Por Tarso Cabral Violin – advogado, professor de Direito Administrativo, mestre em Direito do Estado e doutorando em políticas públicas pela UFPR, autor do Blog do Tarso
“O Estado deve cuidar apenas da segurança interna e externa da nação, garantir os direitos individuais dos cidadãos e regular as atividades da iniciativa privada”. Se estivéssemos no século XIX talvez a assertiva acima fizesse algum sentido.
Mas a Constituição brasileira de 1988 é Social, Republicana e Democrática de Direito.
Social porque prevê uma sociedade livre, justa e solidária, com erradicação da pobreza e redução das desigualdades, bem estar, igualdade, justiça social, dever do Estado na educação e na saúde, etc.
Republicana porque busca o bem comum, o interesse público, uma Administração Pública que não seja patrimonialista, mas sim profissionalizada e burocrática no sentido weberiano da palavra.
Democrática porque deve existir uma democracia representativa, com representantes eleitos pelo povo, e uma democracia deliberativa, com o povo participando e decidindo de forma direta.
De Direito porque os Poderes se controlam e são controlados, respeitando os direitos fundamentais.
Em uma Constituição Social o Estado não tem papel apenas regulador. Ele é obrigado a não apenas intervir na ordem econômica e social de forma indireita, regulando e fomentando, mas também de forma direta, prestando serviços públicos e explorando atividades econômicas.
Note-se que a Constituição brasileira prevê que estamos em um capitalismo, com livre iniciativa e propriedade privada, mas não um capitalismo liberal, do cada um por si e Deus por todos, do egoísmo, da barbárie, do individualismo.
Um capitalismo, sim, mas com um Estado de Bem-Estar Social. Nesse tipo de sociedade, o papel do Estado na gestão pública é variado, desde exercer o Poder de Polícia, fazer regulação, fomentar o Terceiro Setor e o Mercado, mas principalmente de prestar serviços públicos e de explorar algumas atividades econômicas.
Não estou dizendo que o Estado brasileiro deva, nos termos da Constituição, explorar todas as atividades econômicas. Pelo contrário. O art. 173 da Constituição de 1988 determina que o Estado explorará diretamente atividades econômicas nos casos previstos na Constituição em quando necessárias aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, nos termos da lei.
Os serviços públicos privativos, nos termos do art. 175 da Constituição, devem ser prestados diretamente pelo Poder Público ou em regime de concessão e permissão. É o único caso previsto na Constituição de possibilidade de terceirização de atividades-fim do Estado. Por exemplo, é possível que os serviços públicos de telefonia sejam prestados diretamente pelo Estado ou por empresas privadas, em regime de concessão ou permissão.
Mas há serviços públicos que não podem ser concedidos ou permitidos pelo Poder Público. Por exemplo, os serviços postais não podem ser terceirizados (art. 21, X).
Os serviços públicos de TV e rádio devem ser prestados pelo Estado, mas também devem ser concedidos para a iniciativa privada. No Brasil deve haver uma complementariedade dos sistemas privado, público e estatal (art. 223).
Particularmente, entendo que também não podem ser concedidos ou permitidos os serviços públicos que são monopólios naturais. Se há apenas uma estrada que liga a cidade A a cidade B, essa estrada não pode ser privatizada. Se não há demanda para que exista mais de um ônibus entre o ponto A e B da cidade, essa linha não pode ser concedida. Se há apenas um aeroporto na região, esse aeroporto não pode ser repassado para a iniciativa privada.
No caso de monopólios naturais, que sejam públicos, pois mais democráticos e mais fáceis de controlar.
Sobre os serviços públicos sociais, não-exclusivos, alguns o Estado é obrigado a prestar, como a educação e a saúde, e a iniciativa privada poderá atuar de forma complementar, colaborativa.
Os serviços de desenvolvimento científico e tecnológico, a Constituição diz que o estado deve promover e também incentivar (art. 218). Ou seja, deve promover diretamente mas também fomentar.
Na outra ponta, os serviços sociais desportivos, a Constituição define que o Estado é apenas fomentador, e não executor (art. 271).
Quando defendo um Brasil mais justo e sem desigualdades sociais falam que isso é uma utopia.
Victor Hugo em “Os Miseráveis” fala o seguinte: “Não há nada como o sonho para criar o futuro. Utopia hoje, carne e osso amanhã”. Não percam seus sonhos, persigam suas utopias!
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