Ir para o conteúdo

Diógenes Brandão

Voltar a Blog
Tela cheia

Simão Jatene: O que pretendemos?

16 de Junho de 2019, 21:02 , por AS FALAS DA PÓLIS - | No one following this article yet.
Visualizado 31 vezes


Por Simão Jatene*

Se preferir, escute o audio do artigo:


Amigas e amigos,  vivemos a semana sob fatos cujas revelações, independente de qualquer outra coisa, aumentam as dificuldades para superar a complexa crise na qual está mergulhado o País e que, tomando ares de “tempestade perfeita”,  parece não ter fim.

Mais uma vez, o mundo político surpreende a nação com vazamentos de informações, denúncias, hackers, manchetes sensacionalistas, teses sobre conspiração e tudo mais, desta feita, envolvendo renomados operadores da justiça, com participação e méritos inquestionáveis no desmonte do gigantesco esquema de corrupção revelado pela  Lava-Jato.   

Os fatos nos colocam diante de uma incomoda realidade, que  muitos insistem em reduzir a uma disputa entre: “esquerdistas x direitistas”; Bolsonaro’s x Lula Livre; corruptos e moralistas. Aliás, maniqueísmo que, lamentavelmente, parece ter se tornado condição primeira para o debate de qualquer coisa no País. Como se já não tivesse sido suficiente a triste experiência de reduzir tudo a rótulos desbotados, que fundamentaram um caricato e trágico “Nós contra Eles”,  que pautou e anestesiou o Brasil nos últimos anos, contribuindo para esconder a proliferação de práticas  e esquemas, cujos prejuízos vão muito além do gigantesco assalto a recursos públicos.   

Sem pretender apresentar respostas ou fazer síntese de tempos tão complexos, creio que é chegada a hora de reconhecer que, pra muito além das simpatias ou antipatias pelos personagens que estão na ribalta, e os conceitos e pré-conceitos aos quais recorremos pra defender nossas ideias, vivemos as consequências de uma sociedade que, tendo se construído valorizando uma espécie de “saber cínico” em detrimento do “saber cívico”, fragilizou a CONFIANÇA enquanto princípio civilizatório, cristalizando um baixo sentimento de pertencimento coletivo, que dificulta a construção de um pacto social moderno, e reproduz um padrão de pobreza e desigualdade que exclui milhões de brasileiros do acesso a direitos mínimos.   

Tratando a transgressão carinhosamente como “jeitinho”, nos vangloriamos de uma esperteza que, por décadas e séculos, nos permitiu não encarar as reais necessidades de mudanças no País. Usando a velha  tática de “mudar pra manter”, acabamos consolidando uma relação promíscua entre o privado e o estado, o qual, ciclicamente, faz maiores ou menores concessões para  manter  os privilégios das minorias, que se alinham e realinham sem qualquer escrúpulo, apenas para controlar  governos e manter o poder.   

Consequentemente, respeitando as opiniões divergentes, acredito que insistir em reduzir tudo à disputa entre “nós e eles”, sejam quem for os “nós” e quem são  os “eles”, se como estratégia eleitoral pode ter eficácia, nem de longe serve para entendermos o que estamos vivendo, e menos ainda iluminar um caminho que nos leve a refundar um País, cujo os pilares dão nítidos sinais de obsolescência, inclusive, para enfrentarmos os desafios de um mundo em acelerada transformação.   Entendo que uma sociedade é tanto mais moderna quanto mais o cidadão não precisa de limites externos porque ele é capaz de se impor limites, e essa tem que ser uma regra pra todos. Entretanto, essa relação inseparável entre direitos e deveres, no Brasil, sempre foi relativizada e completamente subordinada a interesses particulares - haja vista a montanha de privilégios que travam nossa sociedade e foram protegidos pelo controle do acesso a informação, que, só através das mídias sociais, começa alcançar a maioria da população.    

Pretensiosamente,  julgamos possível  ingressar no século XXI  sem passar pelo XX, mantendo traços e práticas coloniais, o que acabou por expor e aguçar  nossas profundas contradições.   Num cenário  partidário pobre de ideias e ideais, e com baixa representatividade, surgem e dispersam,  grupos sociais variados  que se formam em torno de sentimentos diversos que vão de um genuíno desejo de melhorar o País; passam pela ingênua ou manipulada necessidade de fabricar heróis que amenizem culpas; e chegam até os oportunistas de sempre, que sem qualquer limite ou escrúpulos, não perdem oportunidade para tirar proveito das mazelas de uma sociedade exaurida, onde a intolerância cresce na razão  direta que  se fecham saídas.    

São tempos difíceis que impõe  recuperar o Brasil maior que qualquer poder, partido, opção religiosa, instituição ou liderança e recompor uma agenda nacional transparente, que aglutine o maior conjunto de grupos e forças, fugindo  as tentações messiânicas ou despóticas, e cobrando que os poderes e instituições cumpram seus papéis sem invencionices, ainda que tenhamos que purgar por nossas ações e omissões.   

Nesse cenário, só nos cabe enfrentar com serenidade e firmeza o desafio de preservar o valor inestimável de manter o “império das leis”, garantindo direitos, mas sem recuar um milímetro no processo de apuração dos crimes cometido por centenas de envolvidos na Lava-jato, alguns, inclusive, cujos sinais de enriquecimento ilícito, além de ressaltarem uma impunidade que precisamos abolir definitivamente,  se constituem   um verdadeiro escárnio para as pessoas que não desistem de acreditar em  valores fundamentais para a construção  de uma sociedade melhor.  

*Simão Jatene é economista, professor universitário, músico e foi governador do Pará por 03 mandatos.
Receba atualização do Blog no seu email.

Fonte: http://diogenesbrandao.blogspot.com/2019/06/simao-jatene-o-que-pretendemos.html

Diógenes Brandão