Marleth Silva, hoje na Gazeta do Povo
Ele não era uma pessoa de cultivar manias e obsessões. Era do tipo que tem preguiça de manter hobbies que exigem comprometimento. Certa vez teve uma namorada que era mergulhadora. Achou aquilo lindo, fez curso, mergulhou no mar frio de Bombinhas, mas não tinha disposição para dedicar todo fim de semana a uma coisa só. Gostava de ser livre para fazer… nada.
Este rapaz desencanado e resolvido tinha um desejo antigo: queria ter um Fusca. Identificava a raiz do desejo lá atrás, quando, ainda estudante, trabalhou com um comerciante que tinha um Fusca 66. Um dia, esse homem lhe deu carona no Fusca “meia-meia”, como ele dizia. O rapaz ficou impressionado. O carro tinha quase a mesma idade que ele, nascido que era em 1965. O automóvel redondinho era uma peça de colecionador.
O que significa dizer que algo é uma “peça de colecionador”? Significa que aquele objeto não é necessário, nem prático, nem tem uma boa relação custo-benefício. Mas tem charme e história; impressiona os amigos quando eles veem aquilo na sua casa. Os Fuscas “nascidos” nos anos 60 estavam nesta categoria. Depois que o Itamar Franco encasquetou que o Brasil precisava ressuscitar o carrinho em 1993, quem quer um Fusca porque ele é um carro barato tem essas opções mais novas, os “Fuscas do Itamar”. Os antiguinhos ficam mesmo para os colecionadores. Ele, quem diria, acalentava o desejo de ser um colecionador de carros antigos. Até se arrepiava de prazer ao dizer isso em voz baixa – “colecionador de carros antigos”. Muito chique!
Como era do seu feitio, pensou e repensou na compra do Fusca durante anos sem nem chegar perto de fechar negócio. Quem conviveu com ele percebeu que admirar Fusquinhas pelas ruas da cidade havia se transformado em uma obsessão.
Ficou pior quando os sobrinhos lhe ensinaram uma brincadeira: quem visse um Fusca gritava: “Fusca, Fusquinha” e ganhava a microcompetição. A namorada achou engraçadinho o entusiasmo dele quando os meninos estavam no banco de trás. Mas quando os dois ficavam sozinhos e, de repente, ele gritava “Fusca, Fusquinha” e olhava para ela com ar de vitória, a moça bufava, revirava os olhos e, intimamente, questionava o futuro daquela relação.
Um dia ele ultrapassou, em uma rua do Centro da cidade, um Fusca verde-musgo que levava um papel colado no vidro traseiro esquerdo: “Vende-se Fusca 1965”. Pronto, o nosso herói havia encontrado o seu Fuque. Um ano mais velho – ou melhor, mais antigo – que o meia-meia do primeiro patrão. Ainda por cima, do ano em que ele nasceu. Era o destino! O Fusca verde meia-cinco tinha de ser dele. Perseguiu o carro por duas quadras até que conseguiu decorar o número de telefone anotado no papel. Levou uns dois dias para ligar, com medo de ter de tomar uma decisão. O proprietário da peça rara fez charme. Contou vantagem. Valorizou o Fuque o mais que pode. Depois de muito falar, deu o preço. Era bom.
O rapaz pediu um tempo para pensar. Contou para a namorada. “Compre logo”, respondeu a moça. “Assim você para de falar disso.” Aquilo era um estímulo? Não era bem o que ele esperava. A dúvida o atormentava. Compro um Volks/Fusca/Fuque? Vou usar uma vez por semana ao menos? Ou ficará estacionado ao lado do pé de araçá, apodrecendo? Os amigos vão rir ou vão achar charmoso?
Depois de uma semana, ligou de novo para o dono do meia-cinco. “Demorou, o carro foi vendido”, foi o que ouviu. Ficou meio sem graça, desligou o telefone. Respirou aliviado.
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