Ao menos 16 manifestantes foram alvejados a balas, na manhã
desta quinta (21), por seguranças da fazenda Cedro, pertencente à
Agropecuária Santa Bárbara Xinguara, empresa que tem como acionista o
banqueiro Daniel Dantas, em Eldorado dos Carajás, Sudeste do Pará.
José Batista Afonso, da coordenação nacional da Comissão Pastoral da
Terra em Marabá, afirma que os feridos estavam se reunindo na porteira
da fazenda para um ato contra a grilagem de terras, o trabalho escravo e
o uso excessivo de agrotóxicos, como parte das ações paralelas à
Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a
Rio+20. Nesse momento, os seguranças atiraram contra eles. Segundo
Batista, 12 pessoas até o momento deram entrada no Hospital de Eldorado
dos Carajás, entre elas uma criança.
Procurada, a empresa afirmou que encaminharia uma nota com o seu posicionamento sobre o ocorrido.
A entrada da fazenda se localiza a cerca de 40 quilômetros da curva
do “S” da rodovia PA-150, local onde 19 trabalhadores rurais sem-terra
foram assassinados em 17 de abril de 1996. O Massacre de Eldorado dos
Carajás deixou mais de 60 feridos após uma ação violenta da Polícia
Militar para desbloquear a rodovia. Duas pessoas foram condenadas por
conta da operação: o coronel Mario Colares Pantoja (a 228 anos de
prisão) e o major José Maria Pereira Oliveira (a 154 anos), que estavam à
frente dos policiais. Apenas em 2012, a ordem de prisão para os dois
foi expedida após esgotarem-se todos os recursos.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra possui um acampamento
na beira da rodovia PA-150, onde 310 famílias ocupam, desde março de
2010, cerca de cinco hectares dos 7 mil da fazenda de gado, que
pertencia a Benedito Mutran Filho e foi vendida à Agropecuária Santa
Bárbara Xinguara.
De acordo com Charles Trocate, da coordenação nacional do MST, que se
encontra no local, está prevista uma audiência com a ouvidoria agrária
nacional nesta sexta, em Marabá. A polícia militar já está no local para
apurar o ocorrido. Segundo a liderança, um grupo de cerca de mil
manifestantes estava fazendo um protesto na sede da Alpa (Aços Laminados
do Pará), que tem a Vale como uma das acionistas. De lá, seguiram para a
frente da fazenda Cedro.
O deputado federal Claudio Puty (PT-PA) está indo para o Pará
acompanhar os desdobramentos do caso e a reunião com a ouvidoria
agrária. Ele afirmou que “esse é mais um capítulo de violência ligada à
propriedade do grupo pertencente à Daniel Dantas. Boa parte dessas
terras são, originalmente, de aforamento para extração de castanha que,
depois, foram apropriadas e revendidas para o grupo Santa Bárbara de
maneira absolutamente irregular”. De acordo com Puty, que também é
presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Trabalho Escravo,
as terras são objeto de ação da Procuradoria Geral do Estado visando ao
cancelamento do direito ao uso para fins diferentes do original.
Em nota divulgada à imprensa, o MST informa que chegou a ser proposto
um acordo judicial perante a Vara Agrária de Marabá, através do qual os
movimentos sociais desocupariam as fazendas Espírito Santo, Castanhais e
Porto Rico. Com isso, outras três (Cedro, Itacaiunas e Fortaleza)
seriam desapropriadas para o assentamento das famílias. “O Grupo Santa
Bárbara, que administra as fazendas do banqueiro [Daniel Dantas],
concordou com a proposta. Os trabalhadores desocuparam as três fazendas,
mas o Grupo Santa Bárbara tem se negado a assinar o acordo.” O MST
afirma que o Incra (governo federal) e o Iterpa (Instituto de Terras do
Estado do Pará), por falta de coragem política, não enfrentam o problema
e, por isso, terras públicas cobertas de florestas de castanheiras tem
se transformado em pastagem para criação extensiva do gado.
Impactos ambientais - Daniel Avelino, procurador da
República no Pará, lembra que os controladores da Santa Bárbara Xinguara
são réus em ações civis públicas movidas pelo Ministério Público
Federal, em 2009, por conta da situação ambiental nas fazendas de gado
do grupo. Os problemas na Cedro incluíam “fazer funcionar empreendimento
agropecuário sem licença outorgada pelo órgão ambiental competente” e
“impedir a regeneração natural de vegetação nativa em área especialmente
protegida (Bioma Amazônia)”. De acordo com a ação do MPF, 92,22% da
Cedro não possuía cobertura vegetal, sendo que apenas de reserva legal, o
empregador teria que garantir 80% estando na Amazônia.
Com base em um levantamento feito em parceria com o Incra, o
Ministério Público Federal do Pará iniciou duas dezenas de processos
judiciais contra frigoríficos e fazendas (entre elas a Cedro), pedindo o
pagamento de R$ 2,1 bilhões em indenizações pelos danos ambientais no
final de maio de 2009. Dezenas de empresas que compraram subprodutos
desses frigoríficos receberam notificações em que foram informadas que
haviam adquirido insumos obtidos através do desmatamento ilegal da
Amazônia e do trabalho escravo. A partir da notificação, deveriam parar
de comprar desses fazendeiros e frigoríficos ou passariam à condição de
co-responsáveis pelos danos ambientais.
Redes de supermercados acataram as recomendações, pressionando os
frigoríficos. As grandes indústrias processadoras de carne e o governo
do Pará começaram a assinar termos de ajustamento de conduta com o MPF.
Com o tempo, municípios paraenses e frigoríficos menores foram
envolvidos no processo. Os acordos do Pará foram os primeiros e
contribuíram com a diminuição no índice de desmatamento no Estado. Eles
acabaram sendo repetidos em outros Estados a ponto de ser necessária a
criação de um acordo regional. Há dois meses, o Ministério Público
Federal propôs a representantes de frigoríficos e exportadores de carne
bovina um acordo unificado para regularização ambiental e social da
cadeia produtiva em toda a região amazônica, uniformizando as obrigações
e incentivos dados aos produtores rurais.
Outra fazendas, mesmos envolvidos - Trabalhadores
rurais ligados ao MST chegaram a ocupar a fazenda Espírito Santo, também
localizada no Sul do Pará, controlada pela Agropecuária Santa Bárbara.
Integrada por terras públicas, elas estavam cedidas pelo Estado para
Benedito Mutran Filho para colonização e extrativismo e não poderiam ter
sido vendidas a Dantas sem autorização do governo.A fazenda tem uma
história manchada de sangue. Em setembro de 1989, aos 17 anos, o
trabalhador rural José Pereira Ferreira foi atingido por uma bala no
rosto por funcionários da fazenda quando tentava escapar do trabalho
escravo. O caso, que não recebeu uma resposta das autoridades
brasileiras, foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da
Organização dos Estados Americanos (OEA). Para não ser condenado por
omissão, o governo brasileiro teve que fazer um acordo em que se
comprometia a adotar uma série de medidas para combater o trabalho
escravo e a indenizar José Pereira pela omissão do Estado. Em novembro
de 2003, o Congresso Nacional aprovou um pagamento de R$ 52 mil.
A petição número 11.289 da OEA, relativa à solução amistosa do “Caso
Zé Pereira”, afirma que “o Estado brasileiro assume o compromisso de
continuar com os esforços para o cumprimento dos mandados judiciais de
prisão contra os acusados pelos crimes cometidos contra José Pereira”. O
caso ainda está aberto, aguardando julgamento de acusados, sendo que o
gerente da fazenda, Artur Benedito Cortes Machado, teve extinta a
punibilidade retroativa em 06 de outubro de 1998 devido à prescrição do
crime. Tanto no processo da OEA quanto no que correu na Justiça
brasileira, Benedito Mutran Filho não aparece entre os réus. O
proprietário da fazenda foi arrolado como testemunha pela acusação e
afirmou que raramente ia à fazenda Espírito Santo e que demitiu os
funcionários envolvidos assim que soube do acontecido.
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