Por Tarso Cabral Violin
Publicado originalmente no jornal O Estado do Paraná de 13.09.2010, no caderno Direito & Justiça
Provavelmente ainda em 2010 o Supremo Tribunal Federal tomará uma importante decisão com relação à Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.923-5: é possível que uma entidade privada, não criada pelo Estado -que não faz concurso público ou licitação para suas contratações de pessoal, bens e serviços, não é fiscalizada no seu dia-a-dia pelo Tribunal de Contas, enfim, não está adstrita ao regime jurídico administrativo – receba dinheiro, bens e servidores públicos, sem ter participado de licitação, com o intuito de substituir o Poder Público em áreas como educação, saúde, assistência social, pesquisa, tecnologia, cultura e meio ambiente?
A resposta no sentido negativo parece óbvia, mas infelizmente muitos políticos, administradores públicos e, pasmem, juristas, entendem que a eficiência, ou pelo menos o discurso da eficiência pode passar por cima de princípios constitucionais como legalidade, moralidade, isonomia, publicidade e supremacia do interesse público sobre o privado.
É esta a discussão que se trava com relação à Lei das Organizações Sociais (9.637/98), que são associações ou fundações privadas qualificadas e que firmam contratos de gestão com a União, estados e municípios, que como num passe de mágica têm ao mesmo tempo prerrogativas e até privilégios que nenhum outro tipo de instituição pública ou privada conquistou até hoje: o poder de lidar com dinheiro público sem controles efetivos da Administração Pública, Tribunal de Contas, Ministério Público e da própria sociedade.
Quando editada a Lei, o discurso dominante das reformas administrativas neoliberais-gerenciais – final do século XX -era o de que essas entidades seriam mais eficientes e poderiam ser controladas apenas nos seus resultados.
O que aconteceu na prática? Entidades que são verdadeiras caixas-pretas que não sofrem controle incisivo do Poder Público e muito menos da sociedade. Você já tentou, ou se tentou já conseguiu informações de interesse público em alguma OS?
Infelizmente essa falta de controle pode estar fazendo que estas entidades, ao invés de virarem espaços de compartilhamento, ajuda mútua, se tornem espaços apenas de negócios, e muitas vezes, infelizmente, de negociatas.
Lembrando que principalmente a prestação de educação e saúde são deveres do Estado definidos constitucionalmente, podendo a iniciativa privada, com ou sem fins lucrativos, atuar apenas de forma complementar.
O repasse por parte do Estado de serviços às OSs é um tipo de terceirização ilícita, pois repassa atividades-fim do Poder Público, o que é uma fuga indevida do regime jurídico administrativo.
Por exemplo, é possível que uma escola pública terceirize alguma atividade-meio, como a limpeza. Mas não é possível que um município contrate médicos por meio de OS ou repasse a gestão de todo um hospital para essas organizações.
A tendência é que os Ministros do STF Joaquim Barbosa, Lewandowski, Marco Aurélio, Ayres Britto, Cármen Lúcia e Dias Toffoli considerem as OSs como inconstitucionais.
Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Peluso provavelmente as considerarão constitucionais, ficando a dúvida com relação ao voto de Celso de Mello e do novo Ministro a ser escolhido por Lula.
O que está pautada é a discussão se o chamado “terceiro setor” é apenas um instrumento de privatização do Estado ou um espaço de construção de uma sociedade mais justa, democrática e igualitária, com um equilíbrio entre a sociedade política e sociedade civil, na guerra de posição gramsciana, em busca de uma hegemonia popular!
Tarso Cabral Violin é professor de Direito Administrativo da Universidade Positivo, mestre em Direito do Estado pela UFPR, advogado e consultor jurídico.
Arquivo em:Direito Tagged: OS - Organizações Sociais
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