Foto de Tarso Cabral Violin no dia 29 de abril de 2015, pouco antes do início do Massacre do Centro Cívico em Curitiba
Palestra realizada na Unespar em Paranaguá, a convite do DCE, em 14.05.2015, no evento “O que restou da ditadura: o Massacre do dia 29 de abril em debate”, com Narciso Pires (Tortura Nunca Mais do Paraná).
O que restou da ditadura: O massacre do dia 29 de abril em debate
No Paraná ainda não ocorreu a Revolução Francesa ou qualquer revolução burguesa do século XVIII, que tenha acabado com a Monarquia Absolutista e o patrimonialismo.
Aqui ainda há um casal real governando.
Nosso governador não é controlado pelo Poder Legislativo, nem Pelo Poder Judiciário, nem pelo Ministério Público e muito menos pelo Tribunal de Contas.
Não somos um Estado de Direito.
Aqui não há Poderes independentes e que se controlam. Há um grande acordo de cavalheiros.
Aqui não há Democracia.
Não há Democracia representativa, porque, em sua maioria, os políticos eleitos, nossos representantes, são milionários ou são patrocinados por empresas milionárias, que depois querem reaver seus “investimentos”.
Não há Democracia participativa ou deliberativa. Aqui o povo não é escutado e muito menos pode decidir sobre a implementação de políticas públicas ou aprovação de leis de seu interesse.
Aqui a Polícia não protege seu povo, mas o espanca quando o povo questiona os poderes constituídos.
Aqui a velha mídia, a imprensa, protege os governantes e empresários que a patrocinam, e detonam qualquer um que questione seus patrocinadores. Pagando bem, e em dia, fala maravilhas do governante. Se alguém cortar a torneira, ela consegue apear do poder qualquer um. Eu disse qualquer um.
Aqui não há uma República, que seria uma nação na qual se busca o bem comum, o interesse público.
Aqui em nossa Administração Pública ainda há o que chamamos de patrimonialismo, com muita corrupção, nepotismo e clientelismo (troca de favores).
O que ocorreu na Praça Nosas Senhora de Salete no Centro Cívico de Curitiba, capital do Paraná, no dia 29 de abril de 2015, foi uma vergonha para a cidade, para o estado e para o país.
Professores, estudantes, educadores, servidores públicos, advogados, blogueiros, ativistas digitais, jornalistas e demais cidadãos foram brutalmente agredidos no chamado Massacre do Centro Cívico.
Eu estava lá, como advogado e professor universitário, para fiscalizar se os direitos fundamentais dos manifestantes seriam respeitados. Estava lá como autor do Blog do Tarso e Presidente da Associação dos Blogueiros e Ativistas Digitais do Paraná – ParanáBlogs, para filmar e documentar a manifestação e a greve dos professores.
Os professores e demais manifestantes apenas queriam que o governador Carlos Alberto Richa, vulgo Beto Richa (PSDB), não confiscasse dinheiro dos servidores públicos do fundo de previdência para pagar a conta do governo irresponsável que quebrou o Estado. E com a chancela de 31 deputados estaduais.
A minha única arma era uma câmera, comecei a filmar o massacre no exato momento do início, e com poucos segundos fui ferido com um estilhaço de uma bomba. Por dois centímetros que não perdi a visão de um olho. E as vezes acho que até agora ouço o barulho da bomba. Veja o vídeo filmado por mim:
Veja o vídeo completo de 50 minutos do Massacre do Centro Cívico, filmado por mim, mesmo ferido:
Segundo o art. 144 da Constituição de 1988, “às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública”.
Infelizmente em nosso estado muitas vezes a manutenção da ordem pública significa repressão contra os hipossuficientes e manutenção das garantias das elites financeiras e políticas.
No dia 29 de abril de 2015 cerca de 1.200 policiais militares atuaram na região da Assembleia Legislativa, do total de 22 mil militares na corporação. Foram 900 que vieram do interior e deixaram regiões de todo o estado desguarnecidas.
O que se viu foi um ação policia totalmente desarrazoada, despreparada, autoritária, com um total desrespeito à dignidade da pessoa humana e aos direitos humanos.
Policiais atirando bombas na cara dos manifestantes, atirando balas de borracha da cintura para cima, atirando em cidadãos indefesos e desarmados.
As ruas e praças são bens públicos de uso comum do povo, lugares de livre circulação, segundo o Direito Administrativo.
Devem ser utilizados de forma igualitária e harmoniosa.
Comícios, passeatas, manifestações, não necessitam de autorização do Poder Público para o livre uso da população, nos termos do art. 5º, XVI, da Constituição:
“XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;”
Com as devidas justificativas, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello a Administração Pública tem o poder de veto. Mas isso de forma excepcionalíssima.
A Assembleia Legislativa é um bem de uso especial, mas que deve ser aberta ao povo, já que é chamada de “Casa do Povo”. Um dia antes conseguiram judicialmente que o Parlamente fosse aberto ao povo, mas no dia um desembargador do Tribunal de Justiça caçou a decisão e limitou o acesso apenas aos dirigentes sindicais.
Desde então várias manifestações ocorreram em apoio aos professores e contra o massacre. A campanha que ocorre até hoje é “Menos Bala, Mais Giz, Somos Todos Professores“.
No dia 8 de maio ocorreu um julgamento simbólico realizado por juristas na Universidade Federal do Paraná, sobre o Massacre do Centro Cívico, com aproximadamente mil pessoas, mais milhares que acompanharam pela UFPR TV e on-line.
Foram exibidos vídeos, relatos de sindicatos, da OAB-PR, de um advogado de Richa, de movimentos sociais e leitura de cartas dos juristas Fabio Konder Comparato e Flavia Piovesan, criticando o massacre.
Após os julgadores juristas Celso Antonio Bandeira de Mello, Jorge Luiz Souto Maior e Larissa Ramina e o sociólogo especialista em segurança pública Pedro Rodolfo Bodê de Moraes fizeram exposições condenando o ocorrido.
Celso Antônio Bandeira de Mello, o maior jurista do Direito Administrativo de todos os tempos, defendeu o Impeachment do governador Beto Richa:
“quem responde pelo governo, pelo estado, é a autoridade, é o governador, se o Estado fez o que fez, é ele que tem que responder, a sanção natural para o que aconteceu é o Impeachment do governador Beto Richa”
Ao final do evento foi lida carta com os encaminhamentos da comissão de julgadores, no seguinte sentido:
1. Houve graves violações de direitos humanos, como o direito de manifestação, de liberdade de expressão, de integridade física e moral e do direito de greve.
2. São responsáveis pelas violações direitos os seguintes: Estado do Paraná, governador do Paraná Beto Richa (PSDB), ex-secretário de segurançaFernando Francischini (Solidariedade), o ex-Comandante Geral da Polícia Militar Cezar Vinicius Kogut e demais autoridades envolvidas nos atos de violência.
3. Medidas jurídicas que devem ser tomadas: Impedimento (Impeachment) do governador Beto Richa, por crime de responsabilidade, sem prejuízo de implicações cíveis e criminais; denúncia do Estado do Paraná perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com flexibilização do requisito de prévio esgotamento dos recursos internos e no Comitê de Liberdade Sindical da OIT por prática anti-sindical.
4. Medidas políticas: reestruturação do sistema de segurança pública, com a aprovação da PEC 51 para a desmilitarização da PM e unificação das polícias; que se garantam à classe trabalhadora efetivos direitos de organização e de luta e a urgência em se reconhecer a violência institucionalizada e mortal contra os pobres, favelados, afro-descendentes, população LGBT e mulheres, para fim de construir uma sociedade tolerante, igualitária e com efetiva Justiça Social.
Veja o evento completo:
A imprensa paranaense foi responsável pela reeleição de Richa ainda no primeiro turno em 2014, por sempre poupá-lo, após gastos milionários de publicidade com dinheiro público. Depois da eleição, querendo mais dinheiro público, começou a bater no governo. Após o massacre, conseguindo verbas milionárias, parou de divulgar qualquer coisa contra Richa, escondendo a decisão pelo Impeachment do governador.
Nos termos do ordenamento jurídico, cabe o Impeachment do governador do estado nos casos de crimes de responsabilidade quando:
1. Desrespeitados “o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais”: “servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua”, “subverter ou tentar subverter por meios violentos a ordem política e social” e “provocar animosidade entre as classes armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis”. Claramente o governo Beto Richa descumpriu esse preceito legal.
2. Não atuar com probidade administrativa: “expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição”, “usar de violência ou ameaça contra funcionário público para coagí-lo a proceder ilegalmente” e “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.
O processo de Impeachment contra o governador Beto Richa se dará da seguinte forma:
1. Qualquer cidadão poderá denunciar o Governador Beto Richa perante a Assembléia Legislativa, por crime de responsabilidade;
2. A denúncia assinada pelo denunciante e com a firma reconhecida, deve ser acompanhada dos documentos que a comprovem ou com a indicação do local em que possam ser encontrados, com rol de pelo menos cinco testemunhas;
3. Apresentada a denúncia e julgada objeto de deliberação, se a Assembléia Legislativa do Paraná, por 2/3 dos deputados, decretar a procedência da acusação, será o governador imediatamente suspenso de suas funções;
4. Se Richa for condenado por crime de responsabilidade, perda o cargo, com inabilitação de até 8 anos (Constituição Federal), para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo da ação da justiça comum;
5. O julgamento será realizado por um Tribunal de Julgamento composto de 5 membros do Poder Legislativo (eleitos) e de 5 Desembargadores (sorteio), sob a presidência do Presidente do TJ, que terá direito de voto no caso de empate;
6. Só poderá ser decretada a condenação pelo voto de 2/3 dos membros do tribunal de julgamento.
Seria uma lição para que nunca mais professores, estudantes, servidores e cidadãos fossem gravemente agredidos pelo Poder Público.
No lugar de Richa entraria a vice-governadora Cida Borghetti (PROS).
Talvez fosse o primeiro passo para que o Paraná se transformasse, realmente, em um Estado Republicano, Democrático e de Direito, como manda nosso texto constitucional.
Tarso Cabral Violin – advogado, professor universitário de Direito Administrativo, mestre e doutorando (UFPR), autor do Blog do Tarso e Presidente da Associação dos Blogueiros e Ativistas Digitais do Paraná – ParanáBlogs
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