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Diógenes Brandão

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A história continua: Sem-terras são baleados no Pará

20 de Junho de 2012, 21:00 , por Desconhecido - 0sem comentários ainda | No one following this article yet.
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Ao menos 16 manifestantes foram alvejados a balas, na manhã desta quinta (21), por seguranças da fazenda Cedro, pertencente à Agropecuária Santa Bárbara Xinguara, empresa que tem como acionista o banqueiro Daniel Dantas, em Eldorado dos Carajás, Sudeste do Pará.

José Batista Afonso, da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra em Marabá, afirma que os feridos estavam se reunindo na porteira da fazenda para um ato contra a grilagem de terras, o trabalho escravo e o uso excessivo de agrotóxicos, como parte das ações paralelas à Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. Nesse momento, os seguranças atiraram contra eles. Segundo Batista, 12 pessoas até o momento deram entrada no Hospital de Eldorado dos Carajás, entre elas uma criança.

Procurada, a empresa afirmou que encaminharia uma nota com o seu posicionamento sobre o ocorrido.


A entrada da fazenda se localiza a cerca de 40 quilômetros da curva do “S” da rodovia PA-150, local onde 19 trabalhadores rurais sem-terra foram assassinados em 17 de abril de 1996. O Massacre de Eldorado dos Carajás deixou mais de 60 feridos após uma ação violenta da Polícia Militar para desbloquear a rodovia. Duas pessoas foram condenadas por conta da operação: o coronel Mario Colares Pantoja (a 228 anos de prisão) e o major José Maria Pereira Oliveira (a 154 anos), que estavam à frente dos policiais. Apenas em 2012, a ordem de prisão para os dois foi expedida após esgotarem-se todos os recursos.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra possui um acampamento na beira da rodovia PA-150, onde 310 famílias ocupam, desde março de 2010, cerca de cinco hectares dos 7 mil da fazenda de gado, que pertencia a Benedito Mutran Filho e foi vendida à Agropecuária Santa Bárbara Xinguara.

De acordo com Charles Trocate, da coordenação nacional do MST, que se encontra no local, está prevista uma audiência com a ouvidoria agrária nacional nesta sexta, em Marabá. A polícia militar já está no local para apurar o ocorrido. Segundo a liderança, um grupo de cerca de mil manifestantes estava fazendo um protesto na sede da Alpa (Aços Laminados do Pará), que tem a Vale como uma das acionistas. De lá, seguiram para a frente da fazenda Cedro.

O deputado federal Claudio Puty (PT-PA) está indo para o Pará acompanhar os desdobramentos do caso e a reunião com a ouvidoria agrária. Ele afirmou que “esse é mais um capítulo de violência ligada à propriedade do grupo pertencente à Daniel Dantas. Boa parte dessas terras são, originalmente, de aforamento para extração de castanha que, depois, foram apropriadas e revendidas para o grupo Santa Bárbara de maneira absolutamente irregular”. De acordo com Puty, que também é presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Trabalho Escravo, as terras são objeto de ação da Procuradoria Geral do Estado visando ao cancelamento do direito ao uso para fins diferentes do original.

Em nota divulgada à imprensa, o MST informa que chegou a ser proposto um acordo judicial perante a Vara Agrária de Marabá, através do qual os movimentos sociais desocupariam as fazendas Espírito Santo, Castanhais e Porto Rico. Com isso, outras três (Cedro, Itacaiunas e Fortaleza) seriam desapropriadas para o assentamento das famílias. “O Grupo Santa Bárbara, que administra as fazendas do banqueiro [Daniel Dantas], concordou com a proposta. Os trabalhadores desocuparam as três fazendas, mas o Grupo Santa Bárbara tem se negado a assinar o acordo.” O MST afirma que o Incra (governo federal) e o Iterpa (Instituto de Terras do Estado do Pará), por falta de coragem política, não enfrentam o problema e, por isso, terras públicas cobertas de florestas de castanheiras tem se transformado em pastagem para criação extensiva do gado.

Impactos ambientais - Daniel Avelino, procurador da República no Pará, lembra que os controladores da Santa Bárbara Xinguara são réus em ações civis públicas movidas pelo Ministério Público Federal, em 2009, por conta da situação ambiental nas fazendas de gado do grupo. Os problemas na Cedro incluíam “fazer funcionar empreendimento agropecuário sem licença outorgada pelo órgão ambiental competente” e “impedir a regeneração natural de vegetação nativa em área especialmente protegida (Bioma Amazônia)”. De acordo com a ação do MPF, 92,22% da Cedro não possuía cobertura vegetal, sendo que apenas de reserva legal, o empregador teria que garantir 80% estando na Amazônia. 

Com base em um levantamento feito em parceria com o Incra, o Ministério Público Federal do Pará iniciou duas dezenas de processos judiciais contra frigoríficos e fazendas (entre elas a Cedro), pedindo o pagamento de R$ 2,1 bilhões em indenizações pelos danos ambientais no final de maio de 2009. Dezenas de empresas que compraram subprodutos desses frigoríficos receberam notificações em que foram informadas que haviam adquirido insumos obtidos através do desmatamento ilegal da Amazônia e do trabalho escravo. A partir da notificação, deveriam parar de comprar desses fazendeiros e frigoríficos ou passariam à condição de co-responsáveis pelos danos ambientais.

Redes de supermercados acataram as recomendações, pressionando os frigoríficos. As grandes indústrias processadoras de carne e o governo do Pará começaram a assinar termos de ajustamento de conduta com o MPF. Com o tempo, municípios paraenses e frigoríficos menores foram envolvidos no processo. Os acordos do Pará foram os primeiros e contribuíram com a diminuição no índice de desmatamento no Estado. Eles acabaram sendo repetidos em outros Estados a ponto de ser necessária a criação de um acordo regional. Há dois meses, o Ministério Público Federal propôs a representantes de frigoríficos e exportadores de carne bovina um acordo unificado para regularização ambiental e social da cadeia produtiva em toda a região amazônica, uniformizando as obrigações e incentivos dados aos produtores rurais.

Outra fazendas, mesmos envolvidos - Trabalhadores rurais ligados ao MST chegaram a ocupar a fazenda Espírito Santo, também localizada no Sul do Pará, controlada pela Agropecuária Santa Bárbara. Integrada por terras públicas, elas estavam cedidas pelo Estado para Benedito Mutran Filho para colonização e extrativismo e não poderiam ter sido vendidas a Dantas sem autorização do governo.A fazenda tem uma história manchada de sangue. Em setembro de 1989, aos 17 anos, o trabalhador rural José Pereira Ferreira foi atingido por uma bala no rosto por funcionários da fazenda quando tentava escapar do trabalho escravo. O caso, que não recebeu uma resposta das autoridades brasileiras, foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Para não ser condenado por omissão, o governo brasileiro teve que fazer um acordo em que se comprometia a adotar uma série de medidas para combater o trabalho escravo e a indenizar José Pereira pela omissão do Estado. Em novembro de 2003, o Congresso Nacional aprovou um pagamento de R$ 52 mil.

A petição número 11.289 da OEA, relativa à solução amistosa do “Caso Zé Pereira”, afirma que “o Estado brasileiro assume o compromisso de continuar com os esforços para o cumprimento dos mandados judiciais de prisão contra os acusados pelos crimes cometidos contra José Pereira”. O caso ainda está aberto, aguardando julgamento de acusados, sendo que o gerente da fazenda, Artur Benedito Cortes Machado, teve extinta a punibilidade retroativa em 06 de outubro de 1998 devido à prescrição do crime. Tanto no processo da OEA quanto no que correu na Justiça brasileira, Benedito Mutran Filho não aparece entre os réus. O proprietário da fazenda foi arrolado como testemunha pela acusação e afirmou que raramente ia à fazenda Espírito Santo e que demitiu os funcionários envolvidos assim que soube do acontecido.


Fonte: http://diogenesbrandao.blogspot.com/2012/06/historia-continua-sem-terras-sao.html

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