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Por que o ajuste fiscal nos empurrou à greve?

13 de Agosto de 2015, 16:10 , por Feed RSS do(a) Blog do Tarso - | No one following this article yet.
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Oitavo texto da parceria entre o Blog do Tarso e a APUFPR, os quais lançaram campanha para discutir o ajuste fiscal e seus impactos na universidade. Ver também: O ajuste fiscal e as universidadesA Desoneração interessa a quem?O sistema da dívida pública gera riqueza à custa dos direitos sociais do povo brasileiroLógica da austeridade, A ideologia do ajuste fiscal coloca a ciência e a sociedade em apuros, O “ajuste fiscal” e a paz de espírito dos tubarões e Universidade shylockiana: cortando na carne do ensino, da pesquisa e da extensão

Por Ricardo Prestes Pazello

O ano de 2015 fez chegar ao ápice um sombrio movimento de nuvens a pairar sobre a realidade brasileira. Se a conjuntura do país se apresenta sombria, não menos cinzenta é a situação da universidade pública brasileira hoje.

Enquanto o governo federal é acossado pela mídia e amplos setores dentre os mais conservadores, retribui a seus algozes com a concessão do programa de governo derrotado nas eleições de 2014. Uma estranha síntese se opera: porque ganhou, cede para não perder.

Não se trata de simples concessão, mas de uma verdadeira inversão do discurso construído em 2014. Se os governos federais petistas se autodenominaram “neodesenvolvimentistas” até então, por conta de suas evidentes alianças com a burguesia interna (como a da indústria e do agronegócio), em 2015 houve um verdadeiro giro neoliberalizante, indisfarçável, que se consolidou no assim chamado “ajuste fiscal”.

É certo que o contingenciamento das finanças públicas seguido dos cortes propriamente ditos nos orçamentos dos ministérios da república não se trata, exatamente, de uma ruptura com relação ao histórico dos últimos doze anos. Mas, sem dúvida, é uma novidade em termos de política de governo, que não se propõe sequer a induzir o crescimento via alianças estratégicas entre estado e burguesia. Muitas explicações são dadas para isso, no amplo leque da política brasileira, desde o fatalismo dos setores mais à direita, até a circunstancialidade dos segmentos governistas. Salpicado com crise econômica internacional (cíclica, aliás) e crise política institucional (e os seus seletivos casos de corrupção alardeados à exaustão pelos grandes meios de comunicação empresariais), o contexto se torna ao mesmo tempo explosivo e asfixiante.

Explosivo porque, paralelamente aos fatos que embotam a conjuntura nacional, assistimos perplexos à emersão de uma desabrida postura conservadora, até então mais ou menos latente em nossa sociedade, mas que agora se materializa em cada vez mais difundidas teologias conservadoras, posições políticas reacionárias, organizações formais de direita, tendo eco até no aparentemente sóbrio espaço das assembléias de professores que se propõem a debater a greve. Na Universidade Federal do Paraná, por exemplo, tivemos acesso a um circo de horrores deste tipo no contexto de nossa assembléia que deliberou sobre a greve docente, em que palavras de baixo calão e gestos obscenos, provenientes de tais setores da direita raivosa, ganharam, impudicamente, as luzes da ribalta.

Por sua vez, também asfixiante, já que a crise política e econômica respondida com ajuste fiscal significou o aumento do abismo que separa a coerência, dos que votaram em uma proposta de governo menos “austera”, da realidade do programa de governo vira-casaca (mesmo que a camisa já tivesse de algum modo pelo avesso). Este descolamento põe em risco a própria e frágil democracia brasileira. A asfixia das continuamente equivocadas respostas dadas pelo governo com base no pacotaço do ajuste fiscal empurra a classe trabalhadora organizada para um movimento de contundente contestação. Mas, ao contrário do que pensam os arautos do adesismo governista, a greve do funcionalismo público federal, por exemplo, ao invés de servir para engrossar o coro dos que querem a instabilidade institucional, presta-se a pressionar o governo para que modifique o curso de suas políticas que se aprofundam na cartilha rezada pelos governantes brasileiros da década de 1990 (que teve no governo do PSDB seu apogeu). Se é verdade que tem limitadas possibilidades de conseguir, por si só, modificar o itinerário de tais políticas neoliberalizantes, por sua vez, põe em xeque todo o estamento político brasileiro e percebe, com cristalina limpidez, que não é trocando o cor-de-rosa pelo azul-tucano que as coisas se modificarão. Ao contrário, só piorarão. Nesse sentido, apenas a classe trabalhadora organizada, em seus movimentos de rua e de paralisação, é que poderá defender a vilipendiada democracia brasileira.

Ocorre, porém, que este entendimento não é de fácil assimilação para parcela dos antigos setores da esquerda (notadamente, a absorvida pela institucionalidade) e nem mesmo para os mais ou menos novos grupos da direita. Não compreendem os primeiros a importância da organização da classe trabalhadora, único fiel da balança, na atual conjuntura; não o entendem os segundos, porque pretendem surfar em uma onda que não foi feita para eles – a da disputa politizadora dos trabalhadores assalariados.

No âmbito dos trabalhadores da educação superior federal, este contexto se desdobra na inanição imposta às universidades brasileiras. Comprovando, uma vez mais, que a constituição da república às vezes não passa de mera carta de amor platônico, entramos em um semestre sombrio em que além de não serem dadas condições mínimas de dignidade salarial e de condições de trabalho (reiterada pauta do último período, por parte dos docentes organizados pelo Andes Sindicato Nacional), sequer o conceito constitucional de universidade pode ser vislumbrado.

Está inscrita na carta máxima – como assim gostam de chamá-la os juristas – a seguinte idéia: “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (art. 207) – mas que autonomia é esta que é sofrivelmente impactada por um contingenciamento orçamentário e um corte financeiro da ordem dos 10 bilhões de reais? Que indissociabilidade é esta entre ensino, pesquisa e extensão quando a pesquisa de pós-graduação só acessa 25% de seus recursos habituais, a pesquisa de graduação se vê desertificada sem a maioria das bolsas que lhe dinamizavam e quando a extensão, já o patinho feio da história, também sofre abalos sísmicos em seu custeio e capital? Isto para não falar na assistência estudantil, nas verbas de transporte, na infra-estrutura e tantas outras sérias necessidades da universidade em contextos de países dependentes. Ou seja, promessa de amor não cumprida e impossível de sê-la com um “ajuste fiscal” deste porte.

Nem autonomia nem indissociabilidade são possíveis com os anunciados cortes na educação universitária brasileira, atingindo PROAP (Programa de Apoio à Pós-Graduação), PROEX (Programa de Excelência Acadêmica), PROEXT (Programa de Extensão Universitária), PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência), PARFOR (Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica), dentre outros que compõem a sopa de letrinhas da estrutura de financiamento da universidade brasileira. A universidade, então, fica reduzida a um grande colégio, e os professores, a singelos prestadores de aulas. Mas mesmo aqui o risco se apresenta: o de acabar a luz…

Assim, os professores são jogados ao movimento paredista. Ainda que não conseqüência inexorável, a greve é única capaz, no atual de contexto, de servir de resposta para 1) se opor ao aprofundamento neoliberalizante que o ajuste fiscal do governo federal representa; 2) para defender a democracia brasileira, com o conjunto da classe trabalhadora organizada velando o Brasil contra os arroubos que querem promover a desestabilização da institucionalidade nacional; e 3) mostrar quem é o verdadeiro sujeito que educa esta pátria, deseducada e desajustada. A capacidade dessas respostas serem terminativas vai depender do grau de unidade dos professores em greve nacionalmente e de suas condições de articulação com os demais setores da classe trabalhadora e dos movimentos populares. Eis nossa missão diante da atual e sombria conjuntura – denunciar o ajuste fiscal, sinalizando à sociedade brasileira a necessidade de sua superação. Em face dessa tarefa, para a qual fomos empurrados, não podemos recuar.

Ricardo Prestes Pazello é professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná e integrante do Comando Local de Greve da UFPR

Ricardo


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Fonte: http://blogoosfero.cc/blog-do-tarso/blog-do-tarso/por-que-o-ajuste-fiscal-nos-empurrou-a-greve