Belém-Pará. |
Por Airton Faleiro*.
De repente todos nós fomos pegos de surpresa. Surpresa também para os
meios de comunicação, que, no início, noticiavam como apenas mais um
“movimento pontual e passageiro”. Da mesma forma, o conjunto dos
partidos políticos, dos mais radicais aos mais conservadores, via o
movimento como iniciativa de um grupo localizado e não o associava a
esta onda em que ele se tornou. A reação também não foi diferente com os
movimentos sociais, que sempre lideraram e coordenaram mobilizações e
as rodadas de negociações junto aos poderes constituídos. Até mesmo nas
famílias, alguns pais se surpreenderam ao saber que os filhos
participariam das caminhadas.
Inicialmente, os atos de protesto pareciam mesmo um movimento pontual
localizado, que objetivava a redução dos R$ 0,20 (vinte centavos) na
tarifa do transporte urbano na cidade de São Paulo, um reajuste
permitido pelo prefeito petista Fernando Hadad. Parecia também uma
reação, tanto em São Paulo como em outras capitais do Brasil, em repúdio
à forma enérgica ou violenta como a polícia militar do governo tucano
de São Paulo tratou os manifestantes.
Parecia-nos que a vaia à Presidenta Dilma era uma destas vaias
costumeiras que se pratica em um estádio de futebol, quando um político
vai se pronunciar antes de uma competição esportiva. Vaias que muitas
vezes são chamadas de deselegantes, já que a cerimônia exige tal
formalidade. No entanto, quando os protestos foram se proliferando,
prolongando-se, acabaram ganhando amplitude em sua pauta de
reivindicações.
E aí começamos a nos perguntar: mas que movimento é esse? Quem está arquitetando e mobilizando as manifestações? Serão os partidos políticos de extrema direita ou extrema esquerda? Que ligação tem esse movimento com o que vem acontecendo em outros países, como Líbia, Egito, França e Turquia? Como estabelecer mesas de negociações, se o movimento não está organizado por nenhuma instituição e não tem alguém autorizado, por eles, para lhes representar em uma mesa de negociação? E a pergunta que não quer calar: até quando vai essa onda de protesto? Sera que vai até o final da Copa das Confederações? Seria um ensaio para a Copa do Mundo de 2014?
E aí começamos a nos perguntar: mas que movimento é esse? Quem está arquitetando e mobilizando as manifestações? Serão os partidos políticos de extrema direita ou extrema esquerda? Que ligação tem esse movimento com o que vem acontecendo em outros países, como Líbia, Egito, França e Turquia? Como estabelecer mesas de negociações, se o movimento não está organizado por nenhuma instituição e não tem alguém autorizado, por eles, para lhes representar em uma mesa de negociação? E a pergunta que não quer calar: até quando vai essa onda de protesto? Sera que vai até o final da Copa das Confederações? Seria um ensaio para a Copa do Mundo de 2014?
Será que diante do anúncio da redução da tarifa do transporte coletivo pelos governantes, os protestos possam se encerrar?
"Não é por R0,20 centavos", diziam várias faixas e cartazes. |
A duração prolongada das manifestações e as formas de agir do movimento
foram propiciando aos cientistas políticos e aos curiosos a tentativa de
encontrar essas e outras respostas. É o nosso caso. Curiosamente vamos
tentar sistematizar nossas interpretações sobre esse movimento.
O caminho que escolhemos para essa análise nos leva à condição de quem
tem um olhar progressista, um olhar otimista sobre tal movimento, sobre
tais protestos.
Que público é esse e quais os verdadeiros motivos que lhes empolgam tanto para ir as ruas protestar?
Inicialmente devemos reconhecer que é difícil para nossa geração admitir os conteúdos e os métodos praticados e defendidos pela nova geração de manifestantes. Até porque foi a nossa geração dos anos setenta, oitenta e noventa, que liderou tantos protestos, que organizou e criou instituições populares e sindicais, coordenou grandes paralisações, negociações, criou um partido político da classe trabalhadora, que veio a governar o país e transformou em programas de governo as principais bandeiras de luta do nosso tempo.
Inicialmente devemos reconhecer que é difícil para nossa geração admitir os conteúdos e os métodos praticados e defendidos pela nova geração de manifestantes. Até porque foi a nossa geração dos anos setenta, oitenta e noventa, que liderou tantos protestos, que organizou e criou instituições populares e sindicais, coordenou grandes paralisações, negociações, criou um partido político da classe trabalhadora, que veio a governar o país e transformou em programas de governo as principais bandeiras de luta do nosso tempo.
Por isso afirmamos que se torna difícil admitir que essa nova geração
não reconheça ou considere insuficientes os avanços conquistados por
nossas lutas e as transformações sociais feitas por nossos governos. Mas
como nos comprometemos em analisar de forma progressista os protestos e
o movimento, devemos sim que nos abrir para entendermos a nova geração e
não nos agarrarmos no que a nossa geração fez.
Talvez uma coisa nos console: seguidamente temos observado estes jovens
exibirem cartazes ou darem entrevistas se dizendo orgulhosos por estarem
indo pra rua protestarem. É bom que lembremos quantas vezes nós
dissemos, para eles, que nossa geração é que era revolucionária; que
fomos às ruas para derrubar a ditadura; que fomos responsáveis por levar
a esquerda a governar o país. Quantas vezes cobramos destes jovens que
era uma geração que não se indignava, não ia às ruas lutar pelas
bandeiras de seu tempo. Agora podemos dizer que na essência essa
juventude traz sim um referencial, com pautas e métodos novos, nas lutas
da geração que lhes antecedeu.
Neste sentido nos resta dialogar na busca do reconhecimento do que a nossa geração fez ou então deixou de fazer, dialogar de geração para geração. Penso que nossa geração fez, ao seu modo, sua revolução e, agora, a nova esboça seu desejo de fazer sua revolução no seu tempo, do seu jeito e com seus métodos.
Mudança de atitude
Parece-nos que o que ocorreu foi uma mudança de atitude. Na verdade
esses jovens já vinham a algum tempo protestando de forma mais comedida,
através das mídias sociais. Só que isolados diante da tela de seus
computadores, celulares, e agora tomam a iniciativa de sair da frente da
tela para ir às ruas, usando a rede social para mobilizar e convocar
tanto a juventude como também cidadãos de outras faixas etárias.
Ao irem para as ruas, observam que não bastava ficar trancado no mundo
“sozinho.com.br” e sentiram que o efeito maior seria sair da frente das
telas e ganhar as ruas. Observaram que existe um campo de simpatia ao
seu gesto e às suas bandeiras e que isso questiona a ordem estabelecida.
Ordem essa que é responsabilizada, por eles, por não resolver os
problemas estruturais. Na verdade a decisão de ir para as ruas se
configura num status de jovem lutador e não mais acomodado e recluso
diante da tela do computador e de forma inteligente programaram seus
atos de protesto durante o calendário da Copa das Confederações, evento
que colocou o Brasil na vitrine mundial.
Até o Congresso Nacional foi sitiado e ocupado. |
Pauta e negociações
Em se tratando de suas reivindicações, nos arriscamos em afirmar que se
iludem aqueles que pensam ser a pauta do movimento restrita à redução
das tarifas dos transportes coletivos urbanos ou ao passe livre. Este
pode sim ser o chamariz mais imediato. No entanto essa nova geração está
nos dizendo que se esgotou um ciclo de paralisia da sociedade diante de
problemas estruturais até então sem sinalização de progresso nos atuais
e futuros governos.
Vejamos nós que as bandeiras mencionadas de forma não sistematizada, mas
que sempre aparecem nos protestos são reais e representam um clamor da
maioria da sociedade. Para nós que estamos governando o país e que
inovamos tanto, que transformamos tanto, fica difícil admitir as
críticas feitas pelo movimento, mas se nos desarmarmos de tal condição e
nos colocarmos na condição de cidadão comum veremos que tais bandeiras
têm fundamento e apelo social. Para tanto devemos nos perguntar se é ou
não verdadeiro o problema do mau uso dos recursos públicos, do
superfaturamento de obras. Se a corrupção não é um problema crônico no
Brasil? Se os serviços púbicos de transporte, saúde, educação e
segurança não estão insuportáveis e que a sociedade já não aguenta mais
conviver com o descaso diante desses serviços.
Em que pese o fato de eles não terem os métodos convencionais das mesas de negociações, de não terem uma pauta escrita e concreta, o que se observa é que cada um vai para rua a partir de sua insatisfação individual e coletiva de acordo com sua realidade local, de sua cidade. Isso facilita a proliferação dos protestos, mas como se pode observar no decorrer das manifestações, foi-se construindo uma pauta mais nítida e de interesse nacional, como o combate à corrupção orgânica em todos os níveis administrativos, federal, estadual e municipal, independente do partido que esteja governando.
Em que pese o fato de eles não terem os métodos convencionais das mesas de negociações, de não terem uma pauta escrita e concreta, o que se observa é que cada um vai para rua a partir de sua insatisfação individual e coletiva de acordo com sua realidade local, de sua cidade. Isso facilita a proliferação dos protestos, mas como se pode observar no decorrer das manifestações, foi-se construindo uma pauta mais nítida e de interesse nacional, como o combate à corrupção orgânica em todos os níveis administrativos, federal, estadual e municipal, independente do partido que esteja governando.
Outra pauta nacional é o descaso com os
serviços básicos, como a Saúde. E no nosso caso do Pará, podemos
exemplificar com a mortalidade de bebês na Santa Casa, que já se tornou
rotineira e sem resolução. Não tem como deixar de lado também o caótico
serviço de transporte, que aqui em Belém se tornou crônico, com a
paralisação das obras do BRT e da falta de alternativas viárias para se
locomover pela cidade. No caso da Educação, em que pese os avanços,
ainda se observa um déficit inaceitável em especial para essa geração
que tem acesso às informações e que vê na educação garantia de um futuro
melhor, com realização profissional e pessoal.
Da mesma forma se observa que o atraso das obras do Programa de Aceleração do Crescimento, PAC, e o descompasso do cumprimento da pauta social do entorno dos grandes projetos, como Belo Monte, são motivos de insatisfação por parte dos manifestantes.
Mesmo não estabelecendo um processo e mesas de negociação, já se observa que os governantes estão tratando de atender parte de suas reivindicações, iniciando pela mais usada como apelo para levar os manifestantes para as ruas, que é a redução da tarifa de transporte urbano. Porém, se for verdade que essa nova geração quer fazer as lutas pelas bandeiras de seu tempo certamente isso não será resposta para que os protestos venham a se encerrar. Pelo contrário, pode servir de estímulo para novos protestos e em torno de novas bandeiras, que serão explicitadas no decorrer do processo de mobilização.
Podemos nos preparar para conviver com essa atual onda de protestos pelo menos até o fim da Copa das Confederações. As manifestações também foram inicialmente em repúdio aos gastos com as construções dos estádios para a Copa de 2014. Investimentos feitos nos estádios que o movimento considera superfaturados e ainda apontam falhas, questionando a qualidade das obras. Por outro lado as obras de interesse social, no entorno dos estádios, teriam ficado em segundo plano e isso também seria motivo para prolongar ainda mais os protestos.
Mas como a Copa das Confederações tem dias contados para terminar, o poder público pode administrar essa batalha campal e tudo terminar sem grandes incidentes até o final da competição. Mas, por outro lado, podemos entender essas manifestações como um aquecimento para a Copa de 2014. Resta-nos saber o que será e se será possível atender ao conjunto da pauta dos manifestantes e com isso diminuir a capacidade e a vontade da realização de novos protestos no período da Copa de 2014.
Aversão aos partidos e aos políticos
Uma coisa que pode nos intrigar é o fato de inicialmente os partidos de oposição não terem conseguido liderar as massas, incluindo este público para realizar tais protestos.
É simples de entender isso: essa juventude não acredita que os atuais partidos de extrema esquerda e os de direita tenham essa capacidade e essa vontade de mudar o que eles elegeram como bandeiras de seu tempo. Por aí se explica o porquê da aversão aos políticos e a tentativa inicial de não partidarização do movimento.
Porém hoje já se questiona: esse movimento tem mesmo um forte cunho anárquico e não pretende se credenciar como projeto político-partidário de governo, em substituição ao que está instalado no país? Portanto a pergunta que nos intriga mais é sobre seu destino e seus reais objetivos. É um movimento contra tudo que está ai. Contra a todos os políticos. Contra a chamada ordem estabelecida. Vale observar que quem tem mais a perder é quem está governando neste momento. No caso da esfera federal, o governo da presidente Dilma Rousseff, que pode sair como maior prejudicado, o mais atingido, em especial pela escolha dos manifestantes, como bandeira, os gastos com a Copa do Mundo e ausência das obras de interesse social.
Embora o movimento tenha uma filosofia de não estar vinculado a siglas partidárias, a oposição já está pegando carona nos protestos com o objetivo de desgastar o governo federal. Da mesma forma, não devemos acreditar que os grupos oportunistas que, na maioria dos casos, não têm capacidade de mobilização social, acabe se aproveitando da onda para difundir suas bandeiras, misturando-se aos manifestantes.
Rio de Janeiro foi palco de grandes manifestações, sendo que iniciaram em SP. |
Os conflitos internos e os possíveis rumos deste movimento
Podemos assegurar que o movimento está em ascensão e em expansão dos grandes cidades para as cidades de médio porte, no interior do Brasil. Sua duração, crescimento ou redução ainda são difíceis de prever. Entretanto, o movimento enfrenta grande problema interno e de difícil solução, que é a presença de grupos radicais e vândalos. Eles buscam hegemonizar a manifestação com ações violentas, sujando a imagem pacífica das manifestações. Se os pacifistas tiverem a condição de controlar isso, tudo bem. O mais sensato é seria uma aliança entre os manifestantes pacifistas e as forças de segurança para expurgar esses grupos, caso contrário, o movimento poderá sofrer desgaste por conta desses atos violentos.
Podemos afirmar que, em breve, este movimento passará por alterações, deixando mais claro sua filosofia, métodos e objetivos. Talvez o movimento evolua para certa institucionalidade, mesmo que na informalidade, estabelecendo pautas mais palpáveis e processos de negociação com o poder público ou se configurar somente em protesto, sem estabelecer mesas de negociação, limitando-se a forçar os poderes constituídos a redirecionarem os rumos de suas ações de governo para atender às suas reivindicações e assim tentar diminuir sua capacidade de mobilização e suposta ameaça à ordem pública.
Ainda se apresenta preocupante, nesta análise, como as manifestações serão usadas politicamente pelos opositores e quais os efeitos na opinião pública nas eleições de 2014, considerando os atuais protestos e os próximos. O que se observa é uma unidade dos governos constituídos, já que os protestos não fizeram opções por uma ou outra administração pública ou partido político. Esta união se deve ao fato de que, independente de ser situação ou oposição, o movimento vem para questionar a conduta, as ações ou a inércia do conjunto dos governos diante das suas reivindicações.
Cabe ainda uma reflexão se este movimento vai atuar também de forma organizada e articulada, direcionando o voto para determinadas candidaturas presidenciais às eleições de 2014 ou então poderá optar em não entrar na seara político-eleitoral do próximo ano. No entanto, a utilização da metodologia e dos mecanismos de comunicação por meio da mídia social para organizar o movimento, que podem também ser usados para fortalecer ou enfraquecer candidaturas para as eleições de 2014.
Por último, consideramos os rumos desse movimento em disputa e torcemos para que venha se configurar numa mobilização social, que aprofunde os avanços que a nossa geração iniciou e que não seja hegemonizado pelas forças conservadoras e oportunistas, fazendo com que as manifestações sirvam para desconstruir as forças progressistas e populares, propiciando o retorno aos postos de governo de partidos e pessoas que representam o retrocesso.
A nossa intenção é contribuir através dessa reflexão para que o Partido dos Trabalhadores unifique uma leitura sobre os atuais fatos e dessa forma possa orientar sua militância e seus governos para atuarem nessa nova conjuntura.
Na nossa opinião, o Partido dos Trabalhadores deve orientar sua militância para sim ir também às ruas, mas sem propaganda político-partidária, e sim se integrando ao movimento, contribuindo na sua condução para assegurar que o resultado desses protestos sirvam para aprofundar os avanços e as transformações sociais que o país precisa. E que cada geração faça a sua revolução!
*Airton Faleiro é Deputado Estadual do Partido dos Trabalhadores do Pará.
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