A nova postura do TSE abriu uma polêmica sobre os limites de interferência do tribunal na campanha e das propagandas. |
Rigor contra ataques rachou a corte, contrariou o MP e gera dúvidas sobre censura. Papel do presidente Dias Toffoli chama atenção.
Por André Barrocal, na Carta Capital.
Encarregado de fiscalizar a eleição, o Tribunal Superior Eleitoral estará de plantão no sábado 25, véspera do pleito presidencial, para receber queixas dos comitês de Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) contra o adversário. Se PT e PSDB se excederem, o TSE dará direito de resposta ao concorrente quando a propaganda eleitoral já estará proibida. O expediente extra foi aprovado nesta terça-feira 21. A norma resulta de um julgamento polêmico, que rachou a corte, despertou dúvidas sobre seu presidente, Dias Toffoli, contrariou o Ministério Público e levantou suspeitas de censura eleitoral.
O controverso julgamento aconteceu na quinta-feira 16. O TSE decidia sobre um pedido tucano para tirar do ar uma propaganda petista que acusava Aécio de repetir a ditadura e censurar a imprensa de Minas quando governador (2003-2010). A denúncia contra ele tinha sido feita por Eneida da Costa, apresentada pelo PT como ex-presidente do sindicato mineiro dos jornalistas.
O relator do caso, ministro Admar Gonzaga, era contra o pedido. O depoimento de Eneida, disse, “desperta dúvida razoável”, e Aécio dispunha de tempo de propaganda para se defender, algo que não foi feito pelos advogados tucanos na ação. O ministro contou ter recebido em seu gabinete relatos de episódios concretos de possível censura, como a demissão do jornalista Jorge Kajuru da Band mineira em 2004.
“O horário destinado à propaganda eleitoral revela-se como ambiente propício para a divulgação de críticas e manifestações de ordem política”, afirmou Gonzaga. “Sendo assim, entendo que não é papel da Justiça intrometer-se no debate de ideias e contestações, a ponto de colocar-se em substituição aos protagonistas do certame.”
Presidente do julgamento e do TSE, Toffoli não gostou do voto do relator. Mostrou-se incomodado com os ataques feitos na propaganda eleitoral, que pare ele deveria ser só “propositiva”. Sem que houvesse tal previsão no julgamento, passou a palavra à defesa do PSDB. “É impossível provar que [Aécio] não perseguia jornalistas. É prova negativa”, disse o advogado Marcelo Ribeiro, a apelar por uma “intervenção” do tribunal contra o comercial do PT.
Também fora do script, o advogado petista Gustavo Severo teve chance de argumentar perante o TSE contra a representação do PSDB. Segundo ele, a oposição não negava a acusação, como o relator já havia destacado em seu voto. “O Aécio pode muito bem se defender em sua propaganda.”
Posição parecida foi defendida pelo representante do Ministério Público Eleitoral no julgamento, Humberto Jacques de Medeiros. Segundo ele, “há paridade de acesso aos meios de comunicação” entre Dilma e Aécio neste segundo turno. “Ao ver do MP, a coisa mais prudente e mais cautelosa é o tribunal não conceder a este momento nenhuma medida, confiando na civilidade dos candidatos e não interferindo este tribunal no nível do debate.”
A argumentação do MP não convenceu Toffoli. Segundo ele, se o TSE não impusesse limites aos candidatos, “vamos assistir ao baile do risca faca, não uma campanha presidencial”. O ministro liderou então a derrubada do relatório de Admar Gonzaga. E venceu, em uma apertada votação por quatro a três. Junto com Toffoli, votaram os ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux e João Otávio de Noronha. Com o relator, ficaram as ministras Luciana Lossio e Maria Thereza de Moura.
O julgamento atendeu não só o pedido tucano de retirada do ar da propaganda petista sobre censura à imprensa mineira, como levou o TSE a assumir uma nova postura na reta final da campanha. Dali em diante, disse Toffoli, a corte estava estabelecendo outra jurisprudência, mais rigorosa. A publicidade na TV e no rádio não poderia mais ser usada para atacar o rival, só para divulgar propostas. A troca de chumbo ficaria restrita a entrevistas e discursos.
Esta nova atitude foi regulamentada nesta terça-feira 21, em sessão que aprovou o plantão do TSE na véspera da eleição, bem como o direito de resposta nos dias 23 e 24. O Ministério Público fez um último esforço contra a norma, escrita pelo gabinete de Toffoli. O procurador-geral Eleitoral, Rodrigo Janot, foi pessoalmente à corte tentar impedir a aprovação da norma, em vão. “A mudança, na visão do Ministério Público Eleitoral, causa surpresa aos candidatos a poucos dias da disputa, não observa a jurisprudência reiterada, desatende o princípio esculpido na carta constitucional e gera insegurança jurídica, necessária ao Estado de direito e à regularidade do pleito.”
Desde sua decisão do dia 16, o TSE suspendeu sete propagandas de Aécio e quatro de Dilma. Pelo lado tucano, foram vetados, por exemplo, comerciais a dizer que o PT faz “a campanha mais baixa, agressiva e mentirosa” e outro a reproduzir uma entrevista antiga de Dilma na qual ela elogiava o então governador de Minas Aécio Neves. Pelo lado petista, foram sacrificadas propagandas em que o ex-presidente Lula chamava o tucano de “candidato dos banqueiros” e outra com uma música sobre Aécio não ser votado por quem o conhecia.
A nova postura do TSE abriu uma polêmica sobre os limites de interferência do tribunal na campanha e das propagandas dos candidatos. No domingo 19, em sua coluna no jornal Folha de S. Paulo, o jornalista Jânio de Freitas escreveu que “o Tribunal Superior Eleitoral tomou duas decisões que caracterizam censura à liberdade de informação jornalística e à liberdade pessoal de expressão”.
Em uma eleição acirrada como a deste ano, a discussão sobre os limites da campanha vem desde o primeiro turno, quando Marina Silva ainda estava na disputa, e o comitê de Dilma resolvera fazer o confronto aberto com ela. Na época, o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos disse a CartaCapital que o País não estava acostumado com eleições politizadas e que se devia lamentar que outras disputas não tivessem sido assim. O conflito aberto de interesses, dizia, é próprio da democracia.
Mesmo tendo sido menos afetado até agora do que a campanha de Aécio pelas proibições do TSE, o comitê de Dilma reclama nos bastidores de que a decisão do tribunal atinge sobretudo o PT.
De acordo om um dos chefes do comitê, a campanha dilmista precisava tornar públicos certos fatos negativos para Aécio pois, de outro modo, eles não ganhariam notoriedade. O motivo seria o desinteresse dos órgãos de comunicação. Era o caso das nomeações de familiares de Aécio para cargos na gestão do tucano em Minas. E de nomeações de Aécio pelo pai e pelo tio no início da carreira do presidenciável. Na visão dos estrategistas de Dilma, era necessário aumentar a rejeição a Aécio, graças aos altos índices da presidenta. “A Marina e o Aécio foram desconstruídos por si mesmos, não por nós”, disse o dirigente.
A poucos dias da eleição, a rejeição de Aécio já supera à de Dilma, e pesquisas recentes mostram-no mais identificado com a autoria das ofensas do que sua adversária. Mesmo assim, o comitê dilmista preocupa-se com a nova norma do TSE. Sente-se exposto a um eventual noticiário negativo sem ter meios para se defender. A resolução aprovada pelo tribunal nesta terça-feira 21 garante direito de resposta apenas para o candidato que for acusado pela propaganda adversária. Não vale para notícias de jornais, revistas ou TVs.
Em Brasília, há quem veja com estranhamento a postura do presidente do TSE, responsável pela reviravolta na postura do tribunal. Advogado do PT no passado, indicado pelo ex-presidente Lula para o Supremo Tribunal Federal, Toffoli estaria descontente com Dilma. Em janeiro, a revista Veja publicou uma nota intitulada “De aliado a adversário”, na qual dizia que o ministro “sente-se desprestigiado por Dilma, que jamais o recebeu nem atendeu a seus telefonemas”. Não há registro de que Toffoli tenha feito reparo público à nota.
Em meados de setembro, com a campanha a pleno vapor, Toffoli já tinha se colocado no caminho da presidenta. Em entrevista à revista Época, criticara Dilma por conceder entrevistas no Palácio da Alvorada na condição de candidata e por utilizar o local como cenário de sua propaganda eleitoral televisiva. Para ele, “usar símbolos de poder num ato de campanha é algo que a legislação não permite” e uma “vantagem indevida”.
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