Para o Capão Raso, a lei. Para o batel, tudo.
Coluna Caixa Zero de Rogério Galindo, hoje na Gazeta do Povo
Quem anda pelos bairros de Curitiba sabe que há milhares de quadras sem calçadas. Não é que tenham calçadas ruins, como aquelas do Centro, em que você torce o pé: simplesmente não existem calçadas. Quem quiser, que ande pela rua, desviando dos carros quando eles vierem. A situação é comum em quase todas as áreas fora do círculo mais central da cidade, aquele que aparece nos cartões postais. Do Portão ao Cajuru, passando pelo Xaxim, o pedestre precisa de sorte e juízo para não ser atropelado.
A alegação do poder público é de que fazer calçadas é obrigação do morador. A obrigação da prefeitura é fazer a rua (e sabemos como são bem feitas: basta ver que em 40 dias os vereadores protocolaram 250 pedidos de operações tapa-buracos urgentes para a cidade). Portanto, a segurança de quem anda pela rua depende do dono da casa ou da empresa. E ficamos combinados.
Para o Batel, no entanto, a lei parece ser outra. A prefeitura de Curitiba acaba de anunciar que vai fazer uma beleza de calçada em frente aos imóveis da região. Está lá, com destaque, na página da prefeitura. Na Avenida Batel e sua continuação, a Bispo Dom José, o poder público decidiu bancar calçadas de primeiro mundo. Serão mais largas do que as atuais, terão canteiros de flores (para separar os pedestres da rua e dar mais segurança), e haverá três espelhos d´água. Para completar, o asfalto será trocado e os cabos de energia serão enterrados, para melhorar o visual da área.
Os beneficiados, além dos próprios moradores (e de quem passa por ali) serão os donos de bares e restaurantes. A área é tipicamente comercial e atende à classe média-alta da cidade. No total, a prefeitura diz que o custo será de R$ 3,5 milhões, pagos pelo Fundo de Desenvolvimento Urbano do governo do estado. Mais para a frente, outras cinco ruas ganharão calçadas do gênero. Todas, claro, em bairros de alta classe: Carlos de Carvalho, Augusto Stresser, Fagundes Varella, São Francisco e Padre Ladislau Kula (ao lado do Parque Barigui) foram as escolhidas. Somando tudo, serão R$ 28,5 milhões. Desses, R$ 4,7 milhões saem do cofre da prefeitura.
Curioso é pensar que quem está pagando pelo luxo do Batel é justamente o morador da periferia. Quem quiser entender o que isso significa pode fazer um pequeno experimento urbano. Basta ir à zona sul da cidade e pegar a linha de ônibus Campo Alegre, rumo ao terminal do Capão Raso. Pertinho do campo do União Capão Raso, o time amador de futebol da região, o cidadão deve olhar para a esquerda e ver, em meio a um terreno baldio, a maior manilha a céu aberto que poderá imaginar.
A compensação que o morador do Capão Raso terá será a de saber que os curitibanos do Batel estarão andando em segurança e sem ter de ver fios de eletricidade quando olharem para cima. E em nenhum momento a prefeitura parece pensar em cobrar contribuições de melhoria dos comerciantes do Batel, pelo menos para usar o dinheiro em outro lugar.
Um último lembrete: os R$ 3,5 milhões que serão consumidos pelas calçadas do Batel são equivalentes a três vezes e meia o valor que a prefeitura e os vereadores destinaram à Cohab, em 2012, para o reassentamento de famílias em áreas irregulares.
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