A reforma administrativa no setor público voltou à tona e ganhou espaço para discussão no Congresso Nacional e na sociedade. Perto do Dia do Servidor Público, celebrado no próximo sábado (28), o assunto ganha força e a necessidade de reflexão sobre quais seriam os pontos mais importantes que estariam em debate em uma possível reforma administrativa.
Duas propostas antagônicas geram dúvidas e polêmicas sobre como seria formatada uma nova reforma administrativa. No Congresso Nacional, por força do presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira, há a defesa da PEC32/19, elaborada ainda pelo governo Bolsonaro.
Já o atual Governo Lula, no último dia 16 de outubro, criou uma câmara técnica para debater a reforma, composta por um grupo de sete membros do “Conselhão”, 10 convidados, entre representantes de servidores, da academia e de empresas. Do lado dos servidores, a discussão está constantemente na pauta, por meio dos sindicatos de âmbito nacional, federações e confederações, até como um estado de alerta para evitar retrocessos nos direitos dos servidores.
Reforma administrativa: Bolsonaro x Lula
A reforma administrativa proposta no Governo Bolsonaro tinha como principal objetivo reduzir o custo do Estado, facilitando as demissões de servidores, a ampliação de contratação sem concurso público e a contratação temporária.
Para a sócia e advogada da LBS Advogadas e Advogados Camilla Cândido, as premissas em debate são bem distintas. “As pessoas que compõem o alto escalão do atual governo adotam como premissa o servidor público como um agente de transformação das melhorias que o Estado brasileiro precisa proporcionar à população, enquanto o projeto do governo anterior adotava como premissa um Estado menor, mais enxuto, em que os serviços públicos poderiam ser prestados por empresas privadas”, ressalta a advogada.
Camilla também ressalta que uma premissa da reforma proposta pelo antigo governo era de que havia um inchaço na máquina pública e que os gastos com pessoal poderiam comprometer o orçamento do Estado. No entanto, pesquisa realizada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) desmistifica esse impacto nas contas, pois na trajetória da despesa com pessoal de 2002 a 2022, verificou-se que o gasto é estável, com acréscimo de 1% em relação ao PIB.
“Para analisar o impacto de uma possível reforma administrativa, é preciso compreender qual será a reforma e essa proposta ainda não temos. Talvez o momento seja de reflexão sobre por qual reforma a administração pública precisa passar para entregar à sociedade um melhor serviço”, analisa Cândido.
Apesar de ainda não ter uma proposta formatada, o Governo Lula, por meio da câmara técnica, já mostra alguns indícios do que pode ocorrer a partir da observação dos trabalhos produzidos pelos técnicos no Ministério da Gestão e Inovação. Em linhas gerais, a atual composição do MGI tem um projeto claro para a administração pública que busca ampliar a diversidade dos servidores públicos, reduzir a quantidade de tabelas remuneratórias e carreiras, além do entendimento quanto à importância da estabilidade para os servidores e, também, concurso público ao menos para preenchimento dos cargos.
Quais seriam os possíveis impactos de uma nova reforma?
Com relação aos servidores a serem contratados no futuro, algumas mudanças poderão ter impacto no regime e formatação das carreiras. Das publicações de autoria de membros do MGI, em especial do secretário de Gestão de Pessoas, José Celso Cardoso Júnior, há um desenho que implica a divisão das carreiras em três categorias: estratégica e finalística, transversais estruturantes e de apoio administrativo permanente.
Para as duas primeiras, não haveria modificação equiparado aos atuais servidores públicos, apenas para o apoio administrativo permanente, que seriam contratados via CLT.
“Os impactos podem ser diversos, mas independentemente da reforma que virá, podemos apontar as mesas de negociação coletiva, que já estão ocorrendo no âmbito federal e que ocorrem em alguns Estados e Municípios, que proporcionam um espaço de diálogo entre os servidores e a administração pública e que podem reduzir de forma significativa os problemas que decorrem da relação de trabalho”, aponta Camila Cândido.
Outra medida que poderá impactar é a lei que veta os supersalários, que tem como objetivo tornar o teto salarial absoluto, hoje as verbas indenizatórias não entram no cálculo do teto. Essa medida é defendida pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
O que esperar para o futuro?
A diversidade no serviço público deve estar no centro do debate, não apenas no ingresso, mas também e, principalmente, nos cargos de alto escalão. A participação e representatividade de grupos sociais marginalizados no serviço público poderá dar maior efetividade às políticas públicas, aproximando a burocracia da cidadania.
Há bons indicativos nesse sentido e que independem de uma reforma administrativa discutida no Congresso, tais como o Decreto Nº 11.443, DE 21 DE MARÇO DE 2023, “que determina cotas no preenchimento de cargos em comissão e funções de confiança no âmbito da administração pública federal por pessoas negras e o concurso público unificado, com ampliação das cotas raciais.” No âmbito do Poder Judiciário, recentemente foi aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça, a política de alternância de gênero no preenchimento de vagas para a segunda instância.
Na visão da sócia e advogada da LBS Advogadas e Advogados Camila Cândido é muito complicado prever o que podemos esperar da reforma, pela dificuldade de se compor e alinhar tantos interesses em disputa. No entanto, ela aponta três pautas que poderiam ser cruciais e positivas para os servidores e para o Estado, sem alterar o orçamento. Confira:
1) Aprovação de legislação nacional para garantir direito de negociação coletiva entre servidores e administração pública: há um grupo de trabalho com a missão de elaborar uma proposta para regulamentação da Convenção 151 da OIT que versa sobre negociação coletiva, direito de greve e liberdade sindical.
2) Normatização com diretrizes para os planos de carreira: Hoje existem mais de 300 tabelas salariais, só no Executivo Federal. Um servidor técnico, nível médio, do Ministério Público Federal, recebe um salário maior que um servidor, nível superior, especialista, no meio da carreira do PGPE – Plano Geral de Cargos do Poder Executivo. É importante estabelecer regras para reduzir as iniquidades existentes no serviço público brasileiro.
3) Mobilidade: Facilitar a mobilidade dos servidores públicos, de acordo com sua aptidão e qualificação profissional.
Sobre o Dia do Servidor Público
No dia 28 de outubro, comemora-se o dia do servidor público, essa data foi definida em 1943, pelo então presidente Getúlio Vargas, através do Decreto-Lei Nº 5.936/1943, com a denominação de dia do funcionário público. Em 1990, com a introdução do regime jurídico único dos servidores públicos federais, através da lei 8.112/90, a expressão funcionário público foi substituída por servidor público. O funcionalismo público no Brasil começa com advento da chegada da família real no Brasil, em 1908.