Por Carlos Mingione (*)
A contratação de obras e serviços pela administração pública deve seguir o regramento estabelecido por leis como forma de garantir a lisura do uso dos recursos públicos. Instituída pela Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, a Lei do Regime Diferenciado de Contratação (RDC), a contratação integrada, é uma forma de licitação para a contratação de obras e serviços de engenharia na qual o vencedor do processo licitatório é quem deve elaborar os projetos, fornecer os materiais e equipamentos, executar as obras, os serviços e montagens, realizar os testes, a pré-operação e todas as demais atividades e operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto do projeto.
A nova legislação veio atender a uma demanda de obras para a realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. A sua criação pressupunha a aceleração da entrega dos empreendimentos contratados, eliminar os aditivos de preço e de prazo, além de reduzir os custos das obras. Infelizmente, ainda hoje nos deparamos com obras que não foram entregues à população. Dentre os casos mais emblemáticos destacam-se o VLT de Cuiabá (MT), marcado por interrupções, assim como o Aeroporto Internacional Pinto Martins, de Fortaleza (CE), entre outros empreendimentos não concluídos até o momento.
A contratação integrada traz procedimentos que certamente vão provocar novos fracassos e desperdícios do dinheiro público. A precariedade dessa modalidade começa pela frágil definição e especificação do objeto da contratação. O anteprojeto adotado no certame é um documento técnico extremamente carente de informações indispensáveis para possibilitar a adequada especificação de um empreendimento e, consequentemente, ineficaz para o controle da qualidade do produto que será produzido, do seu prazo de execução, bem como dos custos envolvidos na implantação, operação e manutenção do bem em questão.
Nessa modalidade de contratação, cabe à empresa contratada a responsabilidade pela elaboração do projeto, ou melhor, do “seu projeto”, para a implantação do empreendimento e, evidentemente, este projeto irá atender, prioritariamente, às suas expectativas de resultado, deixando para um segundo plano o atendimento dos interesses do contratante. O correto é confiar a elaboração dos projetos a uma empresa independente daquela que executará as obras.
Caso contrário, pode-se receber um empreendimento com menor custo de implantação, mas que demande maiores recursos para a operação e manutenção, ou ainda, um produto com menor expectativa de vida útil, resultando em uma solução pior para a sociedade.
Por isso, as licitações devem ser embasadas em um bom projeto, com dados eficazes para a implantação, avaliação dos custos e previsão de todas as circunstâncias para a adequada utilização do empreendimento ao longo de toda a sua vida útil. Adicionalmente, o projeto funciona como uma verdadeira vacina contra a corrupção – o contratante sabe o que está comprando, o contratado sabe o que terá que entregar e a fiscalização sabe o que terá que controlar e verificar.
Os defensores da contratação integrada alegam que as contratações de obras com projetos completos atrasam os investimentos, ou a implantação de empreendimentos. Tamanho engano é facilmente contraposto pelos diversos casos de insucessos verificados pelo território brasileiro, nos quais os contratos atrasam em decorrência da necessidade de elaboração e aprovação dos projetos, ou pior, simplesmente são paralisados após consumir grandes montantes de recursos.
As licitações com projetos completos são conquistas da administração pública brasileira para evitar os desperdícios e os desvios do nosso dinheiro, e avançar no caminho para estancar os terríveis prejuízos causados à nossa sociedade.
Carlos Mingione é engenheiro e presidente do Sinaenco (Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva).