às esquerdas. A esquerda procura caminhos, entre os quais movimentos de secundaristas merecem destaque.
Em que medida os governos petistas colaboraram com a ascensão da "nova direita"?
As limitações e virtudes do projeto petista, assim como as insatisfações naturais de um longo período à frente do poder, estimularam ideários direitistas. Por outro lado, o discurso de novidade —antes uma autoimagem que algo efetivo— dessa nova direita teve cenário propício em virtude de sentimento de fastio perante as instituições.
A ascensão de grupos evangélicos na política está associada à reorganização da direita?
A ascensão dos evangélicos, que também constituem grupo muito diverso, é anterior. Há, por certo, afinidades em relação a algumas pautas morais, assim como alianças em torno de temas e inimigos, sobretudo os identificados com o campo da esquerda.
Uma possível hipótese apontaria para a construção de um cenário mais propício a certos grupos evangélicos com essa onda conservadora. Mas o processo de atuação não se reduz a isso.
O que projeta para a eleição presidencial de 2018?
A Lava Jato confere incerteza ao pleito. A pouca clareza dos critérios do Poder Judiciário, crescente, torna o cenário turvo. Sem falar na instabilidade do governo Temer, que não se sabe se resistirá.
O cenário se revela propício para alguém que se venda como um salvador externo à política tradicional. Empresários e egressos do mundo jurídico são boas apostas.
Jair Bolsonaro, favorável à ditadura militar, parece se beneficiar da reorganização ideológica no país. Por quê?
Parte da "nova direita" se mostra elogiosa à ditadura. Bolsonaro constrói seu discurso em consonância com esses argumentos, como a centralidade da moral, o antiesquerdismo, o orgulho em se reivindicar de direita, a virulência no argumentar e a adesão a teorias conspiratórias. Não parece competitivo, mas a incerteza impede previsões mais seguras.
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