Há algum tempo tive que assistir uma palestra, por determinação de uma instituição privada de ensino, do colunista da Veja e economista Claudio de Moura Castro. Sem enrubecer o rosto, e sem qualquer análise crítica, ele simplesmente disse que o maior educador de todos os tempos não foi Jean Piaget, Lev Vygotsky ou Paulo Freire, mas sim Walt Disney.
É óbio que é uma afirmação equivocada. Me parece claro que há dezenas de outros educadores e educadoras que poderiam estar na lista de maiores educadores, e não Disney.
Mas, infelizmente, em nossa sociedade do capitalismo neoliberal a imagem é mais importante do que o conteúdo, o ter é melhor do que o ser, o interesse privado egoístico é privilegiado com relação ao interesse público e coletivo.
Em nossa sociedade na qual poucos conglomerados dominam a mídia mundial, e os meios de comunicação monopolísticos e grandes empresas de mídia digital dominam o que a maioria de nossas crianças, adolescentes e adultos vão saber, debater, acreditar e pautar suas vidas.
Nos últimos dias assisti a dois longa-metragens da Disney-Pixar, e nas duas o mundo perfeito seria “sem políticos e sem burocracia”.
Isso mesmo, desenhos e filmes com indicação livre ou 10 anos, que serão assistidos por milhões de crianças e adolescentes, e seus pais que transferem a educação de seus filhos para a TV e celular, pautam no sentido de que uma sociedade perfeita não terá políticos e nem burocracia!
Não, esses desenhos não pregam uma sociedade anarquista ou comunista, sem Estado, sem desigualdades, sem injustiças, sem exploração do homem pelo homem, com uma radical democracia direta e deliberativa, sem capitalismo. Pelo contrário.
Os desenhos, filmes e programas de TV mostram que não podemos confiar em governos, em Estados, em burocracias, em políticos. Podemos confiar em grandes empresas privadas, eficientes, íntegras, que garantam os interesses da sociedade.
Note-se que meu questionamento não é contra quem fiscaliza, critica, cobra dos políticos. Isso eu defendo, isso é política! O que abomino é acreditar que em uma sociedade perfeita devamos exterminar os políticos.
O que seria uma sociedade sem políticos? Seria uma nação sem eleições, sem Democracia, sem participação social, sem política. Uma sociedade na qual existiria um indivíduo iluminado, ou um grupo restrito de sujeitos, que não seriam políticos, mas gerentes eficientes. Resumindo: seria uma ditadura.
O que seria uma sociedade sem burocracia? Para começar, para que serve a burocracia? Burocracia serve para que você tenha direito ao contraditório e ampla defesa junto ao Poder Público; que para você ser contratado pelo Estado participe de um concurso público isonômico e que a Administração Pública tenha servidores profissionalizados; que para sua empresa privada ser contratada pelo Poder Público, participe de uma licitação; que você saiba como a Administração Pública vai se portar em assuntos de interesse público, com prazos fixados em lei, sem surpresas, sem preferências injustificadas. Enfim, burocracia serve para tentar acabar com o patrimonialismo, a corrupção, o clientelismo, o nepotismo, etc. Procedimentos inúteis, ineficientes, contrários ao interesse público, não é burocracia, mas o que não foi implementado a contento da burocracia, é “burrocracia”.
O que seria um mundo sem políticos e sem burocracia? Seria uma ditadura patrimonialista, em que poucos e gigantescos conglomerados privados e indivíduos iluminados pautariam a sociedade. É essa a lição que tiramos hoje dos filmes da Disney e demais meios de comunicação da chamada “velha mídia”.
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