Por Celso Nascimento
O Instituto Curitiba de Informática (ICI) prestou uma informação capenga à coluna na última quarta-feira. Confrontada com reclamações de contribuintes impedidos de aderir ao Refic (programa da prefeitura que permite parcelar o pagamento de débitos inscritos em dívida ativa) porque, supostamente, o ICI teria bloqueado o sistema, a assessoria de comunicação do instituto, em nome de seu presidente, Luiz Mario Luchetta, respondeu que se tratava de um “problema técnico” a ser resolvido com brevidade.
O presidente do ICI reconhece que a informação era parcial. Segundo ele, o esclarecimento foi incompleto para “não expor de forma negativa nossos clientes, o que inclui a Prefeitura de Curitiba”. O que faltou foi uma informação muito singela: segundo escreveu Luchetta após a publicação da coluna sob o título “A cidade refém do ICI” na quinta-feira, o problema técnico a que se referiu dizia respeito ao fato de o instituto não ter sido contratado para operar o sistema Refic. Ou seja, no primeiro contato omitiu uma informação que seria essencial. Simples assim.
O que não é tão simples é o relacionamento conflituoso entre a prefeitura e o ICI. Na tarde da última sexta, o município contestou Luchetta com lacônica informação: “A Secretaria de Informação e Tecnologia entende que os ajustes necessários no sistema existente para processar a adesão ao Refic fazem parte do escopo do contrato vigente com o ICI – e que, portanto, o serviço deve ser entregue pelo Instituto”.
Enquanto se desentendem, todas as partes acumulam prejuízos: a) o contribuinte, ainda impedido de alcançar o benefício do parcelamento das suas dívidas; b) a prefeitura, que perde arrecadação extra para enfrentar os rigores do fim de ano; e c) o próprio ICI que, ao supostamente criar dificuldades para a receita, causa embaraços para receber o que a prefeitura lhe deve.
Este, no entanto, é apenas um problema conjuntural, que um acordo entre as partes poderia resolver momentaneamente. A questão maior, no entanto, é estrutural e confirma o título da coluna do dia 11: a cidade é, sim, refém do ICI.
Por quê? Porque desde a gestão de Cassio Taniguchi, no fim dos anos 90, a prefeitura ajudou a criar e foi repassando ao ICI todo o controle da máquina de serviços de informática. Não se marca uma consulta médica num posto de saúde sem que o ICI mantenha o sistema de agendamentos. Não se arrecada IPTU se seus computadores forem desligados. O transporte coletivo não funciona sem a bilhetagem operada pelo ICI. E assim por diante.
Esta “terceirização” total da máquina para uma só instituição permaneceu intocável nas gestões seguintes à de Taniguchi. Passou pelos mandatos de Beto Richa e também no de Luciano Ducci. Este último, aliás, assinou o contrato vigente com o ICI, com validade até 2016 e a custo superior a R$ 500 milhões.
É possível à prefeitura se libertar das amarras? Dificilmente a curto prazo, já que os “códigos-fonte” dos softwares que rodam os serviços são de propriedade do ICI ou das empresas terceirizadas que o instituto contrata e denomina de parceiras. Assim, não adianta o município criar um sistema próprio para, digamos, operar o recolhimento do ISS ou do IPTU, se o novo programa não “conversar” com todos os demais.
A escravidão, portanto, tende a se perpetuar – a menos que a prefeitura construísse por inteiro o seu próprio “ici”, coisa que, além de estar longe da expertise técnica de sua estrutura, nem sequer está agora ao alcance dos combalidos cofres municipais. Além disto estaria na contramão das tendências modernas de minimizar o tamanho da administração pública.
É deste conjunto de fatores que provém o poder do ICI, uma Organização Social (OS) cujo conselho é majoritariamente dominado por entes privados (dos dez conselheiros, apenas quatro são nomeados pelo prefeito). O Instituto tem pouco a temer quanto ao seu futuro e aos lucros de seus parceiros. Pode até paralisar serviços essenciais para a população se não receber em dia os valores previstos nos contratos.
Exatamente por ser uma OS – ente inspirado na legislação espanhola que lhe assegura um status que não chega a ser público mas também não é privado –, goza de alguns privilégios não concedidos às instituições de Estado. Dentre estes privilégios o de não precisar prestar contas aos órgãos de fiscalização com a transparência que seria desejável. Por exemplo: está dispensado de informar a exata destinação dos recursos que recebe do contribuinte.
Enfrentar o ICI quem há de?
Hoje na Gazeta do Povo
Veja a primeira coluna: A cidade refém do ICI
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