Mesmo com a edição da Constituição em 1988, que prevê um Estado Social e Democrático de Direito, os anos 1990 no país foram pautados pelo o que chamamos de neoliberalismo-gerencial, com privatizações e precarização da Administração Pública, o que gerou menos Estado de Bem-Estar Social e mais corrupção.
Um dos projetos da época era o repasse da gestão de todos os serviços não-exclusivos do Estado, como os serviços sociais de educação e saúde, para as entidades do chamado “terceiro setor”. Em especial, para associações qualificadas como “organizações sociais”, com o simples intuito de fuga do regime jurídico administrativo, do concurso público, das licitações e da lei de responsabilidade fiscal.
Em Curitiba, o governo municipal da época (1997) tentou implementar o modelo na saúde e educação mas, em decorrência de uma competente oposição, conseguiu criar o modelo apenas para outras áreas, em especial na área da informática. Surgiu, assim, o ICI – Instituto Curitiba de Informática, hoje denominado de Instituto Cidades Inteligentes.
Ao invés de ser um modelo de empoderamento da sociedade civil organizada, com o intuito de aprimorar a democracia participativa-deliberativa, o modelo surgiu para que interesses privados se sobrepusessem sobre o interesse da coletividade.
O modelo é simples: ao invés de um órgão ou entidade estatal realizar concurso público para a contratação de seus servidores, como médicos e professores, a gestão desse ente é repassada para uma entidade privada sem fins lucrativos, escolhida sem licitação pelo Poder Público, que fará a gestão de todo o equipamento público. Essa entidade não precisará fazer concurso público e nem licitação, não será transparente e o gasto com dinheiro público nessa entidade poderá fugir do controle da lei de responsabilidade fiscal. É o famoso jeitinho brasileiro. Ao invés de melhorar a gestão pública, o Poder Público simplesmente lava suas mãos e repassa toda a sua responsabilidade para a iniciativa privada, sedenta por dinheiro público sem controles.
Com isso, há mais corrupção, mais nepotismo, mais clientelismo, mais fisiologismo, menor transparência e mais dinheiro público indo pelo ralo. O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo já fez um estudo e comprovou que o modelo gera mais gasto de dinheiro público, menor eficiência, menores salários para os profissionais da saúde e maiores salários para os dirigentes das OSs.
Depois de muitos anos discutindo se o modelo era constitucional ou não, após ações diretas de inconstitucionalidade impetradas pela OAB, PDT e PT, o Supremo Tribunal Federal, após muito debate e divergência, acabou entendendo que o modelo é constitucional. Mas apenas para fins de fomento estatal para as organizações não-governamentais, e não para fins de privatização da saúde e educação.
Curitiba hoje é o centro de um movimento fascista de desmonte do Estado de Bem-Estar Social e de perseguição contra os inimigos do grande capital. E a prefeitura da cidade está se aproveitando do momento, com uma oposição frágil e uma população anestesiada, para aprovar a privatização da saúde e da educação na cidade. Mas ainda é tempo para que a população acorde e questione esse absurdo advindo dos governantes neoliberais. Essa é a nossa esperança.
Tarso Cabral Violin – advogado e professor de Direito Administrativo em várias instituições do Paraná, é vice-coordenador do Núcleo de Pesquisa em Direito do Terceiro Setor do PPGD-UFPR, membro da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-PR, mestre e doutorando (UFPR) e autor do livro “Terceiro Setor e as Parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica (Fórum, 3ª ed., 2015).
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