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Recensão de Luiz Edson Fachin sobre o livro “Capitalismo de laços: Os donos do Brasil e suas conexões” de Sérgio Giovanetti Lazzarini

9 de Janeiro de 2014, 3:19 , por Desconhecido - 0sem comentários ainda | No one following this article yet.
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Por Luiz Edson Fachin (advogado, professor titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da UFPR)

Recensão feita na virada de ano, a partir de leitura sugerida, tempos faz, por Fernando Scaff. Tinha essa dívida, cara especialmente no Brasil da debilidade autoral. Ainda que em mora, liquidei esse passivo, e compartilho (sem o brilho da análise feita por Gaspari) o resultado em homenagem a Lazzarini, autor que merece respeito.

LAZZARINI, Sérgio Giovanetti. Capitalismo de laços: Os donos do Brasil e suas conexões. Rio de Janeiro: Elsevier. 2011.

À primeira vista, Sérgio Lazzarini procura realizar uma análise dos grupos societários no Brasil. Li e depreendi que é isso, mas é muito mais que isso. Percebe-se o sentido de ter ele tomado como base companhias brasileiras, estatais e privadas, em dois períodos: primeiramente na década de 1990, com ênfase no governo Fernando Henrique Cardoso, e, posteriormente, na primeira década passada, com ênfase no governo Lula, momento em que houve uma explosão de companhias que passaram a negociar suas ações em mercado aberto, até a crise de 2008 que freou esse movimento.

Esse foi o quadro. A fotografia espelhou muito mais que um retrato do Brasil. De maneira bastante analítica e com rigor científico o autor procura explicar o alto grau de entrelaçamento do empresariado brasileiro, entre si e com o governo, bem como procura esclarecer alguns mitos correntes na economia brasileira, principalmente no que se refere à entrada de empresas estrangeiras no mercado brasileiro.

Da leitura intento fazer uma síntese que busca ser apta e fiel ao espelho do exemplar pensamento e método ali encontrados. A fidelidade também está no confessado (e necessário aqui) emprego de vocábulos e expressões do próprio autor.

Para iniciar sua análise, Lazzarini apresenta o conceito-chave de capitalismo de laços, que define como sendo o emaranhado de contatos, alianças e estratégias de apoio gravitando em torno de interesses políticos e econômicos. Esses laços são, a priori, construídos entre os entes privados, no entanto, de modo direto ou indireto, acabam por envolver o setor público. Para alguns, como se sabe, esse capitalismo de laços é uma distorção do mercado, fazendo com que projetos de investimento sejam influenciados por contratos sociais e critérios políticos em vez de considerações mais técnicas e econômicas (no inglês há um termo para isso: crony capitalism). Tais laços podem, inclusive, resultar em conluios ilícitos na forma de cartéis, por exemplo. Assim pode não ser, como explicita a obra, eis que, numa visão mais positiva desses laços, as transações econômicas estão embutidas em um tecido de relações sociais, de modo que as trocas de mercado influenciam a forma como a sociedade se organiza, sendo que a recíproca também é verdadeira. Ainda mais: esses laços seriam positivos mesmo quando envolvem o governo, visto que a relação dos setores privados com o setor público significaria maior segurança as empresas privadas e faria o governo compreender melhor os problemas do setor privado, podendo atuar positivamente por meio de políticas públicas.

Pois bem. A partir daí, Lazzarini segue com conceitos essenciais à compreensão do capitalismo de laços. Segundo o autor, a participação de grupos (sejam grupos privados, bancos, instituições financeiras, bancos estatais, fundos de pensão, etc.) em empresas similares projeta uma relação entre eles. Como exemplo, o autor apresenta a composição acionária (mesmo simplificada, e é suficiente em nosso ver) da Vale, formada pelo BNDES, pelo Bradesco, pelo grupo japonês Mitsui e pela Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil), formando uma aglomeração, e a composição acionária da Embraer, formada pelo grupo Bozano, o grupo Oppenheimer, o BNDES e a Previ, formando outra aglomeração. Assim, há relações projetadas entre os grupos acionistas da Vale entre si, mas também, os acionistas da Vale se conectam aos grupos acionistas da Embraer por meio de atores de ligação, no caso o BNDES e a Previ.

De modo lúcido e criativo, a toda essa sistemática Lazzarini dá o nome de Mundo Pequeno. Ademais, o autor ressalta que no Capitalismo (aqui, agora com “C” maiúscula a fim de representar a objetividade de certo sistema) de laços brasileiro, o governo, diretamente via BNDES, ou indiretamente, via fundos de pensão das estatais, é o principal ator de ligação entre as aglomerações. Essa é uma particularidade bastante exacerbada do capitalismo brasileiro e foi esse modelo, inclusive, que garantiu bons preços aos leilões de privatização das estatais brasileiras no governo FHC e dirimiu um pouco das críticas feitas à política nefasta de privatizações, tendo em vista que o governo continuava tendo papel relevante nas empresas privatizadas.

Essa dinâmica de laços parece mesmo ser muito própria do capitalismo brasileiro, e segundo o autor ajuda a atenuar a ideia da dependência criada pelo capital estrangeiro no país depois das privatizações. A empresa estrangeira que chegou ao Brasil teve de se adaptar a esse modelo de laços tão complexo, de modo que muitas abandonaram ao país por não conseguirem acompanhar essa dinâmica. Ademais, refinando a teoria da dependência desenvolvida na América Latina, pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso, mostrou que em vez de ficarem passivas a entrada de capital estrangeiro no Brasil, as empresas nacionais agiam estrategicamente, de modo a se beneficiar da relação com a empresa multinacional.

Seguindo com sua análise, Lazzarini afirma que no Brasil, mais da metade das empresas apresentam em sua composição acionária grupos piramidais, isto é, proprietários que criam uma determinada empresa que será, por sua vez, acionista de outra empresa e assim por diante. Ainda, o autor pondera que dentro desse sistema não há necessidade de que os atores apresentem laços com diversos outros atores, basta criar laços com importantes atores de conexão. Nesse sentido, o professor apresenta o conceito de coeficiente de agrupamento, que mede o grau em que os donos se aglomeram por meio de participações conjuntas nas mesmas empresas, e o conceito de distância, que avalia quão facilmente um ator pode acessar outro por meio de laços diretos ou indiretos. Assim, haverá um mundo pequeno quando o coeficiente de agrupamento for muito superior ao que se esperaria em uma rede de laços formados ao acaso.

Ainda, o autor afirma que existe uma desigualdade de influência, ou seja, alguns são mais conectados ou têm contatos mais influentes que outros. Essa desigualdade se dá pelos graus de centralidade distintos entre os proprietários. Além disso, Lazzarini apresenta o conceito de centralidade de grau, que é medida pelo número total de contatos diretos, ponderado pela força de tais relações. Parindo desses pressupostos, o autor analisa quais são os atores mais centrais na economia brasileira, isto é, aqueles com maior número de contatos e com maior força dessas relações. O resultado parece esperado: os atores mais centrais na economia brasileira são ligados, direta ou indiretamente, ao setor público. Essa centralidade do setor público em muito deriva do contexto de privatização da década de 1990.

A ideia de privatizar empresas públicas, destaca a obra em recensão, nem sempre é palatável à opinião pública. Nesse sentido, a solução encontrada pelo governo foi eleger o BNDES como entidade central nas privatizações, de modo que o governo continuasse, de certa forma, a manter influência sobre essas empresas. Não obstante isso, os fundos de pensão também foram essenciais nesse movimento, tendo vista sua alta penetração no mercado acionário brasileiro e sua feição pública. Tudo isso leva a crer que o governo permaneceu mais influente do que se pensava, principalmente porque as privatizações não foram capazes de criar os laços já existentes com o governo.

Lazzarini vai adiante analisando as consequências dessa relação entre o setor público e o setor privado, e também de que forma ela (tal relação) ocorre. De início o autor já se refere a possíveis relações clientelistas entre esses dois setores. O clientelismo ocorre quando há relações de favorecimento recíproco entre o setor público e o setor privado. As relações clientelistas são mais eficientes que a pressão de grupos organizados de empresas, tendo em vista que exigem menor complexidade de negociação e conferem vantagens específicas a empresa em questão, sem beneficiar os demais concorrentes.

Aqui o estudo de Lazzarini dirige arguto olhar numa das chagas da democracia brasileira: o clientelismo se corporifica no Brasil por meio do apoio dado por empresas às campanhas de políticos, em troca de favorecimentos posteriores. Não por acaso o tema aflorou recentemente no Supremo Tribunal Federal.

Sobre isso, o fato é inexorável, sobretudo nas eleições legislativas, e Lazzarini assim explicita: no Brasil, a popularidade dos candidatos não é definida diretamente pelos benefícios trazidos via projetos de lei aprovados, ou emendas ao orçamento público. Nesse sentido, a aprovação desses projetos trazem ganhos indiretos. Mais nítido impossível: assevera Lazzarini que o político tentará aprovar projetos visando favorecer grupos privados em vez de sua base eleitoral diretamente. Em troca, o político pode pedir benefícios diretos à empresa, principalmente via doações de campanha. Essa relação é especialmente vantajosa no contexto brasileiro em que quanto mais dinheiro é usado na campanha, maiores são as chances de eleição. Lazzarini explica que as empresas privadas procuram se conectar politicamente para obter recursos valiosos e escassos. No Brasil, o acesso ao crédito e ao capital financeiro são considerados recursos dessa monta. Assim, as empresas que mais doam a candidatos vencedores conseguem mais facilmente empréstimos e tem acesso mais facilitado ao capital financeiro. Portanto, como ficará o tema agora sob definição de nossa Corte Suprema? Aliás, é mesmo ali o foro de tal debate?

Sem embargo, prossigamos com Lazzarini: quando se considera que a maior parte do financiamento a empresas no Brasil ocorre por meio de bancos públicos (sobretudo o BNDES) fica evidente como é vantajoso influenciar o destino dos empréstimos e alocações governamentais. Resta ponderar, no entanto, quão meritórias são as alocações financeiras feitas pelo BNDES, ainda mais quando se leva em conta que por ser um banco público o BNDES não deve se preocupar apenas com as condições econômicas do investimento, mas também deve atentar para o interesse público.

O autor, no entanto, aponta também alguns aspectos positivos desse relacionamento entre o Estado e o setor privado. Muitos empresários enxergam as doações a campanhas como uma forma de proteção perante ações discriminatórias ou disfunções da máquina estatal. No entanto, esse “pedágio” pago pelas empresas poderia ser evitado com uma burocracia mais eficaz. Na verdade, a relação entre Estado e empresas pode ser interessante se o Estado conseguir ficar imune aos mecanismos de influência. A questão –aponta, com toda razão, em meu ver- é saber se isso é possível.

Seguindo na análise, Lazzarini apresenta mais um conceito de complexificação do capitalismo de laços, qual seja, a ideia de grupos econômicos que são agrupamentos de firmas em ‘clubes’ compostos por unidades empresariais com os mesmo sócios controladores. Assim, se cria mais uma dimensão de laços corporativos, agora, entre grupos econômicos. Dessa forma, a Vale pode ser considerada um grupo econômico, pois além de ser formada por diversos titulares ou proprietários (conforme visto anteriormente), a Vale participa de diversas outras empresas, como a MBR, Albrás, Samarco e MRS Logística.

Vem dados interessantes no livro: os grupos estatais corresponderam a 38% das receitas totais dos 20 maiores grupos econômicos do Brasil em 2009. Há apenas uma empresa estrangeira entre os 10 maiores grupos econômicos no Brasil. Para Lazzarini isso corrobora a tese de que mesmo após a década de 1990 não houve desnacionalização da economia brasileira e o Estado não perdeu seu papel central. Lazarrini analisa que os grupos apresentam bastante importância na redução daquilo que Ronald Coase nominou de custos de transação. As empresas tendem a internalizar a produção quando os custos de transação são altos, o que favorece o surgimento de grupos econômicos. Por outro lado, a estrutura de propriedade concentrada de muitos grupos pode dar espaço para que os controladores utilizem transferências internas em benefício próprio. Ademais, os grupos podem ser máquinas de captura de benefícios públicos. Por fim, ainda pode se falar em possíveis efeitos anticompetitivos de sua presença. Esses efeitos anticompetitivos se dão, sobretudo, em função daquilo que é chamado Equilíbrio de Nash, que é a busca de interesses comuns sem que haja competição entre os envolvidos. Esses interesses, no entanto, nem sempre estão alinhados com o bem-estar da sociedade. A presença de grupos torna esse equilíbrio mais provável, porque os pontos de interação entre os jogadores aumentam substancialmente. Há, ainda, a ideia de redes de grupos, que são agrupamentos de corporações que já são, elas mesmas, conjuntos de empresas e proprietários. Essas redes podem ser por meio de consórcios, por exemplo, e também tem como objetivo a redução dos custos de transação.

Lazzarini, ainda que de forma breve, também analisa o papel das empresas estrangeiras no capitalismo de laços brasileiro. Segundo o autor, as multinacionais ao entrarem no país se deparam com uma série de riscos trazidos por fatores e articulações que ocorrem, fundamentalmente, em um contexto doméstico dos países-alvos. É nesse sentido que se fala no conceito de “desvantagem de ser estrangeiro”, que se dá, justamente, pela falta de familiaridade da firma estrangeira com o ambiente de negócios do país-alvo. Assim, quanto mais piramidal é a estrutura proprietária do país de origem da multinacional, maiores são as chances de sucesso no Brasil. Fala-se, portanto, em um desenvolvimento dependente, que se dá na relação simbiôntica entre atores domésticos e estrangeiros. No entanto, é bastante claro que as relações entre empresas domésticas e governo diminuem a influência das empresas estrangeiras. Nesse sentido, uma manobra possível das multinacionais é a criação de agremiações de firmas que construam canais com o governo, por meio de sindicatos patronais, liderados por elas, em uma forma de lobby organizado.

Analisando agora a onda de abertura de capital ocorrida no Brasil entre 2004 e 2009, o autor explica que esse movimento se deu em função das boas condições, quais sejam, a economia em crescimento, a elevada liquidez e a existência de investidores ansiosos por novos investimentos. Nesse período, portanto, houve grande pulverização do mercado acionário brasileiro, antes marcado pela concentração em grandes grupos econômicos. Ainda, importante ressaltar que a maior parte da oferta acionária desse período foi realizada no Novo Mercado, que apresenta padrões diferenciados de governança, com mais transparência e proteção aos acionistas minoritários. Apesar de toda essa abertura, no entanto, a estrutura piramidal se manteve, mesmo no Novo Mercado, e o BNDES seguiu como a empresa que mais se associou a esses novos empreendimentos de capital aberto. De outro lado, houve maior participação dos bancos, públicos e privados, na emissão de ações e na concessão de empréstimos.

Lazzarini ainda analisa outra forma de entrelaçamento no capitalismo brasileiro, que se dá por meio das conexões estabelecidas entre os membros dos conselhos de administração das empresas. Os conselhos entrelaçados podem englobar firmas com proprietários similares. Da mesma forma, o entrelaçamento também pode ocorrer quando membros externos são chamados para participar de múltiplos conselhos. Assim, pode-se dizer que os conselhos entrelaçados também formam mundos pequenos, com índice de mundo pequeno igual a 38,8. As firmas que abriram capital no período compreendido entre 2004 e 2009 apresentaram alto grau de conselhos entrelaçados.

Por fim, Lazzarini faz, brevemente, um balanço crítico do capitalismo de laços no Brasil. Segundo o autor, a participação do governo (via BNDES e fundos de pensão) facilita a execução de projetos de grande porte e mais arriscados, não se submetendo às pressões temporárias do mercado. No entanto, esses atores buscarão realizar os interesses governamentais. Além disso, ao alocar capital em diversas firmas, o governo deixa de investir em outros setores mais meritórios, como saúde, educação, infraestrutura, etc. O autor, finalmente, apresenta algumas propostas sobre como fortalecer o capitalismo de laços em seus pontos positivos e dirimir seus pontos negativos.

Lazzarini advoga pela maior necessidade de transparência e motivação dos entes estatais para a alocação de capitais em setores privados. Da mesma forma, cobra maior transparência nas relações societárias em geral, principalmente no que tange ao sistema piramidal dos grupos econômicos. O autor também clama por maior isolamento político, seja do governo em relação aos fundos de pensão, seja no que se refere às doações de campanha. Nesse sentido, ele não propõe o fim do financiamento privado por parte de pessoas jurídicas às campanhas, mas sim maior fiscalização de órgãos públicos como o Ministério Público. Ainda, Lazzarini fala da necessidade premente de se reduzirem os custos de transação no país, com o objetivo, justamente, de evitar o surgimento de aglomerações proprietárias. Ademais, o governo deve agir como contrapeso na formação de grupos, e não como impulsionador, examinando em detalhes as implicações anticompetitivas e facilitando a entrada de novos empreendedores e firmas no mercado.

Não se subscreve todas as direções da obra, mas o livro de Lazzarini é um desses estudos imprescindíveis para conhecer o Brasil que oculta a essência por meio da aparência.

Luiz Edson Fachin, 03 de janeiro de 2014.


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Fonte: http://blogoosfero.cc/blog-do-tarso/blog-do-tarso/recensao-de-luiz-edson-fachin-sobre-o-livro-%E2%80%9Ccapitalismo-de-lacos-os-donos-do-brasil-e-suas-conexoes%E2%80%9D-de-sergio-giovanetti-lazzarini

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