Quarto texto da parceria entre o Blog do Tarso e a APUFPR, que lançaram campanha para discutir o ajuste fiscal e seus impactos na universidade. Ver também: O ajuste fiscal e as universidades, A Desoneração interessa a quem? e O sistema da dívida pública gera riqueza à custa dos direitos sociais do povo brasileiro.
Lógica da austeridade
Por Francisco Paulo Cipolla
Há um acordo generalizado entre economistas de que a economia mundial apresenta sintomas de estagnação secular, isto é, redução continua da taxa de crescimento da produção. Podemos ver essa tendência à estagnação através dos dados sobre o ritmo de acumulação de capital nos EUA, país onde se dispõem das melhores estatísticas econômicas.
Figura 1. Corporações Não Financeiras. Taxa de acumulação de capital
1945-2013
Fonte: Bureau of Economic Analysis
Nota-se claramente pela linha de tendência que a estagnação relativa começa no final da década de 60 e continua até os dias de hoje. Quase meio século de patinação no barro!
Os governos dos diversos países têm procurado, sob a pressão ininterrupta das empresas, diminuir a tributação sobre os lucros para incentivar os investimentos e o crescimento econômico. Esse foi um dos grandes pilares ideológicos do neoliberalismo, conhecido como supply side economics e erigido a doutrina ortodoxa para a recuperação da iniciativa privada.
Figura 1. USA Corporações Não Financeiras. Imposto sobre a renda como proporção dos lucros: 1946-2013
Fonte: Bureau of Economic Analysis
De nada adiantou. Ao contrário, o menu de subterfúgios e métodos “legais” de escapar dos impostos continua se expandindo com a força de um big bang.
A outra fonte de lucros adicionais foi a redução da participação dos trabalhadores no valor por eles agregado à produção. A concentração de renda galopante dos últimos 40 anos tem alarmado os economistas de todos os quadrantes. Sintoma mais recente é o livro de Piketty sobre o Capital no Século XXI, livro que resume as causas dessa concentração na diferença entre taxa de lucro e taxa de crescimento.
De fato, toda a história recente permitiu apenas uma recuperação da lucratividade empresarial, mas sem nenhum efeito sobre a taxa de acumulação de capital que continua sua impávida trajetória declinante.
A diminuição da tributação sobre os lucros numa conjuntura de níveis de crescimento cada vez mais baixos teve um impacto negativo sobre a arrecadação dos governos. Esse impacto negativo pôs pressão no sentido da redução dos gastos públicos. O que ficava no caixa das empresas devia ser compensado por uma redução das despesas que na maioria das vezes acabava afetando a qualidade de vida dos assalariados em geral.
Mas o que ficava no caixa, ao contrário do que previam os economistas do main stream, não se transformava em mais investimento, mas sim numa maior acumulação de capital na forma de dinheiro que só podia ser investida em títulos geradores de juros. A maior disponibilidade de dinheiro face a uma acumulação de capital relativamente estagnada só podia provocar um aumento no preço dos títulos financeiros. Abria-se uma época de bolhas financeiras recorrentes e níveis de endividamento crescentes.
Com a diminuição da arrecadação, os déficits só podiam ser financiados pelo aumento da dívida pública com o que o volume de juros pagos pelos governos tendia a aumentar. Esse aumento da carga de juros deveria ser compensado por uma redução de gastos, em geral escolhidos dentre os serviços públicos necessários à população.
Mas endividamento e especulação levam às crises. Nas crises a sustentação da cadeia de endividamentos faz aumentar ainda mais a dívida pública pois implica gastos de sustentação dos bancos e empresas à beira da falência. Por isso é que a pressão sobre a redução dos serviços públicos e gastos públicos em geral aumenta durante as crises atropelando tudo pela frente. A não ser que nos oponhamos.
Isso se passa na Grécia de forma drástica nos dias de hoje e, ainda que de forma mais moderada, entre nos. Mas como diz o proverbio: De te fabula narratur. Preparemo-nos pois.
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